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204.E O CÉREBRO CRIOU O HOMEM (RELEIT.MATTANÓ)(24)
204.E O CÉREBRO CRIOU O HOMEM (RELEIT.MATTANÓ)(24)

204. E O CÉREBRO CRIOU O HOMEM NUMA RELEITURA DE OSNY MATTANÓ JÚNIOR (2024).

 

ANTÓNIO R. DAMÁSIO

RELEITURA DE: OSNY MATTANÓ JÚNIOR

E o cérebro criou o Homem

 

 

Sumário

 

 

PARTE I - Começar de novo

 

  1. Despertar

 

  1. Da regulação da vida ao valor biológico

 

 

PARTE II - O que há no cérebro capaz de criar a mente?

 

  1. A geração de mapas e imagens

 

  1. O corpo na mente

 

  1. Emoções e sentimentos

 

  1. Uma arquitetura para a memória

 

 

PARTE III - Estar consciente

 

  1. A consciência observada

 

  1. A construção da mente consciente

 

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  1. O self autobiográfico

 

  1. Alinhavando as ideias

 

 

PARTE IV - Muito depois da consciência

 

  1. Viver com consciência

 

Apêndice Notas Agradecimentos

 

PARTE I

 

 

 

COMEÇAR DE NOVO

 

  1. Despertar

 

Quando acordei, estávamos descendo. Eu havia dormido o suficiente para perder os avisos sobre a aterrissagem e o tempo. Estivera sem a percepção de mim mesmo e do que me cercava. Tinha estado inconsciente.

 

Poucas coisas em nossa biologia são tão aparentemente triviais quanto esse bem a que chamamos consciência, essa fenomenal faculdade de ter uma mente dotada de um possuidor, um protagonista de sua própria existência, um self a inspecionar seu mundo interior e o que há em volta, um agente que parece pronto para a ação.

 

Consciência não é meramente estar acordado. Quando despertei, dois breves parágrafos atrás, não olhei em volta a esmo, captando imagens e sons como se minha mente acordada não pertencesse a ninguém. Ao contrário, eu soube, quase no mesmo instante, com pouca ou nenhuma hesitação e sem esforço, que era eu, ali sentado no avião, minha identidade viajante voltando para casa em Los Angeles com uma longa lista de coisas a fazer antes que terminasse o dia, ciente de uma singular combinação de cansaço da viagem e entusiasmo pelo que me esperava, curioso sobre a pista em que aterrissaríamos e atento aos ajustes da potência do motor que nos conduzia ao solo. Sem dúvida, estar acordado era indispensável a esse estado, mas a vigília não era sua característica principal. Qual era então a característica principal? O fato de que os inúmeros conteúdos exibidos em minha mente, independentemente do quanto fossem nítidos ou bem-ordenados, estavam ligados a mim, o proprietário da

 

 

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mente, por fios invisíveis que reuniam esses conteúdos na festa movediça que é o self. E, igualmente importante, o fato de essa ligação ser sentida. Eu tinha o sentimento da experiência de mim mesmo e daquela ligação.

 

Acordar significou ter de volta minha mente, que estivera temporariamente ausente, agora comigo nela, cônscio tanto da propriedade (a mente) como do proprietário (eu). Acordar permitiu-me reaparecer e inspecionar meus domínios mentais, a projeção, em uma tela do tamanho do céu, de um filme mágico, um misto de documentário e ficção, que também conhecemos pelo nome de mente humana consciente.

 

Todos temos livre acesso à consciência. Ela borbulha com tanta facilidade e abundância na mente que permitimos, sem hesitação ou apreensão, que se desligue toda noite quando adormecemos e retorne de manhã ao soar do despertador, no mínimo 365 vezes por ano, sem contar as sestas. E no entanto poucas coisas em nós são tão sensa-cionais, fundamentais e aparentemente misteriosas como a consciência. Sem a consciência - isto é, sem uma mente dotada de subjetividade -, você não teria como saber que existe, quanto mais saber quem você é e o que pensa. Se a subjetividade não tivesse surgido, ainda que bastante modesta no início, em seres vivos bem mais simples do que nós, provavelmente a memória e o raciocínio não teriam logrado uma expansão tão prodigiosa, e o caminho evolucionário para a linguagem e a elaborada versão humana de consciência que hoje possuímos não teriam sido abertos. A criatividade não teria florescido. Não existiriam a música, a pintura, a literatura. O amor nunca seria amor, apenas sexo. A amizade seria apenas uma cooperação conveniente. A dor nunca se tornaria sofrimento, o que não lamentaríamos, mas a contrapartida dessa dúbia vantagem seria que o

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prazer nunca se tornaria alegria. Sem o revolucionário surgimento da subjetividade, não existiria o conhecimento e não haveria ninguém para notar isso; consequentemente, não haveria uma história do que os seres fizeram ao longo das eras, não haveria cultura nenhuma.

 

Embora eu ainda não tenha apresentado uma versão prática de consciência, espero não ter deixado dúvidas quanto ao que significa não ter consciência: na ausência dela, nosso ponto de vista pessoal é suspenso, não sabemos que existimos, nem que existem outras coisas. Se a consciência não se desenvolvesse no decorrer da evolução e não se expandisse em sua versão humana, a humanidade que hoje conhecemos, com todas as suas fragilidades e forças, nunca teria se desenvolvido também. É arrepiante pensar que uma simples vereda, caso não houvesse sido trilhada, poderia ter significado a perda das alternativas biológicas que nos tornam verdadeiramente humanos. Por outro lado, como haveríamos então de descobrir que estava faltando alguma coisa?

 

Se não nos assombramos a todo momento com a consciência, é porque ela é muito disponível, fácil de usar, elegante em seus espetaculares aparecimentos e desaparecimentos diários. Mas, quando nos pomos a refletir sobre ela, todos nós, cientistas ou não cientistas, ficamos perplexos. De que é feita a consciência? Ela é a mente com algo mais, penso eu, já que não podemos estar conscientes sem possuir uma mente da qual estejamos conscientes. Mas de que é feita a mente? Ela vem do ar ou do corpo? Pessoas inteligentes dizem que ela vem do cérebro, que ela está no cérebro, mas essa não é uma resposta satisfatória. Como o cérebro faz a mente?

 

O fato de que ninguém vê a mente dos outros, seja ela consciente ou não, é especialmente misterioso. Podemos observar o corpo e as ações das pessoas, o que elas dizem ou escrevem, e fazer

 

 

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suposições bem fundamentadas sobre o que elas pensam. Mas não podemos observar a mente delas, e só nós mesmos somos capazes de observar a nossa, de dentro, e por uma janela exígua. As propriedades da mente, sem falar nas da mente consciente, parecem ser tão radicalmente diferentes das propriedades da matéria viva visível que as pessoas dadas à reflexão se perguntam como é que um processo (a mente consciente em funcionamento) engrena com outro processo (células físicas vivendo juntas em agregados que chamamos de tecidos).

 

Mas dizer que a mente consciente é misteriosa - e ela é mesmo - não significa dizer que o mistério é insolúvel. Não significa dizer que nunca seremos capazes de compreender como um organismo vivo dotado de cérebro adquire uma mente consciente.1

Mattanó aponta que os fios invisíveis que unem a mente consciente são justamente aqueles que juntam as partes inconscientes, tanto coletiva, quanto pessoal, a pré-consciente, a subconsciente e formam a malha de significados e sentidos, metáforas e metonímias, que organizam e reorganizam o comportamento, o subconsciente e o inconsciente de cada um de nós por meio do niilismo, da condensação e do deslocamento efetivado através desses fios invisíveis que unem a mente numa rede de informações que viaja pelo imenso espaço escuro do nosso inconsciente como a um satélite que capta informações de determinados estímulos e responde a eles criando e desencadeando consequências a nível global ou localizado, depende da informação decodificada, do seu significado e do seu sentido transmitido e decodificado. Sem essa rede de informações não haveria o conhecimento e o saber. Foi através do conhecimento que o Homo Sapiens adquiriu mais habilidades seletivas, competitivas e evolutivas ao longo da sua jornada evolutiva e existencial, pois o conhecimento possibilitou ao Homo Sapiens a capacidade de criar e manipular pedras e madeira, confeccionar armas, lidar com o fogo, com a caça, a pesca, a agricultura, a morte e seus ritos e mitos, o luto, a vida doméstica e hierárquica, a transmissão de conhecimentos, os ritos de iniciação e de passagem como os sexuais e os de morte e luto, a linguagem, a pintura nas cavernas e pedras, nas montanhas e rochas com sua linguagem pictográfica, a sua linguagem com o sobrenatural e o extraterrestre, com os deuses do espaço, com as estrelas e os mundos, com o Sol e a lua, com o planeta Terra e sua natureza, vida, significado e sentido. Sem a consciência somos como as pedras, seres inertes, sem vida, sem significado e sem sentido, sem poder compreender a função de nossos comportamentos e o significado e o sentido de nosso inconsciente, ou como somos controlados pelo nosso subconsciente que tudo realiza através do seu poder milagroso, não teríamos conceitos como a ¨Voz da Consciência¨ que pode ser mais do que uma simples paranoia ou  comportamento paranormal e alienígena com base na telepatia alienígena, pode ser, justamente a voz da sua própria consciência que trabalha para sua adaptação comportamental, fisiológica e morfológica, para sua otimização no meio ambiente, para o seu sucesso como indivíduo num ambiente seletivo, competitivo e em constante evolução, tratando-se da voz de uma luta dramática, pois a consciência é dramática, é representativa e cheia de sofrimento psíquico e comportamental.  (MATTANÓ: 20/01/2024).

 

 

 

OBJETIVOS E RAZÕES

 

Este livro é dedicado ao estudo de duas questões. Primeira: como o cérebro constrói a mente? Segunda: como o cérebro torna essa mente consciente? Sei muito bem que estudar uma questão não

 

  • o mesmo que respondê-la, e no tema da mente consciente seria to-lice presumir respostas definitivas. Além disso, percebo que o estudo da consciência expandiu-se tanto que já não é possível fazer justiça a todas as contribuições que surgem. Isso, somado às questões de terminologia e perspectiva, atualmente torna o trabalho nessa área parecido com andar num campo minado. Não obstante, por nossa própria conta e risco, faz sentido investigar a fundo as questões e usar as evidências hoje disponíveis, incompletas e provisórias como são, para elaborar conjeturas que possam ser postas à prova e sonhar com o futuro. O objetivo deste livro é refletir sobre as conjeturas e

 

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discutir um conjunto de hipóteses. O enfoque é no modo como o cérebro humano deve ser estruturado e como ele precisa funcionar para que surja a mente consciente.

 

Deve existir uma razão para escrever um livro. Este foi escrito para recomeçar. Estudo a mente e o cérebro humanos há mais de trinta anos, e já escrevi sobre a consciência em artigos científicos e livros.2 Mas fui ficando insatisfeito com minha exposição do problema, e uma reflexão sobre descobertas relevantes, em novos e velhos estudos, mudou minhas ideias, em especial sobre duas questões: a origem e a natureza dos sentimentos e o mecanismo por trás da construção do self. Este livro procura analisar as ideias atuais. E também, em grande medida, trata do que ainda não sabemos mas gostaríamos de saber.

 

O restante do capítulo 1 situa o problema, explica a estrutura escolhida para estudá-lo e adianta as principais ideias que surgirão nos capítulos seguintes. Alguns leitores poderão achar que a longa exposição do capítulo 1 torna a leitura mais lenta, mas prometo que ela também deixará mais acessível o restante do livro.

Para Mattanó a formação da consciência deve-se a formação do ego ou do self, do eu mesmo do indivíduo que aos poucos, com o seu amadurecimento, crescimento, desenvolvimento e trajetória de vida em relação à rivalidade sexual, mediante aprendizagem, condicionamentos e relações inconscientes e subconsciente vai se formando e estruturando a sua consciência. (MATTANÓ: 21/01/2024).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A ABORDAGEM DO PROBLEMA

 

Antes de tentar avançar na questão de como o cérebro humano constrói a mente consciente, precisamos reconhecer dois legados importantes. Um deles consiste em tentativas anteriores de descobrir a base neural da consciência, em um esforço que remonta a meados do século XX. Em uma série de estudos pioneiros realizados na América do Norte e na Itália, um pequeno grupo de pesquisadores identificou, com assombroso acerto, um setor do cérebro que hoje é inequivocamente relacionado à produção da consciência - o tronco

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cerebral - e o apontou como um contribuidor fundamental para a consciência. Não é de estranhar, à luz do que hoje sabemos, que a interpretação apresentada por estes pioneiros - Wilder Penfield, Herbert Jasper, Giuseppe Moruzzi e Horace Magoun -tivesse um foco e um alcance diferentes dos meus. Mas nada além de elogios e admiração merecem esses cientistas que intuíram o alvo certo e o miraram com tanta precisão. Esse foi o intrépido começo da empreitada para a qual vários de nós desejam contribuir no presente.3

 

Também são parte desse legado estudos feitos mais recentemente com pacientes neurológicos cuja consciência foi com prometida por lesão cerebral focal. O trabalho de Fred Plum e Jerome Posner inaugurou essa vertente.4 No decorrer dos anos, esses estudos, complementando os dos pioneiros na investigação da consciência, reuniram uma eloquente coleção de fatos relacionados a estruturas cerebrais que participam ou não da geração da mente humana consciente. Podemos nos apoiar nesses alicerces.

 

O outro legado a ser reconhecido consiste em uma tradição, que vem de longa data, de formular conceitos sobre a mente e a consciência. Sua história é rica, antiga e diversificada como a história da filosofia. De sua profusão de ideias, acabei preferindo os escritos de William James como âncora para meu pensamento, embora isso não implique um endosso integral de suas posições sobre a consciência, especialmente no que se refere ao sentimento.5

 

Logo nas primeiras páginas deste livro evidencia-se que, ao abordar a mente consciente, privilegio o self. A meu ver, a mente consciente surge quando um processo do self é adicionado a um processo mental básico. Quando não ocorre um self na mente, essa mente não é consciente, no sentido próprio do termo. Essa é a situação dos seres humanos cujo processo do self é suspenso pelo sono

 

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sem sonhos, a anestesia ou doença cerebral.

 

Definir o processo do self que considero tão indispensável para a consciência, porém, é tarefa difícil. Por isso, William James vem tão a propósito neste preâmbulo. Ele escreveu eloquentemente sobre a importância do self, e no entanto também salientou que, em muitas ocasiões, a presença do self é tão discreta que os conteúdos da mente dominam a consciência conforme fluem. Precisamos confrontar essa imprecisão e decidir sobre suas consequências antes de prosseguir. Existe ou não existe um self? Se existe, ele está presente sempre que estamos conscientes ou não?

 

As respostas são inequívocas. De fato, existe um self, mas ele é um processo, não uma coisa, e o processo está presente em todos os momentos em que presumivelmente estamos conscientes. Podemos considerar o processo do self de duas perspectivas. Uma é a do observador que aprecia um objeto dinâmico - o objeto dinâmico que consiste em certos funcionamentos da mente, certas características de comportamento e certa história de vida. A outra perspectiva é a do self como um conhecedor, o processo que dá um foco ao que vivenciamos e por fim nos permite refletir sobre essa vivência. Combinando as duas perspectivas, temos a noção dual de self usada ao longo de todo o livro. Como veremos, as duas noções correspondem a dois estágios do desenvolvimento evolucionário do self, sendo que o self-conhecedor originou-se do selfobjeto. Na vida cotidiana, cada noção corresponde a um nível de funcionamento da mente consciente, e o self-objeto tem um escopo mais simples do que o self-conhecedor.

 

De qualquer uma dessas perspectivas, o processo tem escopos e intensidades diversos, e suas manifestações variam conforme a ocasião. O self pode operar em um registro mais sutil, como uma

 

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"alusão vagamente insinuada" à presença de um organismo vivo,6 ou como um registro destacado que inclui a pessoalidade e a identidade do possuidor da mente. Ora o percebemos, ora não, mas sempre o sentimos. Esse é meu modo de resumir a situação.

 

James supunha que o self-objeto, o eu material, era a soma de tudo o que um homem chama de seu -"não só seu corpo e suas faculdades psíquicas, mas também suas roupas, sua esposa e seus filhos, além de antepassados e amigos, reputação e obras, terras e cavalos, iate e conta bancária"7 Deixando de lado o que se vê aí de politicamente incorreto, eu concordo. Mas James supunha ainda outra coisa, e com esta concordo até mais: o que permite que a mente saiba que esses domínios existem e pertencem a seus proprietários mentais - corpo, mente, passado e presente e todo o resto - é que a percepção de qualquer um desses itens gera emoções e sentimentos e, por sua vez, os sentimentos ensejam a separação entre os conteúdos que pertencem ao self e os que não pertencem. De minha perspectiva, esses sentimentos funcionam como marcadores. São os sinais, baseados em emoções, que chamo de marcadores somáticos.8 Quando conteúdos pertencentes ao self ocorrem no fluxo da mente, provocam o aparecimento de um marcador, que se junta ao fluxo mental como uma imagem justaposta à imagem que o desencadeou. Esses sentimentos geram uma distinção entre self e não self. São, em poucas palavras, sentimentos de conhecer. Veremos que a construção de uma mente consciente depende, em vários estágios, da geração desses sentimentos. Quanto a minha definição prática do self material, o self-objeto, ela é a seguinte: uma coleção dinâmica de processos neurais integrados, centrada na representação do corpo vivo, que encontra expressão em uma coleção dinâmica de processos mentais integrados.

 

 

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O self-sujeito, como conhecedor, como o "eu", é uma presença mais difícil de definir, muito menos coesa em termos mentais ou biológicos do que o self-objeto, mais dispersa, com frequência dissolvida no fluxo da consciência, por vezes tão exasperantemente sutil que está mas quase não está presente. Inquestionavelmente, o self-conhecedor é mais difícil de captar que o simples selfobjeto. Mas isso não diminui sua importância para a consciência. O self sujeito-e-conhecedor não só é uma presença muito real, mas também uma guinada crucial na evolução biológica. Podemos imaginar que o self sujeito-e-conhecedor está, por assim dizer, sobre o self-objeto, assim como uma nova camada de processos neurais dá origem a mais uma camada de processamentos mentais. Não há dicotomia entre self-objeto e self-conhecedor; o que existe é continuidade e progressão. O self-conhecedor tem seu alicerce no self-objeto.

 

A consciência não se resume a imagens na mente. Ela é, no mínimo, uma organização de conteúdos mentais, centrada no organismo que produz e motiva esses conteúdos. Mas a consciência, no sentido que o leitor e este autor podem experienciar a qualquer mo-mento que desejarem, é mais do que uma mente organizada sob a in-fluência de um organismo vivo e atuante. É também uma mente capaz de ter noção de que esse organismo vivo e atuante existe. É verdade que uma parte importante do processo de estar consciente consiste no fato de o cérebro ser capaz de criar padrões neurais que mapeiam em forma de imagens aquilo que vivenciamos. Orientar essas imagens da perspectiva do organismo também é parte do processo. Mas isso não é o mesmo que saber, de forma automática e explícita, que existem imagens dentro de mim, que elas são minhas e, como dizemos hoje, acionáveis. A mera presença de imagens organizadas transitando em um fluxo mental produz uma mente, porém, a

 

 

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menos que algum processo suplementar seja adicionado, a mente permanece inconsciente. O que falta nessa mente inconsciente é um self. O que o cérebro precisa para se tornar consciente é adquirir uma nova propriedade, a subjetividade, e uma característica definidora da subjetividade é o sentimento que impregna as imagens que experienciamos subjetivamente. Para uma abordagem contemporânea da importância da subjetividade da perspectiva da filosofia, leia O mistério da consciência, de John Searle.9

 

De acordo com essa ideia, o passo decisivo para o surgimento da consciência não é a produção de imagens e a criação das bases de uma mente. O passo decisivo é tornar nossas essas imagens, fazer com que pertençam a seu legítimo dono, o organismo singular e perfeitamente delimitado em que elas surgem. Da perspectiva da evolução e de nossa história de vida, o conhecedor emergiu em etapas: o protosself e seus sentimentos primordiais, o self central impelido pela ação e, finalmente, o self autobiográfico, que incorpora dimensões sociais e espirituais. Mas esses são processos dinâmicos, e não coisas rígidas, e seus níveis variam ao longo do dia (simples, complexo, algo entre esses dois extremos), podendo ser prontamente ajustados conforme pedem as circunstâncias. Para que a mente se torne consciente, um conhecedor, seja lá como for que o chamemos - self, experienciador, protagonista -, precisa ser gerado no cérebro. Quando o cérebro consegue introduzir um conhecedor na mente, ocorre a subjetividade.

 

Caso o leitor se pergunte se essa defesa do self é necessária, digo que ela é bem justificada. Neste exato momento, aqueles que, na neurociência, trabalham com o objetivo de elucidar a consciência adotam abordagens muito díspares com respeito ao self. Variam desde considerar o self um tema indispensável das pesquisas até

 

 

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pensar que ainda não chegou o momento de lidar com o sujeito (literalmente).10 Levando em conta que os trabalhos associados a cada abordagem continuam a produzir ideias úteis, não há necessidade, por ora, de decidir qual delas acabará por se revelar a mais satisfatória. Mas precisamos reconhecer que suas conclusões diferem.

 

Por enquanto, cabe notar que essas duas atitudes dão continuidade a uma diferença de interpretação que já separava William James de David Hume, e geralmente é desconsiderada nas análises do problema. James queria assegurar que suas concepções sobre o self tinham firmes alicerces biológicos: seu "self" não devia ser confundido com uma entidade metafísica conhecedora. Mas isso não o impediu de reconhecer uma função de conhecimento para o self, mesmo sendo uma função sutil, e não exuberante. David Hume, por sua vez, pulverizou o self a ponto de eliminá-lo. As passagens a seguir ilustram as ideias de Hume: "Não sou capaz em momento algum de surpreender a mim mesmo sem uma percepção, e nunca sou capaz de observar coisa alguma além da percepção". E mais: "Quanto ao resto da humanidade, posso arriscar-me a afirmar que não passa de um aglomerado ou coleção de percepções diferentes que se sucedem com inconcebível rapidez e estão em perpétuo fluxo e movimento".

 

Comentando sobre a eliminação do self por Hume, James foi impelido a expressar uma crítica memorável e defender a existência do self, enfatizando a estranha mistura de "unidade e diversidade" nele contida e chamando a atenção para o "núcleo de uniformidade" que permeia todos os ingredientes do self.11

 

O alicerce aqui apresentado foi modificado e expandido por filósofos e neurocientistas, passando a incluir diferentes aspectos do self.12 Mas a importância do self para a construção da mente

 

 

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consciente não se reduziu. Duvido que a base neural da mente consciente possa ser elucidada de modo abrangente sem que primeiro se explique o self-objeto -o eu material -e o self-conhecedor.

 

Trabalhos contemporâneos sobre filosofia da mente e psicologia ampliaram o legado conceitual, enquanto o extraordinário desenvolvimento da biologia geral, da biologia evolucionária e da neurociência capitalizou o legado neural, criou uma grande variedade de técnicas de investigação do cérebro e coligiu uma quantidade colossal de dados. As evidências, conjeturas e hipóteses que apresento neste livro baseiam-se em todos esses avanços.

Mattanó aponta que a mente consciente é construída a partir de uma base neural e de um self. Sem o self não existe a consciência, pois o indivíduo não se nomeia e não se percebe, não tem avanços psicológicos e comportamentais, nem técnicas de investigação próprias da nossa consciência que nos fornecem muitos dados, muitas informações, que por sua vez são incorporadas ao nosso self e a nossa consciência. Nosso self é um ¨gênio¨ adquirido a nos visitar em nossa caminhada evolutiva, em meio a seleção natural, competição entre espécies e evolução das espécies. Esse ¨gênio¨ enfrenta o inconsciente, tentando torna-lo acessível e consciente e realiza estudos e pesquisas a fim de obter mais conhecimento e poder sobre ele, ou seja, tenta desenvolver  meios de domesticá-lo. (MATTANÓ: 21/01/2024).

 

 

 

O SELF COMO TESTEMUNHA

 

Inúmeros seres, por milhões de anos, possuíram uma mente ativa, mas só naqueles em que se desenvolveu um self capaz de atuar como testemunha da mente sua existência foi reconhecida, e só depois que essas mentes desenvolveram linguagem e viveram para contar tornou-se amplamente conhecida a existência da mente. O self como testemunha é o algo mais que revela a presença, em cada um de nós, de eventos que chamamos de mentais. Precisamos compreender como esse algo mais é gerado.

 

Não uso as noções de testemunha e protagonista meramente como metáforas literárias. Espero que elas ajudem a ilustrar a variedade de papéis que o self assume na mente. Para começar, as metáforas podem nos ajudar a ver a situação que defrontamos ao tentar compreender processos mentais. Uma mente não testemunhada por um self protagonista ainda assim é uma mente. No entanto, como o self é nosso único meio natural de conhecer a mente, dependemos inteiramente da presença, da capacidade e dos limites do self. Em

 

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virtude dessa dependência sistemática, é dificílimo imaginar a natureza do processo mental independentemente do self, embora de uma perspectiva evolucionária seja óbvio que processos mentais simples precederam os processos do self. O self permite um vis-lumbre da mente, mas é uma visão anuviada. Os aspectos do self que nos permitem formular interpretações sobre nossa existência e sobre o mundo ainda estão evoluindo, certamente no nível cultural e, com grande probabilidade, também no biológico. Por exemplo, as cama-das superiores do self ainda estão sendo modificadas pelos mais variados tipos de interações sociais e culturais e pela acumulação de conhecimento científico acerca do próprio funcionamento da mente e do cérebro. Um século inteiro de cinema com certeza teve um im-pacto sobre o self do ser humano, e o mesmo se pode dizer do es-petáculo das sociedades globalizadas transmitido ao vivo pela mídia eletrônica hoje em dia. Quanto ao impacto da revolução digital, es-tamos apenas começando a avaliá-lo. Em poucas palavras, nossa visão direta da mente depende de uma parte dessa própria mente, um processo do self que não pode, como temos boas razões para supor, permitir uma apreciação abrangente e fidedigna do que está acontecendo.

 À primeira vista, depois de reconhecer o self como nossa porta de entrada para o conhecimento, pode parecer paradoxal, para não dizer uma ingratidão, questionar sua confiabilidade. No entanto, essa é a situação. Com exceção da janela direta que o self nos abre para nossas dores e prazeres, as informações que ele fornece têm de ser questionadas, sobretudo quando dizem respeito à própria natureza do self. A boa notícia, porém, é que o self também possibilita o raciocínio e a observação científica, e por sua vez a razão e a ciência vêm gradualmente corrigindo as intuições enganosas ensejadas pelo

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 self desassistido.

                Mattanó aponta que o self é a nossa máquina que funciona espetacularmente como um gênio a produzir conhecimento para a nossa espécie através da consciência que põe a prova os dados e informações, testando-os e reproduzindo-os num método científico onde a razão e a ciência vêm se certificando de modelar, aperfeiçoar e melhorar, corrigir intuições falsas promovidas pelo self desassistido, ou seja, que não tem apoio e nem respaldo de uma comunidade verbal para que possa nomear seus eventos e contingências, inclusive os fenômenos do inconsciente e os sociais que também demandam alguma cognição e formação de caminhos cognitivos, de um mapa cognitivo que sustente a consciência e o próprio self com sua riqueza de conhecimentos e de valores sociais, humanos, acadêmicos, trabalhistas, espirituais, cósmicos, artísticos, culturais e científicos. (MATTANÓ: 22/01/2024).

 

 

 

A SUPERAÇÃO DE UMA INTUIÇÃO ENGANOSA

 

Muito provavelmente, na ausência de consciência as culturas e as civilizações não teriam surgido, o que faz da consciência um acontecimento notável na evolução biológica. No entanto, a própria natureza da consciência traz sérios problemas a quem tenta elucidar sua biologia. Ver a consciência como a vemos na condição que temos hoje, a de seres equipados com uma mente e um self, pode explicar uma compreensível mas prejudicial distorção da história da mente e dos estudos da consciência. Vista de cima, a mente adquire um status especial, separada do resto do organismo ao qual ela pertence. Vista de cima, a mente parece ser não apenas muito complexa, coisa que ela certamente é, mas também um fenômeno diferente daquele encontrado nos tecidos biológicos e nas funções do organismo que a gera. Na prática, adotamos dois tipos de perspectiva quando nos observamos: vemos a mente com os olhos voltados para dentro, e vemos os tecidos biológicos com os olhos voltados para fora. (E ainda por cima usamos o microscópio para ampliar nossa visão). Nessas circunstâncias, não é de surpreender que a mente dê a impressão de não possuir uma natureza física e que seus fenômenos pareçam pertencer a outra categoria.

 

Ver a mente como um fenômeno não físico, separado da biologia que a cria e a sustenta, é a razão pela qual certos autores apartam a mente das leis da física, uma discriminação à qual outros fenômenos cerebrais geralmente não estão sujeitos. A mais assombrosa manifestação dessa singularidade é a tentativa de relacionar a mente consciente a propriedades da matéria até agora não descritas - por

 

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exemplo, explicar a consciência com relação aos fenômenos quânticos. O raciocínio por trás dessa ideia parece ser o seguinte: a mente consciente parece misteriosa; uma vez que a física quântica permanece misteriosa, talvez esses dois mistérios estejam ligados.13

 

Dado que nossos conhecimentos sobre biologia e física são incompletos, é preciso ter cautela antes de descartar hipóteses alternativas. Afinal de contas, a despeito do notável sucesso da neurobiologia, nossa compreensão do cérebro humano é ainda bem restrita. Mesmo assim, permanece em aberto a possibilidade de explicar a mente e a consciência parcimoniosamente, dentro dos limites dados pelos conceitos atuais da neurobiologia. Essa possibilidade não deve ser descartada, a menos que se esgotem os recursos técnicos e teóricos da neurobiologia, uma perspectiva improvável por ora.

 

Nossa intuição nos diz que as efêmeras e voláteis atividades da mente não têm extensão física. A meu ver, essa intuição é falsa e atribuível às limitações do self desassistido. Não vejo razão para dar mais crédito a ela do que a intuições outrora indiscutíveis e elo-quentes como a ideia pré-copernicana do que o Sol faz com a Terra ou mesmo a ideia de que a mente reside no coração. As coisas nem sempre são o que parecem. A luz branca é uma combinação das cores do arco-íris, embora isso não seja visível a olho nu.14

 

Mattanó aponta que muito provavelmente, na ausência de consciência as culturas e as civilizações não teriam surgido, o que faz da consciência um acontecimento notável na evolução biológica. A mente tem seu lado mental e o seu lado biológico, contudo um não existe sem o outro durante a encarnação, determinados autores escrevem que a mente consciente parece misteriosa; uma vez que a física quântica permanece misteriosa, talvez esses dois mistérios estejam ligados, numa tentativa de explicar os fenômenos da mente a partir das leis da Física. Segundo a Apometria a mente pode ser usada para viagens cósmicas, para Terapias de Vidas Passadas, para encarnações de espíritos de distantes épocas segundo diferentes intenções e até de seres de luz que resgatam e curam as almas que sofrem no umbral, dando continuidade a Trajetória dos Espíritos. Temos também as e.q.m. ou experiências quase morte que são aquelas experiências onde o indivíduo desencarna e percebe o seu corpo desencarnado e continua sua viagem até um lugar onde é recebido e reencontra familiares e amigos desencarnados e até alienígenas, mas que por motivos de força maior retorna ao seu corpo anterior e volta a viver se lembrando da sua e.q.m. ou experiência quase morte, nesta viagem sua mente sai do seu corpo biológico e continua viva se observando até algum destino que na e.q.m. é voltar a viver e voltar a ter uma consciência, uma mente, um conhecimento organizado e criado por um corpo biológico nesta fase da Criação. (MATTANÓ: 24/01/2024).

 

 

 

 

 

UMA PERSPECTIVA INTEGRADA

 

A maior parte do progresso feito até o presente na neurobiologia da mente consciente baseou-se na combinação de três perspectivas:

 

  • a perspectiva da testemunha direta da mente consciente individual, que é pessoal, privada e única; (2) a perspectiva comportamental, que nos permite observar as ações indicativas de outros que

 

 

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supostamente também possuem mente consciente; (3) a perspectiva do cérebro, que nos permite estudar certos aspectos do funcionamento cerebral em indivíduos cujos estados mentais conscientes presumivelmente estão ou presentes ou ausentes. As evidências obtidas a partir dessas três perspectivas, mesmo quando alinhadas de maneira inteligente, normalmente não bastam para gerar uma transição harmônica entre os três tipos de fenômeno - a investigação introspectiva em primeira pessoa, os comportamentos externos e os fenômenos cerebrais. Sobretudo, parece existir uma grande lacuna entre os dados obtidos a partir da introspecção em primeira pessoa e as evidências obtidas com o estudo de fenômenos cerebrais. Como eliminar essas lacunas?

 

Precisamos de uma quarta perspectiva, e esta requer uma mudança radical no modo como a história da mente consciente é vista e contada. Em trabalhos anteriores, apresentei a ideia de fazer da regulação da vida o alicerce e a justificação do self e da consciência, e isso sugeriu um rumo para essa nova perspectiva: buscar os antecedentes do self e da consciência no passado evolucionário.15 Assim, a quarta perspectiva tem por base fatos da biologia evolucionária e da neurobiologia. Ela requer que consideremos primeiro os organismos mais antigos e então, percorrendo gradualmente a história evolucionária, cheguemos aos organismos atuais. Requer que tomemos nota das modificações incrementais do sistema nervoso e as vinculemos ao desenvolvimento incremental, respectivamente, do comportamento, da mente e do self. Também requer uma hipótese sobre o funcionamento interno: a de que os fenômenos mentais são equivalentes a certos tipos de fenômenos cerebrais. Obviamente, a atividade mental é causada pelos fenômenos cerebrais que a antecedem, mas, no fim das contas, os fenômenos

 

 

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mentais correspondem a certos estados de circuitos cerebrais. Em outras palavras, alguns padrões neurais são simultaneamente imagens mentais. Quando outros padrões neurais geram um processo do self suficientemente rico, as imagens podem tornar-se conhecidas. Mas, se não for gerado um self, as imagens ainda assim existem, muito embora ninguém, no interior ou no exterior do organismo, saiba de sua existência. A subjetividade não é essencial para que existam estados mentais, mas apenas para que eles sejam conhecidos na esfera privada.

 

Em suma, a quarta perspectiva nos pede para construir, simultaneamente, uma visão do passado com a ajuda dos dados disponíveis e uma visão literalmente imaginada de um cérebro surpreendido no estado de conter uma mente consciente. É verdade que se trata de uma visão conjetural, hipotética. Existem fatos que corroboram partes desse imaginário, porém, dada a natureza do "problema da mente-self-corpo-cérebro" , teremos de viver por um bom tempo com aproximações teóricas em vez de explicações completas.

 

Pode ser tentador considerar a equivalência hipotética entre fenômenos mentais e certos fenômenos cerebrais como uma tosca redução do complexo ao simples. Mas seria uma falsa impressão, pois para começo de conversa os fenômenos neurobiológicos são imensamente complexos, de simples não têm nada. As reduções explanatórias aqui sugeridas não são do complexo ao simples, mas do extremamente complexo ao ligeiramente menos complicado. Embora este livro não seja sobre a biologia dos organismos simples, os fatos mencionados no capítulo 2 deixam claro que a vida das células ocorre em universos de extraordinária complexidade que formalmente se assemelham, em muitos aspectos, a nosso elaborado universo humano. O mundo e o comportamento de um organismo

 

 

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unicelular, por exemplo, o paramécio, são impressionantes e muito mais próximos daquilo que somos do que parece à primeira vista.

 

Também é tentador interpretar a equivalência proposta entre cérebro e mente como uma desconsideração do papel da cultura na geração da mente ou um rebaixamento do papel do esforço individual na moldagem da mente. Nada poderia estar mais longe de minha formulação, como se evidenciará.

 

Usando a quarta perspectiva, agora posso reformular algumas das afirmações anteriores de modo a levar em conta fatos da biologia evolucionária e incluir o cérebro: há milhões de anos que inúmeros seres possuem mentes ativas no cérebro, mas só depois que esse cérebro desenvolveu um protagonista capaz de testemunhar surgiu a consciência, rigorosamente falando, e só depois que esse cérebro desenvolveu linguagem tornou-se amplamente conhecida a existência de mentes. A testemunha é o algo mais que revela a presença dos fenômenos cerebrais implícitos que denominamos mentais. Entender como o cérebro produz esse algo mais, o protagonista que carregamos para todo lado e chamamos de self, ou de eu, é um objetivo importante da neurobiologia da consciência.

Mattanó aponta que estudaremos agora os estudos da neurobiologia acerca da consciência. A neurobiologia acredita que a consciência pode ser estudada a partir de três perspectivas:

  • a perspectiva da testemunha direta da mente consciente individual, que é pessoal, privada e única; (2) a perspectiva comportamental, que nos permite observar as ações indicativas de outros que supostamente também possuem mente consciente; (3) a perspectiva do cérebro, que nos permite estudar certos aspectos do funcionamento cerebral em indivíduos cujos estados mentais conscientes presumivelmente estão ou presentes ou ausentes. Porém estas três perspectivas não respondem a tudo, precisamos de uma quarta perspectiva. Esta requer uma mudança radical no modo como a história da mente consciente é vista e contada. Em trabalhos anteriores, apresentei a ideia de fazer da regulação da vida o alicerce e a justificação do self e da consciência, e isso sugeriu um rumo para essa nova perspectiva: buscar os antecedentes do self e da consciência no passado evolucionário. Assim, a quarta perspectiva tem por base fatos da biologia evolucionária e da neurobiologia. Ela requer que consideremos primeiro os organismos mais antigos e então, percorrendo gradualmente a história evolucionária, cheguemos aos organismos atuais. Requer que tomemos nota das modificações incrementais do sistema nervoso e as vinculemos ao desenvolvimento incremental, respectivamente, do comportamento, da mente e do self. Também requer uma hipótese sobre o funcionamento interno: a de que os fenômenos mentais são equivalentes a certos tipos de fenômenos cerebrais. Obviamente, a atividade mental é causada pelos fenômenos cerebrais que a antecedem, mas, no fim das contas, os fenômenos mentais correspondem a certos estados de circuitos cerebrais. Em outras palavras, alguns padrões neurais são simultaneamente imagens mentais. Quando outros padrões neurais geram um processo do self suficientemente rico, as imagens podem tornar-se conhecidas. Mas, se não for gerado um self, as imagens ainda assim existem, muito embora ninguém, no interior ou no exterior do organismo, saiba de sua existência. A subjetividade não é essencial para que existam estados mentais, mas apenas para que eles sejam conhecidos na esfera privada. Essas imagens mentais quando compartilhadas pelos fenômenos da paranormalidade ou da paranormalidade alienígena e da telepatia podem sofrer bilocação ou projeção no espaço-tempo por meio da consciência que está em atividade paranormal e serem percebidas como holografias, visões e sinais de Deus, de Santos e Santas, de anjos, de alienígenas, como ilusões, mas na verdade podem estar sob efeito de atividade paranormal que na realidade transfiguram discos voadores que são naves paranormais com poder de camuflagem paranormal. (MATTANÓ: 25/01/2024).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A ESTRUTURA

 

Antes de delinear a estrutura em que se pauta este livro, devo mencionar alguns fatos básicos. Organismos produzem mentes a partir da atividade de células especiais conhecidas como neurônios. Os neurônios têm muitas das características de outras células do nosso corpo, mas seu funcionamento é distinto. Eles são sensíveis a mudanças ao redor, são excitáveis (uma propriedade interessante que têm em comum com as células musculares). Graças a um

 

 

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prolongamento fibroso, conhecido como axônio, e à região terminal do axônio, chamada sinapse, os neurônios podem enviar sinais a outras células - outros neurônios, células musculares -, muitas das quais se encontram bem distantes. Grande parte dos neurônios concentra-se em um sistema nervoso central (o cérebro, para sermos concisos), mas enviam sinais ao corpo do organismo e também ao mundo exterior, e recebem sinais de ambos.

 

O número de neurônios em cada cérebro humano é da ordem dos bilhões, e os contatos sinápticos que os neurônios fazem entre si estão na casa dos trilhões. Os neurônios organizam-se em pequenos circuitos microscópicos cuja combinação forma circuitos progressivamente maiores, e estes por sua vez formam redes ou sistemas. No capítulo 2 e no apêndice há mais informações sobre os neurônios e a organização do cérebro.

 

A mente surge quando a atividade de pequenos circuitos organiza-se em grandes redes de modo a compor padrões momentâneos. Os padrões representam objetos e fenômenos situados fora do cérebro, no corpo ou no mundo exterior, mas alguns padrões também representam o processamento cerebral de outros padrões. O termo "mapa" aplica-se a todos esses padrões representativos, alguns dos quais são toscos enquanto outros são refinadíssimos; uns são concretos, outros, abstratos. Em suma, o cérebro mapeia o mundo ao redor e mapeia seu próprio funcionamento. Esses mapas são viven-ciados como imagens em nossa mente, e o termo "imagem" refere-se não só às imagens do tipo visual, mas também às originadas de um dos nossos sentidos, por exemplo, as auditivas, as viscerais, as táteis.

 

Tratemos agora da estrutura propriamente dita. Usar o termo "teoria" para designar sugestões sobre como o cérebro produz esse ou aquele fenômeno é um tanto descabido. A menos que a escala

 

 

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seja suficientemente grande, a maior parte das teorias não passa de hipótese. O que se propõe neste livro, porém, é mais do que isso, pois aqui se articulam vários componentes hipotéticos para diferentes aspectos dos fenômenos que estou contemplando. O que esperamos explicar é demasiado complexo para ser estudado com base em uma única hipótese e ser justificado por um mecanismo. Por isso, resolvi usar o termo "estrutura" para nomear meu esforço.

 

Para merecer esse título pomposo, as ideias apresentadas no capítulo a seguir precisam atingir certos objetivos. Dado que desejamos entender como o cérebro torna a mente consciente, e uma vez que é manifestamente impossível lidar com todos os níveis de funcionamento cerebral ao montar uma explicação, a estrutura teórica tem de especificar o nível ao qual se aplica a explicação. Esse é o nível dos sistemas em grande escala, o nível em que as regiões cerebrais macroscópicas constituídas por circuitos de neurônios interagem com outras regiões congêneres formando sistemas. Necessariamente, esses sistemas são macroscópicos, mas conhecemos em parte a anatomia microscópica subjacente e as regras gerais de funcionamento dos neurônios que os constituem. O nível dos sistemas em grande escala presta-se a ser estudado por numerosas técnicas, antigas e novas. Entre elas, temos a versão moderna do método das lesões (baseada no estudo de pacientes neurológicos com lesões focais cerebrais através de neuroimageamento estrutural e técnicas cognitivas e neuropsicológicas experimentais), os estudos de neuroimagens funcionais (por meio de exames de ressonância magnética, tomografia por emissão de pósitrons, magnetoencefalografia e diversas técnicas eletrofisiológicas), o registro neurofisiológico direto de atividade neuronal no contexto de tratamentos neurocirúrgicos e a estimulação magnética transcraniana.

 

 

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A estrutura deve interligar os fenômenos comportamentais, mentais e cerebrais. Neste segundo objetivo, a estrutura alinha intimamente o comportamento, a mente e o cérebro; e, como se baseia na biologia evolucionária, situa a consciência em um contexto histórico, adequado a organismos em transformação evolucionária pela seleção natural. Além disso, a maturação dos circuitos neuronais em cada cérebro é vista como sujeita a pressões de seleção resultantes da própria atividade dos organismos e dos processos de aprendizado. Com isso, mudam também os repertórios de circuitos neuronais inicialmente fornecidos pelo genoma.16 A estrutura indica a localização de regiões envolvidas na geração da mente, na escala do cérebro como um todo, e apresenta suposições sobre como certas regiões do cérebro poderiam operar em conjunto para produzir o self. Ela sugere como uma arquitetura cerebral que apresenta convergência e divergência de circuitos neuronais tem um papel na coordenação de ordem superior das imagens e é essencial para a construção do self e de outros aspectos da função mental: memória, imaginação, linguagem e criatividade. A estrutura precisa decompor o fenômeno da consciência em componentes que se prestem ao estudo pela neurociência. O resultado são duas esferas de investigação possíveis: os processos mentais e os processos do self. Adicionalmente, ela de-compõe o processo do self em dois subtipos. Essa última separação traz duas vantagens: presumir e investigar a consciência em espécies que provavelmente possuem processos do self, ainda que menos elaborados, e criar uma ponte entre os níveis superiores do self e o espaço sociocultural no qual os humanos atuam.

 

Outro objetivo: a estrutura tem de abordar a questão de como os macrofenômenos do sistema são construídos a partir de microfenômenos. Aqui a estrutura supõe uma equivalência entre os estados

 

 

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mentais e certos estados de atividade cerebral regional. Supõe que quando certos níveis de intensidade e frequência de atividade neuronal ocorrem em pequenos circuitos neurônicos, quando alguns desses circuitos são ativados sincronicamente e quando certas condições de conectividade de rede são atendidas, o resultado é uma "mente com sentimentos". Em outras palavras, como resultado do tamanho e da complexidade crescentes das redes neurais, existe um escalonamento da "cognição" e do "sentimento" do micronível ao macronível, através de hierarquias. Um modelo para esse escalonamento até uma mente com sentimento é a fisiologia do movimento. A contração de uma única célula muscular microscópica é um fenômeno insignificante, ao passo que a contração simultânea de um grande número de células musculares pode produzir movimento visível.

                Mattanó aponta que os organismos produzem mentes a partir da atividade de células especiais conhecidas como neurônios. Eles são sensíveis a mudanças ao redor, são excitáveis (uma propriedade interessante que têm em comum com as células musculares). Graças a um prolongamento fibroso, conhecido como axônio, e à região terminal do axônio, chamada sinapse, os neurônios podem enviar sinais a outras células - outros neurônios, células musculares -, muitas das quais se encontram bem distantes. Grande parte dos neurônios concentra-se em um sistema nervoso central (o cérebro, para sermos concisos), mas enviam sinais ao corpo do organismo e também ao mundo exterior, e recebem sinais de ambos. Os neurônios apresentam um comportamento e uma funcionalidade através da relação S – R – C, estímulo – resposta – consequência, e assim tem a propriedade de gerar e desenvolver significados e sentidos a partir da consciência e do conhecimento, do self.

         A mente surge quando a atividade de pequenos circuitos organiza-se em grandes redes de modo a compor padrões momentâneos. Os padrões representam objetos e fenômenos situados fora do cérebro, no corpo ou no mundo exterior, mas alguns padrões também representam o processamento cerebral de outros padrões. O termo "mapa" aplica-se a todos esses padrões representativos, alguns dos quais são toscos enquanto outros são refinadíssimos; uns são concretos, outros, abstratos. Em suma, o cérebro mapeia o mundo ao redor e mapeia seu próprio funcionamento. Esses mapas são vivenciados como imagens em nossa mente, e o termo "imagem" refere-se não só às imagens do tipo visual, mas também às originadas de um dos nossos sentidos, por exemplo, as auditivas, as viscerais, as táteis. Os padrões momentâneos que a mente desenvolve como resposta deve-se ao seu comportamento que tem  funcionalidade de discriminar, ficar atento,  controlar e imitar padrões momentâneos de comportamento que estão fora do corpo. Surge o termo ¨mapa¨ para descrever e nomear estes padrões momentâneos de comportamento, de imitação, atenção, discriminação e de controle. O cérebro mapeia o mundo ao seu redor quanto o seu próprio comportamento, subconsciente e inconsciente. Esses mapas são vivenciados como imagens em nossa mente.

         Dado que desejamos entender como o cérebro torna a mente consciente, e uma vez que é manifestamente impossível lidar com todos os níveis de funcionamento cerebral ao montar uma explicação, a estrutura teórica tem de especificar o nível ao qual se aplica a explicação. Esse é o nível dos sistemas em grande escala, o nível em que as regiões cerebrais macroscópicas constituídas por circuitos de neurônios interagem com outras regiões congêneres formando sistemas. Necessariamente, esses sistemas são macroscópicos, mas conhecemos em parte a anatomia microscópica subjacente e as regras gerais de funcionamento dos neurônios que os constituem. O nível dos sistemas em grande escala presta-se a ser estudado por numerosas técnicas, antigas e novas. Entre elas, temos a versão moderna do método das lesões (baseada no estudo de pacientes neurológicos com lesões focais cerebrais através de neuroimageamento estrutural e técnicas cognitivas e neuropsicológicas experimentais), os estudos de neuroimagens funcionais (por meio de exames de ressonância magnética, tomografia por emissão de pósitrons, magnetoencefalografia e diversas técnicas eletrofisiológicas), o registro neurofisiológico direto de atividade neuronal no contexto de tratamentos neurocirúrgicos e a estimulação magnética transcraniana. As microestruturas que não são visíveis se agrupam ou se juntam e formam as macroestruturas que são visíveis revelando que elas existem e tem comportamento e funcionalidade.

         A estrutura deve interligar os fenômenos comportamentais, mentais e cerebrais. Neste segundo objetivo, a estrutura alinha intimamente o comportamento, a mente e o cérebro; e, como se baseia na biologia evolucionária, situa a consciência em um contexto histórico, adequado a organismos em transformação evolucionária pela seleção natural. Além disso, a maturação dos circuitos neuronais em cada cérebro é vista como sujeita a pressões de seleção resultantes da própria atividade dos organismos e dos processos de aprendizado. Com isso, mudam também os repertórios de circuitos neuronais inicialmente fornecidos pelo genoma. A estrutura indica a localização de regiões envolvidas na geração da mente, na escala do cérebro como um todo, e apresenta suposições sobre como certas regiões do cérebro poderiam operar em conjunto para produzir o self. Ela sugere como uma arquitetura cerebral que apresenta convergência e divergência de circuitos neuronais tem um papel na coordenação de ordem superior das imagens e é essencial para a construção do self e de outros aspectos da função mental: memória, imaginação, linguagem e criatividade. A estrutura precisa decompor o fenômeno da consciência em componentes que se prestem ao estudo pela neurociência. O resultado são duas esferas de investigação possíveis: os processos mentais e os processos do self. Adicionalmente, ela decompõe o processo do self em dois subtipos. Essa última separação traz duas vantagens: presumir e investigar a consciência em espécies que provavelmente possuem processos do self, ainda que menos elaborados, e criar uma ponte entre os níveis superiores do self e o espaço sociocultural no qual os humanos atuam. O self é o nosso ¨trabalhador¨ rico em processos superiores como a consciência e o conhecimento, ele se presta a emitir comportamentos verbais de um falante para outro ouvinte, o espaço sociocultural é justamente aquele onde o falante e o ouvinte estão inseridos, juntamente com um contexto e um zeitgeist que é resultado de todos os eventos comportamentais, sociais, culturais, linguísticos, psíquicos, políticos e familiares de uma época ou período de tempo.

Outro objetivo: a estrutura tem de abordar a questão de como os macrofenômenos do sistema são construídos a partir de microfenômenos. Aqui a estrutura supõe uma equivalência entre os estados mentais e certos estados de atividade cerebral regional. Supõe que quando certos níveis de intensidade e frequência de atividade neuronal ocorrem em pequenos circuitos neurônicos, quando alguns desses circuitos são ativados sincronicamente e quando certas condições de conectividade de rede são atendidas, o resultado é uma "mente com sentimentos". Em outras palavras, como resultado do tamanho e da complexidade crescentes das redes neurais, existe um escalonamento da "cognição" e do "sentimento" do micronível ao macronível, através de hierarquias. Um modelo para esse escalonamento até uma mente com sentimento é a fisiologia do movimento. A contração de uma única célula muscular microscópica é um fenômeno insignificante, ao passo que a contração simultânea de um grande número de células musculares pode produzir movimento visível. Percebemos que os sentimentos formam-se a partir do condensamento da fisiologia do movimento que é justamente o desenvolvimento de uma atividade neural que vai de um micronível para um macronível através de um circuito neural que forma a ¨mente com sentimentos¨. Este trabalho ou atividade neural ocorre através da imitação, discriminação, controle e atenção dos padrões momentâneos de comportamento que formam mapas com imagens e sentimentos em nossa mente ou consciência. (MATTANÓ; 28/01/2024).

 

 

 

 

UMA PRÉVIA DAS IDEIAS PRINCIPAIS

 

I

 

Das ideias apresentadas neste livro, nenhuma é mais fundamental que a concepção de que o corpo é o alicerce da mente consciente. Sabemos que os aspectos mais estáveis do funcionamento do corpo são representados no cérebro em forma de mapas, contribuindo assim com imagens para a mente. Essa é a base da hipótese de que o tipo especial de imagens mentais do corpo produzidas nas estruturas cerebrais mapeadoras do corpo constitui o protosself, que prenuncia o self. Notavelmente, as estruturas cruciais de mapeamento corporal e de formação de imagens estão localizadas abaixo do nível do córtex cerebral, em uma região conhecida como tronco cerebral

 

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superior. Essa é uma parte antiga do cérebro, encontrada também em muitas outras espécies.

         Mattanó aponta que o corpo é a sede da mente consciente, o seu alicerce. O funcionamento do corpo ocorre devido a mapas com imagens na mente, produzidas nas estruturas cerebrais mapeadoras do corpo que constituem o protosself, uma protoconsciência, um protoconhecimento que prenuncia o self, a consciência e o conhecimento. Essas estruturas cruciais de mapeamento corporal e de formação de imagens estão localizadas abaixo do nível do córtex cerebral, em uma região conhecida como tronco cerebral superior. Essa é uma parte antiga do cérebro, encontrada também em muitas outras espécies. Conclui-se que o padrão de construir e responder a formação de imagens trata-se de uma característica bastante antiga do cérebro e que é fundamental para a adaptação do ser vivo ao seu meio ambiente, adaptação esta, comportamental, fisiológica e morfológica que contribui para a formação da sua realidade psíquica ou comportamental, inclusive de seus padrões sociais de comportamento que o levam a ser seletivo, competitivo e a evoluir como espécie, no melhor estilo de vida, ou seja, otimizado, com menos esforços, gastos e perdas e mais benefícios ou vantagens para ele como indivíduo que terá como meta transmitir sua informação genética e comportamental adiante, até mesmo por meio da cultura como nos desenhos das cavernas ou por meio do canto e da dança ritualizada para cortejo e acasalamento entre espécies específicas de caninos, por exemplo. (MATTANÓ; 02/02/2024).

 

 

II

 

Outra ideia central tem por base o fato frequentemente desconsiderado de que as estruturas cerebrais do protosself não são mera-mente referentes ao corpo. Elas são ligadas ao corpo, em um sentido literal e de maneira inextricável. Especificamente, estão ligadas às partes do corpo que bombardeiam o cérebro com seus sinais, em to-dos os momentos, e são por sua vez bombardeadas pelo cérebro, criando assim uma alça ressonante [resonant loop]. Essa alça ressonante é perpétua, e somente se interrompe em casos de doenças cerebrais ou na morte. O corpo e o cérebro ligam-se. Em consequência dessa arquitetura, as estruturas do protosself têm uma relação direta e privilegiada com o corpo. As imagens que elas engendram referentes ao corpo são concebidas em circunstâncias diferentes das de outras imagens cerebrais, por exemplo, as visuais ou as auditivas. À luz desses fatos, o melhor modo de conceber o corpo é como a rocha sobre a qual se assenta o protosself, enquanto o protosself é o eixo em torno do qual gira a mente consciente.

Mattanó aponta que as estruturas cerebrais do protosself estão ligadas ao corpo, em um sentido literal e de maneira inextricável. Especificamente, estão ligadas às partes do corpo que bombardeiam o cérebro com seus sinais, em todos os momentos, e são por sua vez bombardeadas pelo cérebro, criando assim uma alça ressonante [resonant loop]. Essa alça ressonante é perpétua, e somente se interrompe em casos de doenças cerebrais ou na morte. O corpo e o cérebro ligam-se. Em consequência dessa arquitetura, as estruturas do protosself têm uma relação direta e privilegiada com o corpo. Estas imagens são diferentes das visuais e das auditivas, por exemplo. E a melhor forma de conceber o corpo é como a rocha sobre a qual se assenta o protosself, enquanto o protosself é o eixo em torno do qual gira a mente consciente. O protosself é a protoconsciência e é o protoconhecimento, a protorealidade que são o eixo da mente consciente e que são sustentados pelo corpo que por sua vez possui uma alça ressonante com o protosself que está sediado no tronco cerebral que tem a propriedade de produzir e responder a imagens num mapa cerebral, imagens estas que são diferentes das imagens produzidas pela visão e pela audição, pois não se trata de percepção, mas sim de mapa cerebral que possui um protosignificado e um protosentido. Esta protorealidade que se configura em imagens no tronco cerebral permite ao indivíduo um protosself que o limita e o impede de adquirir linguagem, criatividade, raciocínio e cognição, ficando com respostas condicionadas e a estímulos, com relações de reforço, fuga, esquiva, extinção, discriminação e generalização. (MATTANÓ; 03/02/2024).

 

 

 

III

 

Formulo a hipótese de que o primeiro e mais elementar produto do protosself são os sentimentos primordiais, que ocorrem de modo espontâneo e contínuo sempre que estamos acordados. Eles proporcionam uma experiência direta de nosso corpo vivo, sem palavras, sem adornos e ligada tão somente à pura existência. Esses

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sentimentos primordiais refletem o estado corrente do corpo em várias dimensões, por exemplo, na escala que vai da dor ao prazer, e se originam no nível do tronco cerebral, e não no córtex cerebral. Todos os sentimentos de emoções são variações musicais complexas de sentimentos primordiais.17

 

Na arquitetura funcional aqui delineada, dor e prazer são fenômenos corporais. Mas esses fenômenos são também mapeados em um cérebro que em momento algum está separado do corpo. Assim, os sentimentos primordiais são um tipo especial de imagem gerado graças a essa interação obrigatória entre corpo e cérebro, às características da circuitaria que faz a conexão e possivelmente a certas propriedades dos neurônios. Não basta dizer que os sentimentos são sentidos porque mapeiam o corpo. Minha hipótese é que, além de ter uma relação única com o corpo, o mecanismo do tronco cerebral responsável pela produção dos tipos de imagens que denominamos sentimentos é capaz de mesclar com grande refinamento os sinais do corpo e, assim, criar estados complexos com as especiais e revolucionárias propriedades dos sentimentos, em vez de, servilmente, apenas produzir mapas do corpo. A razão de também sentirmos imagens que não se referem a sentimentos é que elas normalmente são acompanhadas de sentimentos.

 

O que foi dito acima implica que é problemática a ideia de que existe uma nítida fronteira separando corpo e cérebro. Também sugere uma abordagem potencialmente profícua de um insistente problema: por que e como os estados mentais normais são invariavelmente imbuídos de alguma forma de sentimento?

Mattanó aponta que as imagens produzidas pelo  tronco cerebral sinalizam uma nítida fronteira entre o corpo e o cérebro devido a certas propriedades dos neurônios que realizam esta tarefa adaptativa que repercute algum tipo de sentimento para o indivíduo, pois produzem mapas do corpo e a razão de também sentirmos imagens que não se referem a sentimentos é que elas normalmente são acompanhadas de sentimentos. O problema é por que os estados mentais são normalmente acompanhados de sentimentos? Os estados mentais, dos mais simples aos mais complexos, normalmente são acompanhados de sentimentos por que o corpo e o cérebro tem certas propriedades que realizam esta tarefa, onde as imagens  produzidas pelo tronco cerebral  definem esta clara fronteira que faz com que estados mentais sejam acompanhados de sentimentos, ao meu ver protossentimentos e uma protoconsciência, um protoconhecimento que constrói uma protorealidade que pode fazer com que sintamos imagens que não se referem a sentimentos numa realidade sem linguagem, criatividade, raciocínio e cognição, porém como uma protolinguagem, uma protocriatividade, um protoraciocínio e uma protocognição, construída de imagens, condicionamentos e estímulos. (MATTANÓ; 05/02/2024).

 

 

 

 

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O cérebro começa a construir a mente consciente não no nível do córtex, mas no do tronco cerebral. Os sentimentos primordiais são não apenas as primeiras imagens geradas pelo cérebro, mas também manifestações imediatas de senciência. São a base do protosself para os níveis mais complexos do self. Essas ideias contradizem concepções amplamente aceitas, embora posições comparáveis tenham sido defendidas por Jaak Panksepp (já citado) e Rodolfo Llinás. Mas a mente consciente como a conhecemos é uma coisa muito distinta da mente consciente que surge no tronco cerebral, e nisso provavelmente o consenso é total. Os córtices cerebrais dotam o pro-cesso de geração da mente de uma profusão de imagens que, como diria Hamlet ao pobre Horácio, vão muito além do que sonha nossa vã filosofia.

 

A mente consciente começa quando o self brota na mente, quando o cérebro adiciona um processo do self aos demais ingredientes da mente, modestamente no início mas com grande força depois. O self é construído em passos distintos e tem seu alicerce no protosself. O primeiro passo é a geração de sentimentos primordiais, os sentimentos elementares de existência que surgem espontaneamente do protosself. O seguinte é o self central. O self central refere-se à ação - especificamente, às relações entre o organismo e os objetos. O self central manifesta-se em uma sequência de imagens que descrevem um objeto do qual o protosself está se ocupando e pelo qual o protosself, incluindo seus sentimentos primordiais, está sendo modificado. Finalmente, temos o self autobiográfico. Esse self é definido como o conhecimento biográfico relacionado ao passado e ao futuro antevisto. As múltiplas imagens que em conjunto definem uma biografia geram pulsos de self central, cujo agregado constitui o self autobiográfico.

O protosself, com seus sentimentos primordiais, e o self central constituem o "eu material". O self autobiográfico, cujas instâncias superiores englobam todos os aspectos da pessoa social de um indi-víduo, constitui um "eu social" e um "eu espiritual". Podemos observar esses aspectos do self em nossa própria mente ou estudar seus efeitos no comportamento de outras pessoas. Mas, além disso, o self central e o self autobiográfico em nossa mente constroem um conhecedor; em outras palavras, dotam nossa mente de outra variedade de subjetividade. Para fins práticos, a consciência humana normal corresponde a um processo mental em que atuam todos esses níveis de self, dando a um número limitado de conteúdos mentais uma ligação momentânea com um pulso de self central.

Mattanó aponta que a consciência surge do protosself que origina o self, que por sua vez origina a consciência, como nós a percebemos, sentimos e conhecemos. O self se especializa em self central que é o self da ação, das relações entre organismo e objetos, e em self autobiográfico que é o self conhecimento biográfico relacionado ao passado e ao futuro antevisto. Tanto o self central quanto os self autobiográfico geram imagens, um dos objetos e o outro, da autobiografia. O protosself, com seus sentimentos primordiais, e o self central constituem o "eu material". O self autobiográfico, cujas instâncias superiores englobam todos os aspectos da pessoa social de um indivíduo, constitui um "eu social" e um "eu espiritual". O self central e o self autobiográfico em nossa mente constroem um conhecedor; em outras palavras, dotam nossa mente de outra variedade de subjetividade. Para fins práticos, a consciência humana normal corresponde a um processo mental em que atuam todos esses níveis de self, dando a um número limitado de conteúdos mentais uma ligação momentânea com um pulso de self central, pois é o self central quem te coloca no eixo do mundo, na realidade objetiva, enquanto que o self autobiográfico te coloca no passado e no futuro antevisto, com uma realidade psíquica. O self autobiográfico aprende a utilizar meios de nomear e discriminar as contingências ambientais para controla-las, dar razões e segui-las literalmente ou contextualmente, aprende também a ler e interpretar o inconsciente suas relações, informações e dados através dos sonhos, dos mitos e dos ritos, da associação livre, dos exames clínicos, dos testes psicológicos, da anamnese, da interpretação do inconsciente, dos desenhos, das figuras e das imagens, da literatura, das obras de arte, das culturas, da política e da administração, da dinâmica familiar e dos grupos sociais, dos grupos militares e paramilitares, do tráfico e do terror, da violência e da guerra, da sexualidade e da ingenuidade infantil, da linguagem e da argumentação, da comunicação, da fala, da comunicação corporal e territorial, da comunicação alienígena e da Física especulativa do universo, da música e da ciência, das civilizações e da humanidade como produto e resistência ante seu suposto e teórico fim apocalíptico, dela mesmo, em interação com o meio ambiente, que é o universo. (MATTANÓ; 05/02/2024).

 

 

V

 

O self e a consciência não acontecem, em níveis modestos ou robustos, em determinada área, região ou centro do cérebro. A mente consciente resulta da articulação fluente de vários, frequentemente numerosos, locais no cérebro. As principais estruturas cerebrais responsáveis por implementar os passos funcionais necessários incluem setores específicos do tronco cerebral superior, um conjunto de núcleos em uma região conhecida como tálamo e regiões específicas porém dispersas do córtex cerebral.

 

O produto final da consciência provém desses numerosos locais do cérebro ao mesmo tempo, e não de um local específico, do mesmo modo que a execução de uma obra sinfônica não resulta do trabalho de um único músico e nem mesmo de toda uma seção da orquestra. O mais curioso nos aspectos superiores da consciência é a notável ausência de um maestro antes de a execução ter início,

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embora surja um regente conforme a execução acontece. Para todos os efeitos, o maestro passa então a reger a orquestra, ainda que a execução tenha criado o maestro -o self -, e não o contrário. O maestro é gerado pela junção de sentimentos a um mecanismo de narrativa cerebral, embora nem por isso o maestro seja menos real. O maestro inegavelmente existe em nossa mente, e nada ganharíamos se o descartássemos como uma ilusão.

 

A coordenação da qual a mente consciente depende é obtida por vários meios. No modesto nível do self central, ela começa discreta-mente, como uma reunião espontânea de imagens que emergem uma após outra em rápida sucessão no tempo, de um lado a imagem de um objeto e de outro a imagem do protosself mudado pelo objeto. Não são necessárias estruturas cerebrais adicionais para o surgimento de um self central nesse nível simples. A coordenação é natural, lembra ora um dueto musical tocado pelo organismo e um objeto, ora um conjunto de música de câmara, e em ambos os casos a execução é bem satisfatória sem um maestro. Mas, quando os conteúdos processados na mente são mais numerosos, é preciso outros mecanismos para obter a coordenação. Neste caso, várias regiões nos córtices cerebrais e em nível inferior têm um papel essencial.

 

A construção de uma mente capaz de abranger o passado que já vivemos e o futuro que antevemos, com a vida de outros indivíduos adicionada a essa urdidura e, ainda por cima, dotada de capacidade de reflexão, é algo que lembra a execução de uma sinfonia de proporções mahlerianas. Mas a maravilha, a que aludi há pouco, é que a partitura e o maestro só se tornam realidade à medida que a vida acontece. Os coordenadores não são míticos homúnculos sapientes encarregados de interpretar qualquer coisa. E no entanto os coordenadores realmente ajudam na montagem de um extraordinário

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universo midiático e na colocação de um protagonista em tudo isso. A

grandiosa obra sinfônica que é a consciência engloba as contribuições

fundamentais do tronco cerebral, eternamente ligado ao corpo, e do

vastíssimo conjunto de imagens criado graças à cooperação entre o

córtex cerebral e estruturas subcorticais, tudo harmoniosamente unido,

em um incessante movimento só interrompido pelo sono, por

anestesia, por disfunção cerebral ou pela morte. Nenhum mecanismo

isolado explica a consciência no cérebro, nenhum dispositivo,

nenhuma região, característica ou truque pode produzi-la sem ajuda,

do mesmo modo que uma sinfonia não pode ser tocada por um só

músico, e nem mesmo por alguns poucos. Muitos são necessários. A

contribuição de cada um é importante. Mas só o conjunto produz o

resultado que procuramos explicar.

            Mattanó aponta que o self e a consciência não acontecem, em níveis modestos ou robustos, em determinada área, região ou centro do cérebro. A mente consciente resulta da articulação fluente de vários, frequentemente numerosos, locais no cérebro. As principais estruturas cerebrais responsáveis por implementar os passos funcionais necessários incluem setores específicos do tronco cerebral superior, um conjunto de núcleos em uma região conhecida como tálamo e regiões específicas porém dispersas do córtex cerebral.

         A coordenação da qual a mente consciente depende é obtida por vários meios. No modesto nível do self central, ela começa discretamente, como uma reunião espontânea de imagens que emergem uma após outra em rápida sucessão no tempo, de um lado a imagem de um objeto e de outro a imagem do protosself mudado pelo objeto. Não são necessárias estruturas cerebrais adicionais para o surgimento de um self central nesse nível simples. Mas, quando os conteúdos processados na mente são mais numerosos, é preciso outros mecanismos para obter a coordenação. Neste caso, várias regiões nos córtices cerebrais e em nível inferior têm um papel essencial.

A construção de uma mente capaz de abranger o passado que já vivemos e o futuro que antevemos, com a vida de outros indivíduos adicionada a essa urdidura e, ainda por cima, dotada de capacidade de reflexão, é algo que acontece conforme a vida é vivida e acontece. A consciência engloba as contribuições fundamentais do tronco cerebral, eternamente ligado ao corpo, e do vastíssimo conjunto de imagens criado graças à cooperação entre o córtex cerebral e estruturas subcorticais, tudo harmoniosamente unido, em um incessante movimento só interrompido pelo sono, por anestesia, por disfunção cerebral ou pela morte. Nenhum mecanismo isolado explica a consciência no cérebro, nenhum dispositivo, nenhuma região, característica ou truque pode produzi-la sem ajuda, só o conjunto produz o resultado que procuramos explicar. A consciência produz a realidade e o conhecimento e também o self que comanda as funções mentais superiores de raciocínio, cognição, linguagem e memória que por sua vez incentivam o comportamento e o inconsciente do organismo a criar rituais onde distribui sua carga comportamental inconsciente para a finalidade de transcender e adquirir novos repertórios comportamentais através de uma mensagem que deve ser buscada através da sua luta interior e exterior com o meio ambiente que se dá, através dos processos do corpo que se liga ao protosself através de uma alça ressonante, e do tronco cerebral que cria imagens reais do mundo interno e externo para a finalidade do organismo se comportar, selecionando respostas, competindo com outras espécies e indivíduos e evoluindo filogeneticamente, para adquirir a consciência de que se corrompe. (MATTANÓ; 06/02/2024).

 

VI

 

Administrar e preservar eficientemente a vida são duas das proezas reconhecíveis da consciência. Pacientes neurológicos cuja consciência está comprometida são incapazes de gerir sua vida independentemente, mesmo quando suas funções vitais básicas estão normais. No entanto, mecanismos para administrar e preservar a vida não são novidade na evolução biológica, e também não dependem necessariamente da consciência. Tais mecanismos já existem em organismos unicelulares, codificados no genoma. Também são amplamente replicados em circuitos neuronais antiquíssimos, humildes, desprovidos de mente e de consciência, e estão arraigadamente presentes no cérebro humano. Veremos que administrar e preservar a vida é a premissa fundamental do valor biológico. O valor biológico influenciou a evolução de estruturas cerebrais, e em qualquer cérebro ele influencia quase todos os passos das operações. Ele se expressa de forma simples, como na liberação de moléculas químicas relacionadas a recompensa e punição, ou de forma elaborada, como em nossas emoções sociais e raciocínio complexo. O valor biológico guia e colore de maneira natural, por assim dizer, quase tudo que ocorre em nosso cérebro riquíssimo em mente e consciência. O valor biológico tem o status de um princípio.

 

Em resumo, a mente consciente emerge na história da regulação da vida. A regulação da vida, um processo dinâmico conhecido como homeostase, para sermos concisos, começa em seres vivos unicelulares, como uma célula bacteriana ou uma simples ameba, que não possuem cérebro mas são capazes de comportamento adaptativo. Ela progride em indivíduos cujo comportamento é gerido por um cérebro simples, como no caso dos vermes, e continua sua marcha em indivíduos cujo cérebro gera comportamento e mente (por exemplo, insetos e peixes). Quero crer que quando cérebros começam a gerar sentimentos primordiais - e isso pode acontecer bastante cedo na história evolucionária -os organismos adquirem uma forma primitiva de senciência. A partir de então, um processo do self organizado poderia desenvolver-se e ser adicionado à mente, fornecendo assim o princípio de uma elaborada mente consciente. Os répteis, por exemplo, competem por essa distinção, as aves são concorrentes ainda mais fortes, e os mamíferos ganham de longe.

 

A maioria das espécies cujo cérebro gera um self realiza esse feito no nível do self central. Os humanos possuem self central e self autobiográfico. Alguns mamíferos provavelmente também possuem ambos, como os lobos, os grandes símios nossos primos, mamíferos marinhos, elefantes, felinos e, é claro, a espécie fora de série que chamamos de cão doméstico.

     Mattanó aponta que administrar e preservar eficientemente a vida são duas das proezas reconhecíveis da consciência. Pacientes neurológicos cuja consciência está comprometida são incapazes de gerir sua vida independentemente, mesmo quando suas funções vitais básicas estão normais. No entanto, mecanismos para administrar e preservar a vida não são novidade na evolução biológica, e também não dependem necessariamente da consciência. Tais mecanismos já existem em organismos unicelulares, codificados no genoma. Também são amplamente replicados em circuitos neuronais antiquíssimos, humildes, desprovidos de mente e de consciência, e estão arraigada-mente presentes no cérebro humano. Ele se expressa de forma simples, como na liberação de moléculas químicas relacionadas a recompensa e punição, ou de forma elaborada, como em nossas emoções sociais e raciocínio complexo.

Em resumo, a mente consciente emerge na história da regulação da vida. A regulação da vida, um processo dinâmico conhecido como homeostase, para sermos concisos, começa em seres vivos unicelulares, como uma célula bacteriana ou uma simples ameba, que não possuem cérebro mas são capazes de comportamento adaptativo. Ela progride em indivíduos cujo comportamento é gerido por um cérebro simples, como no caso dos vermes, e continua sua marcha em indivíduos cujo cérebro gera comportamento e mente (por exemplo, insetos e peixes). Quero crer que quando cérebros começam a gerar sentimentos primordiais - e isso pode acontecer bastante cedo na história evolucionária -os organismos adquirem uma forma primitiva de senciência. A partir de então, um processo do self organizado poderia desenvolver-se e ser adicionado à mente, fornecendo assim o princípio de uma elaborada mente consciente. Os répteis, por exemplo, competem por essa distinção, as aves são concorrentes ainda mais fortes, e os mamíferos ganham de longe.

A maioria das espécies cujo cérebro gera um self realiza esse feito no nível do self central. Os humanos possuem self central e self autobiográfico. Alguns mamíferos provavelmente também possuem ambos, como os lobos, os grandes símios nossos primos, mamíferos marinhos, elefantes, felinos e, é claro, a espécie fora de série que chamamos de cão doméstico.

Como vemos a consciência parece depender do conhecimento dos sentimentos agregados aos comportamentos e a mente, da sua realidade operacional, de um cérebro capaz de formar um mapa cerebral com estes dados com tamanha realidade que o organismo o interpreta e responde conforme interpreta os estímulos que decodifica com seu self central e seu self autobiográfico, criando uma realidade psíquica onde se comporta e cria, desenvolve e transforma o mundo culturalmente e dramaturgicamente, pois somos atores sociais e culturais. (MATTANÓ; 10/02/2024).

 

A impressionante redução da violência e o aumento da tolerância que se evidenciaram sobremaneira em séculos recentes não teriam ocorrido sem a homeostase sociocultural. E o mesmo se pode dizer da transição gradual do poder coercivo para o poder de persuasão que caracteriza os sistemas sociais e políticos avançados, não obstante suas falhas. A investigação da homeostase sociocultural pode pautar-se na psicologia e na neurociência, mas o espaço nativo desse fenômeno é cultural. Faz sentido dizer que quem estuda as decisões da Suprema Corte, as deliberações do Congresso ou o

funcionamento de instituições financeiras está, indiretamente, estudando os vaivéns da homeostase sociocultural. Tanto a homeo-stase básica, que é guiada de modo não consciente, como a homeo-stase sociocultural, criada e guiada por mentes conscientes reflexivas, atuam como zeladoras do valor biológico. A variedade básica e a sociocultural da homeostase estão separadas por bilhões de anos de evolução, e no entanto promovem o mesmo objetivo, a sobrevivência de organismos vivos, embora em diferentes nichos ecológicos. Esse objetivo é ampliado, no caso da homeostase sociocultural, e passa a abranger a busca deliberada do bem-estar. Nem é preciso dizer que o modo como o cérebro humano administra a vida requer as duas variedades de homeostase em contínua interação. Mas enquanto a variedade básica de homeostase é uma herança estabelecida, fornecida pelo genoma de cada um, a variedade sociocultural é um processo em desenvolvimento um tanto frágil, responsável por grande parte dos dramas, loucuras e esperanças humanas. A interação desses dois tipos de homeostase não se dá apenas em cada indivíduo. Há evidências crescentes de que, ao longo de muitas gerações, transformações culturais levam a mudanças no genoma.

         Mattanó aponta que a marcha do progresso da mente não termina com o surgimento dos níveis modestos do self, conhecimento, consciência e realidade. A mente consciente dos humanos, munida com o self central e o self autobiográfico e apoiada por capacidades ainda maiores de memória, raciocínio e linguagem, e até cognição engendra os instrumentos da cultura e abre caminho para novos modos de homeostase nas esferas da sociedade e da cultura. Em um salto extraordinário, a homeostase adquire uma extensão no espaço sociocultural. Os sistemas judiciais, as organizações econômicas e políticas, a arte, a medicina, as instituições, seus ritos e mitos, os discursos, a psicohigiene, o trabalho, a educação, a religião e a tecnologia são exemplos dos novos mecanismos de regulação.

A impressionante redução da violência e o aumento da tolerância que se evidenciaram sobremaneira em séculos recentes não teriam ocorrido sem a homeostase sociocultural. E o mesmo se pode dizer da transição gradual do poder coercivo para o poder de persuasão que caracteriza os sistemas sociais e políticos avançados, inclusive os religiosos e institucionais, até mesmo quando se trata de lavagem cerebral e de despersonalização, vingança, extorsão e estupro virtual, loucura e guerra, não obstante suas falhas. A variedade básica e a sociocultural da homeostase estão separadas por bilhões de anos de evolução, e no entanto promovem o mesmo objetivo, a sobrevivência de organismos vivos, embora em diferentes nichos ecológicos, pois por mais adversas que sejam as contingências ambientais o trabalho da homeostase básica e sociocultural há de equilibrar o organismo diante de suas necessidades e o meio ambiente. Esse objetivo é ampliado, no caso da homeostase sociocultural, e passa a abranger a busca deliberada do bem-estar. Nem é preciso dizer que o modo como o cérebro humano administra a vida requer as duas variedades de homeostase em contínua interação. Mas enquanto a variedade básica de homeostase é uma herança estabelecida, fornecida pelo genoma de cada um, a variedade sociocultural é um processo em desenvolvimento um tanto frágil, responsável por grande parte dos dramas, loucuras e esperanças humanas. A interação desses dois tipos de homeostase não se dá apenas em cada indivíduo. Há evidências crescentes de que, ao longo de muitas gerações, transformações culturais levam a mudanças no genoma, pois cada gene tem a propriedade de imitar, discriminar, controlar e ordenar sua carga e informação genética recebida e decodificada em forma de genótipo, bem como a emitida e codificada em forma de fenótipo, e assim programar segundo os mecanismos funcionais e eliciadores, que genes serão ativados em algum momento da história de vida desse organismo, não ativados, ativados e desativados, e que permanecerão ativados por toda a sua vida.  As transformações culturais podem levar a mudanças no genoma, por exemplo, através da sua funcionalidade, ou seja, relação, S – R – C, estímulo – resposta – consequência. (MATTANÓ; 15/02/2024).

 

 

VIII

 

Ver a mente consciente pela ótica da evolução, desde as formas de vida simples até os organismos complexos e hipercomplexos como o nosso, ajuda a naturalizar a mente e mostra que ela é resultado de um aumento progressivo da complexidade no idioma biológico.

 

Podemos conceber a consciência humana e as funções que ela

 

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possibilitou (linguagem, memória expandida, raciocínio, criatividade, todo o edifício cultural) como as zeladoras do valor nas criaturas modernas acentuadamente mentais e sociais que somos. E podemos imaginar um longo cordão umbilical ligando a mente consciente, ainda mal separada de suas origens e eternamente dependente delas, aos reguladores profundos, elementares e inconscientes do princípio do valor.

 

A história da consciência não pode ser contada de modo con-vencional. A consciência surgiu por causa do valor biológico, como auxiliar para que ele fosse administrado com mais eficácia. Mas a consciência não inventou o valor biológico nem o processo de valor-ação. Por fim, na mente humana, a consciência revelou o valor bio-lógico e permitiu o desenvolvimento de novos caminhos e novos meios para administrá-lo.

Mattanó aponta que a mente consciente pela ótica da evolução é resultado de um aumento progressivo da complexidade no idioma biológico.

Podemos conceber a consciência humana e as funções que ela possibilitou (linguagem, memória expandida, raciocínio, criatividade, todo o edifício cultural) como as zeladoras do valor nas criaturas modernas acentuadamente mentais e sociais que somos. A consciência não inventou o valor biológico nem o processo de valoração, pois ela deriva do conhecimento, da noção de si mesmo e da noção de realidade. A consciência surgiu por causa do valor biológico, pois era fundamental para a sobrevivência das espécies que a adquiriram em seu meio ambiente, de modo que otimizassem seu comportamento e seu repertório comportamental, para fins de seleção natural, competição entre indivíduos e espécies, e evolução das espécies. Por fim, na mente humana, a consciência revelou o valor biológico e permitiu o desenvolvimento de novos caminhos e novos meios para administrá-lo, adquirindo repertório comportamental para se comportar conscientemente e inconscientemente através do seu self que se governava a modelava com base num mapa cerebral que imitava o meio ambiente interno e externo, ou seja, para um self autobiográfico e um self central, que influenciassem sua cultura, educação, família, trabalho, cidadania, economia, justiça, saúde, liberdade, poder, riquezas e carências, religião, sexualidade, vida social, linguagem, argumentação e comunicação, percepção, juízo e julgamento moral, seleção, competição e evolução enquanto espécie. (MATTANÓ; 16/02/2024).

 

 

 

A VIDA E A MENTE CONSCIENTE

 

Tem algum sentido dedicar um livro à questão de como o cérebro cria a mente consciente? É sensato indagar se entender o funcionamento do cérebro por trás da mente e do self tem alguma importância prática além de satisfazer nossa curiosidade sobre a natureza humana? Será que realmente isso faz diferença no nosso dia a dia? Por muitas razões, de maior ou menor importância, acho que sim. A ciência do cérebro e suas explicações não têm por objetivo fornecer a todos a satisfação que muitos extraem das artes ou de uma crença espiritual. Mas com certeza há outras compensações.

 

Entender as circunstâncias em que a mente consciente surgiu na história da vida, e mais especificamente como ela se desenvolveu na história humana, permite-nos julgar, talvez com mais sabedoria do

 

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que antes, a qualidade dos conhecimentos e conselhos que essa mente consciente nos fornece. São confiáveis esses conhecimentos? São sensatos esses conselhos? Há vantagem em entender os mecanismos por trás da mente que nos guia?

 

Elucidar os mecanismos neurais por trás da mente consciente revela que nosso self nem sempre é sensato e nem sempre está no controle de todas as decisões. Mas os fatos também nos autorizam a rejeitar a falsa impressão de que nossa faculdade de deliberar con-scientemente é um mito. Elucidar os processos mentais conscientes e não conscientes aumenta a possibilidade de fortalecer nosso poder de deliberação. O self abre caminho para a deliberação e para a aventura da ciência, duas ferramentas específicas com as quais podemos contrabalançar toda a orientação enganosa do self desassistido.

 

Chegará o tempo em que a questão da responsabilidade humana, em termos morais gerais e nos assuntos da justiça e sua aplicação, levará em conta a ciência da consciência que hoje se desenvolve. Talvez essa hora tenha chegado. Com a ajuda da deliberação re-flexiva e de ferramentas científicas, a compreensão da construção neural da mente consciente também adiciona uma dimensão útil à tarefa de investigar como se desenvolvem e se moldam as culturas, o supremo produto dos coletivos de mentes conscientes. Quando de-batemos sobre os benefícios ou perigos de tendências culturais e de avanços como a revolução digital, pode ser útil ter informações sobre como nosso cérebro flexível cria a consciência. Por exemplo, será que a globalização progressiva da consciência humana ensejada pela revolução digital manterá os objetivos e princípios da homeostase básica, como faz a atual homeostase sociocultural? Ou será que ela se desprenderá desse cordão umbilical evolucionário, para o bem

 

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ou para o mal? 18 Explicar a mente consciente pelas leis naturais e situá-la firmemente no cérebro não diminui o papel da cultura na construção dos seres humanos, não reduz a dignidade humana nem assinala o fim do mistério e da perplexidade. As culturas surgem e se desenvolvem graças a esforços coletivos de cérebros humanos, ao longo de muitas gerações, e algumas, inclusive, morrem no processo. Elas requerem cérebros que já tenham sido moldados por efeitos culturais prévios. A importância das culturas para a produção da mente humana moderna não está em questão. Tampouco a dignidade dessa mente humana é diminuída quando associada à assombrosa complexidade e beleza encontradas no interior de células e tecidos vivos. Ao contrário, ligar a pessoalidade à biologia é uma fonte ines-gotável de admiração e respeito por tudo que é humano. Por fim, naturalizar a mente pode resolver um mistério, mas só servirá para erguer a cortina e mostrar outros mistérios que aguardam paciente-mente a sua vez.

 

Situar a construção da mente consciente na história da biologia e da cultura abre caminho para conciliar o humanismo tradicional com a ciência moderna, e assim, quando a neurociência explora a experiência humana nos estranhos mundos da fisiologia do cérebro e da genética, a dignidade humana não só é mantida, mas reafirmada.

 

  1. Scott Fitzgerald escreveu memoravelmente: "Quem inventou a consciência cometeu um grande pecado". Posso entender por que ele disse isso, mas sua condenação é apenas metade da história, apropriada a momentos de desalento diante das imperfeições da natureza que nossa mente consciente revela de modo tão flagrante. A outra metade da história deve ser ocupada com elogios por essa in-venção, o instrumento para todas as criações e descobertas que trocam a perda e o pesar por alegria e celebração. O surgimento daconsciência abriu o caminho para um modo de vida que vale a pena. Entender como ela surgiu só pode acentuar esse valor.19

Saber como o cérebro funciona tem alguma importância para o modo como vivemos nossa vida? A meu ver, importa muito, ainda mais se, além de sabermos quem atualmente somos, nos interessar-mos pelo que podemos vir a ser.

Mattanó aponta que elucidar os mecanismos neurais por trás da mente consciente revela que nosso self nem sempre é sensato e nem sempre está no controle de todas as decisões. Com a ajuda da deliberação reflexiva e de ferramentas científicas, a compreensão da construção neural da mente consciente também adiciona uma dimensão útil à tarefa de investigar como se desenvolvem e se moldam as culturas, o supremo produto dos coletivos de mentes conscientes. Quando debatemos sobre os benefícios ou perigos de tendências culturais e de avanços como a revolução digital, pode ser útil ter informações sobre como nosso cérebro flexível cria a consciência. Por exemplo, será que a globalização progressiva da consciência humana ensejada pela revolução digital manterá os objetivos e princípios da homeostase básica, como faz a atual homeostase sociocultural? Ou será que ela se desprenderá desse cordão umbilical evolucionário, para o bem ou para o mal?  Explicar a mente consciente pelas leis naturais e situá-la firmemente no cérebro não diminui o papel da cultura na construção dos seres humanos, não reduz a dignidade humana nem assinala o fim do mistério e da perplexidade. As culturas surgem e se desenvolvem graças a esforços coletivos de cérebros humanos, ao longo de muitas gerações, e algumas, inclusive, morrem no processo. Temos também o niilismo que gera um apagão na linha que une o fio condutor da consciência e da lucidez, transformando o indivíduo e sua consciência em nada, em vazio, em escuridão e em niilismo, em ausência de significados e ausência de sentidos, contudo agora temos para maior perplexidade a Teoria da Abundância de Mattanó que prega a ausência de significado e de sentido, de controle, de literalidade e de razões, onde você é uma Hóstia Viva ou uma célula que viva e age milagrosamente através do tempo e da eternidade através da atenção e da intenção que se enredam apenas de liberdade para se viver e para se ensinar e aprender a viver.

 

Situar a construção da mente consciente na história da biologia e da cultura abre caminho para conciliar o humanismo tradicional com a ciência moderna, e assim, quando a neurociência explora a experiência humana nos estranhos mundos da fisiologia do cérebro e da genética, a dignidade humana não só é mantida, mas reafirmada.

 

Saber como o cérebro funciona tem alguma importância para o modo como vivemos nossa vida? A meu ver, importa muito, ainda mais se, além de sabermos quem atualmente somos, nos interessarmos pelo que podemos vir a ser. Importa pois  é uma forma de construção de identidade, consciência, atividade, afetividade e de Zeitgeist. (MATTANÓ; 16/02/2024).

 

 

 

 

 

  1. Da regulação da vida ao valor biológico

 

 

A REALIDADE IMPLAUSÍVEL

 

Para Mark Twain, a grande diferença entre a ficção e a realidade era que a ficção tinha de ser acreditável. A realidade podia dar-se ao luxo de ser implausível; a ficção não. A narrativa sobre a mente e a consciência que apresento aqui não preenche os requisitos da ficção. Na verdade, ela é contraintuitiva. Destoa do modo humano tradicional de contar histórias. Nega repetidamente pressuposições arraigadas, sem falar em um bom número de aspirações. Mas nada disso a torna menos provável.

 

A ideia de que sob a mente consciente se escondem processos mentais inconscientes não é nova. Foi exposta pela primeira vez há mais de cem anos, recebida pelo público com certa surpresa, mas hoje é coisa batida. O que a maioria não compreende plenamente, embora esteja bem estabelecido, é que, muito antes de possuírem mente, os seres vivos já mostravam comportamentos eficientes e adaptativos que, para todos os efeitos, assemelhavam-se aos que surgem nas criaturas dotadas de mente e consciência.

 

Necessariamente, tais comportamentos não eram causados pela mente, muito menos pela consciência. Em resumo, o caso não é só que processos conscientes e não conscientes coexistem, mas que os processos não conscientes que são importantes para manter a vida podem existir sem seus parceiros conscientes.

 

No que diz respeito à mente e à consciência, a evolução ensejou diferentes tipos de cérebro. Há o tipo de cérebro que produz com-portamento mas não parece possuir mente ou consciência; um exemplo é o sistema nervoso da Aplysia californica, uma lesma-do-mar

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que se tornou popular no laboratório do neurobiólogo Eric Kandel. Outro tipo produz a série inteira de fenômenos - comportamento, mente e consciência - e desse tipo o cérebro humano é obviamente o exemplo por excelência. E um terceiro tipo de cérebro claramente produz comportamento, talvez produza uma mente, mas não está tão claro se gera ou não uma consciência no sentido aqui exposto. É o caso dos insetos.

 

As surpresas não terminam com a ideia de que, na ausência de mente e consciência, cérebros podem produzir comportamentos dignos do nome. Acontece que seres vivos sem cérebro algum, inclusive unicelulares, também apresentam um comportamento aparentemente inteligente e deliberado. E esse também é um fato ao qual não se dá a devida atenção.

 

Não há dúvida de que podemos ter vislumbres úteis do modo como o cérebro humano produz a mente consciente se compreendermos os cérebros mais simples que não produzem mente nem consciência. Conforme embarcamos nesse estudo retrospectivo, porém, evidencia-se que para explicar o surgimento de cérebros em tempos tão remotos precisamos retroceder ainda mais no passado, voltar ainda mais ao mundo das formas de vida simples, desprovidas não só de consciência e de mente, mas também de cérebro. De fato, se queremos descobrir os fundamentos do cérebro consciente, temos de nos aproximar dos princípios da vida. E aqui, novamente, deparamos com noções que não apenas são surpreendentes, mas que derrubam as pressuposições comuns acerca das contribuições do cérebro, da mente e da consciência para a gestão da vida.

 

 

            Mattanó aponta que para Mark Twain, a grande diferença entre a ficção e a realidade era que a ficção tinha de ser acreditável. A realidade podia dar-se ao luxo de ser implausível; a ficção não. Ou seja, a realidade pode ser mensurável e administrada, verificada, palpada, testada, comprovada e a ficção não. O caso não é só que processos conscientes e não conscientes coexistem, mas que os processos não conscientes que são importantes para manter a vida podem existir sem seus parceiros conscientes. E não se trata apenas de processos inconscientes do tipo freudiano, junguiano, lacaniano ou mattanoniano, trata-se de processos inconscientes naturalísticos, biológicos, constitucionais.

        No que diz respeito à mente e à consciência, a evolução ensejou diferentes tipos de cérebro. Há o tipo de cérebro que produz comportamento mas não parece possuir mente ou consciência; um exemplo é o sistema nervoso da Aplysia californica, uma lesma-do-mar que se tornou popular no laboratório do neurobiólogo Eric Kandel. Outro tipo produz a série inteira de fenômenos - comportamento, mente e consciência - e desse tipo o cérebro humano é obviamente o exemplo por excelência. E um terceiro tipo de cérebro claramente produz comportamento, talvez produza uma mente, mas não está tão claro se gera ou não uma consciência no sentido aqui exposto. É o caso dos insetos. Pode haver um quarto tipo, o do Homo Sapiens Telepath que é o homem que descende ou foi contaminado por seres alienígenas, o cérebro dele produz comportamento, mente, consciência e paranormalidade que pode se apresentar de diversas maneiras entre os seres humanos, como telepatia, super-força, super-resistência, super-memória, magnetismo, eletricidade, resistência a eletricidade e a raios, super-inteligência, super-musicalização, olhos que projetam holografias e raios luminosos, olhos resistentes a luz e a claridade, supercapacidade de regeneração da pele e do sistema nervoso, sensitividade ou percepção extrasensorial.

        As surpresas não terminam com a ideia de que, na ausência de mente e consciência, cérebros podem produzir comportamentos dignos do nome. Acontece que seres vivos sem cérebro algum, inclusive unicelulares, também apresentam um comportamento aparentemente inteligente e deliberado. E esse também é um fato ao qual não se dá a devida atenção.

        De fato, se queremos descobrir os fundamentos do cérebro consciente, temos de nos aproximar dos princípios da vida. E aqui, novamente, deparamos com noções que não apenas são surpreendentes, mas que derrubam as pressuposições comuns acerca das contribuições do cérebro, da mente e da consciência para a gestão da vida.

        A vida e a evolução são a explicação para o cérebro e o comportamento, a mente, a consciência e a paranormalidade. (MATTANÓ; 20/02/2024).

 

 

 

 

VONTADE NATURAL

 

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Precisamos novamente de uma fábula. Era uma vez, na longa história da evolução, o momento em que a primeira forma de vida surgiu. Aconteceu há 3,8 bilhões de anos o aparecimento desse ancestral de todos os futuros organismos. Cerca de 2 bilhões de anos depois, quando colônias bem-sucedidas de bactérias individuais deviam parecer as donas do planeta, chegou a vez dos organismos unicelulares dotados de núcleo. As bactérias também eram organismos individuais, mas seu DNA não se aglutinara em um núcleo. Os organismos unicelulares com núcleo eram um degrau acima. Essas formas de vida são conhecidas tecnicamente como células eucarióticas, e pertencem a um grande grupo de organismos, os protozoários. No alvorecer da vida, tais células foram alguns dos primeiros organismos verdadeiramente independentes. Cada uma podia sobreviver individualmente sem parcerias simbióticas. Esses organismos simples ainda continuam por aqui. A ativa ameba é um bom exemplo, assim como o admirável paramécio.1

 

Um organismo unicelular possui uma estrutura corporal (o citoesqueleto) dentro da qual existe um núcleo (a central de comando que abriga o DNA da célula) e um citoplasma (onde a transformação de combustível em energia ocorre sob o controle de organelas como as mitocôndrias). Um corpo é demarcado pela pele, e a célula tem a sua, uma fronteira entre seu interior e o mundo exterior. Chama-se membrana celular.

 

Em muitos aspectos, um organismo unicelular é uma amostra do que um organismo independente como o nosso viria a ser. Podemos vê-lo como uma espécie de abstração caricaturesca daquilo que somos. O citoesqueleto é a armação que sustenta o corpo propriamente dito, assim como o esqueleto ósseo é a nossa. O citoplasma corresponde ao interior do corpo, com todos os órgãos. O núcleo é o

 

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equivalente do cérebro. A membrana celular é o equivalente da pele. Algumas dessas células possuem inclusive o equivalente dos membros: os cílios, cujos movimentos combinados permitem que elas nadem.

 

Os componentes separados da célula eucariótica reuniram-se por meio da cooperação entre seres individuais mais simples: bactérias que deixaram sua condição independente e se tornaram parte de um novo e conveniente agregado. Um certo tipo de bactéria originou as mitocôndrias; outro tipo, como as espiroquetas, contribuiu com o citoesqueleto e com os cílios para aquelas que gostavam de nadar, e assim por diante.2 O assombroso é que cada um dos organismos multicelulares da nossa história foi montado de acordo com essa mesma estratégia básica, agregando bilhões de células para constituir tecidos, reunindo diferentes tipos de tecido para constituir órgãos e ligando diferentes órgãos para formar sistemas. Exemplos de tecido são o epitélio, o revestimento das mucosas e as glândulas endócrinas, o tecido muscular, o tecido nervoso ou neural e o tecido conjuntivo, que mantém todos eles no lugar. Exemplos de órgãos são óbvios: coração, intestinos, cérebro. Entre os exemplos de sistema, temos o formado por coração, sangue e vasos sanguíneos (sistema circulatório), o sistema imunológico e o sistema nervoso. Em consequência desse arranjo cooperativo, nossos organismos são combinações altamente diferenciadas de trilhões de células de vários tipos, entre as quais se incluem, obviamente, os neurônios, os mais distintos constituintes do cérebro. Logo voltaremos a falar de neurônios e cérebros.

 

A principal diferença entre as células encontradas em organismos multicelulares (ou metazoários) e as células dos organismos unicelulares é que, enquanto estes últimos precisam sobreviver por

 

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conta própria, as células que constituem os organismos multicelulares vivem em sociedades muito complexas e diversificadas. Várias tarefas que as células de organismos unicelulares precisam executar sozinhas ficam a cargo de tipos especiais de células nos organismos multicelulares. A organização geral é comparável à variedade de papéis funcionais que cada organismo unicelular desempenha em sua estrutura. Os organismos multicelulares são feitos de múltiplas células organizadas cooperativamente, que surgiram da combinação de organismos individuais ainda menores. A economia de um organismo multicelular tem muitos setores, e as células dentro desses setores cooperam. Se isso lembra algo, faz pensar em sociedades humanas, é porque deve. As semelhanças são impressionantes.

 

O governo de um organismo multicelular é altamente descentralizado, embora possua centros de liderança com poderes avançados de análise e decisão, como o sistema endócrino e o cérebro. Ainda assim, com raras exceções, todas as células dos organismos multicelulares, inclusive as nossas, têm os mesmos componentes dos organismos unicelulares -membrana, citoesqueleto, citoplasma, núcleo. (Os glóbulos vermelhos, cuja breve vida de 120 dias é devotada ao transporte da hemoglobina, são a exceção: não têm núcleo.) Além disso, todas essas células têm um ciclo de vida com-parável ao de um organismo grande: nascimento, desenvolvimento, senescência, morte. A vida de um organismo humano individual é construída com multidões de vidas simultâneas e bem articuladas.

 

Por mais simples que tenham sido e sejam, os organismos uni-celulares tinham o que parece ser uma determinação inabalável e decisiva de se manter vivos por todo o tempo ordenado pelos genes existentes em seu núcleo microscópico. O governo de sua vida incluía uma teimosa insistência em permanecer, resistir e prevalecer até o

 

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tempo em que alguns dos genes no núcleo suspendessem a vontade de viver e permitissem a morte da célula.

 

Sei que é difícil imaginar as noções de "desejo" e "vontade" aplicadas a um organismo unicelular. Como é que atitudes e intenções que associamos à mente humana consciente, e que nossa intuição nos diz resultarem do funcionamento do enorme cérebro humano, podem estar presentes em um nível tão elementar? Mas o fato é que estão presentes, seja qual for o nome que se queira dar a essas características do comportamento celular.3

 

Desprovido de conhecimento consciente, sem acesso aos intricados mecanismos de deliberação disponíveis a nosso cérebro, o organismo unicelular parece ter uma atitude: quer viver tanto quanto sua dotação genética lhe permite. Por mais que nos cause estranheza, esse ímpeto, com tudo o que é necessário para implementá-lo, pre-cede o conhecimento explícito e a deliberação sobre as condições de vida, uma vez que o organismo claramente não os possui. O núcleo e o citoplasma interagem e executam complexas computações voltadas para a manutenção da vida da célula. Lidam com os problemas que as condições de vida lhes impõem a cada momento e adaptam a célula às situações de modo que ela consiga sobreviver. Dependendo das condições do ambiente, rearranjam a posição e a distribuição das moléculas em seu interior e mudam a forma de seus subcomponentes, como os microtúbulos, numa espantosa demonstração de pre-cisão. Além disso, reagem às dificuldades e às condições favoráveis. Obviamente, os componentes da célula responsáveis por esses ajustes adaptativos são dispostos e instruídos pelo material genético da célula.

 

É comum cairmos na armadilha de ver nosso grande cérebro e nossa complexa mente consciente como os responsáveis por

 

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atitudes, intenções e estratégias por trás de nossa sofisticada gestão da vida. Por que não deveríamos? É um modo razoável e parcimonioso de conceber a história desses processos, se visto do topo da pirâmide e a partir das circunstâncias presentes. Mas a realidade é que a mente consciente apenas tornou o know-how básico da gestão da vida conhecível. Como veremos, as contribuições decisivas da mente consciente para a evolução são dadas em um nível muito superior; relacionam-se às tomadas de decisão off-line, deliberadas, e às criações culturais. Não estou, de modo algum, minimizando a importância desse nível superior de gestão. Na verdade, uma das principais ideias deste livro é que a mente humana consciente levou a evolução por um novo curso precisamente porque nos proporcionou escolhas, possibilitou uma regulação sociocultural relativamente flexível além daquela complexa organização social que vemos tão espetacularmente, por exemplo, nos insetos sociais. O que estou fazendo é inverter a sequência narrativa da explicação tradicional da consciência, dizendo que o conhecimento oculto da gestão da vida precedeu a experiência consciente desse tipo de conhecimento. Também afirmo que o conhecimento oculto é altamente complexo e não deve ser considerado primitivo. Sua complexidade é colossal, e sua aparente inteligência, notável.

 

Sem menosprezar a consciência, certamente enalteço a gestão não consciente da vida e suponho que ela constitui o gabarito para as atitudes e intenções da mente consciente.

 

Cada célula do nosso corpo tem o tipo de atitude não consciente que acabo de descrever. Será que o nosso muito humano desejo de viver, nossa vontade de prevalecer, começou como um agregado das incipientes vontades de todas as células do nosso corpo, uma voz coletiva libertada num canto de afirmação?

 

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A ideia de um grande coletivo de vontades expresso em uma só voz não é mera fantasia poética. Ela se vincula à realidade do nosso organismo, onde essa voz única existe de fato, sob a forma do self no cérebro consciente. Mas como é que as vontades das células e seus coletivos, desprovidos como são de cérebro e mente, se trans-ferem para o self da mente consciente originada no cérebro? Para que isso aconteça, precisamos introduzir em nossa narrativa um personagem radical que vai mudar o enredo: a célula nervosa, ou neurônio.

 

Os neurônios, até onde podemos compreendê-los, são células únicas, de um tipo distinto das outras células corporais, diferentes inclusive de outros tipos de célula cerebral, como as gliais. O que torna os neurônios tão singulares e especiais? Afinal, eles também não têm um corpo celular com núcleo, citoplasma e membrana? Também não rearranjam internamente suas moléculas como fazem as outras células do corpo? Também não se adaptam ao meio? Sim, de fato tudo isso é verdade. Os neurônios são, em tudo e por tudo, células do corpo, e no entanto também são especiais.

 

Para explicar por que os neurônios são especiais, devemos considerar uma diferença funcional e uma diferença estratégica. A diferença funcional essencial está relacionada à capacidade dos neurônios de produzir sinais eletroquímicos capazes de mudar o estado de outras células. Os neurônios não inventaram os sinais elétricos. Organismos unicelulares como os paramécios, por exemplo, também podem produzi-los e usá-los para governar seu comportamento. Mas os neurônios usam seus sinais para influenciar outras células: outros neurônios, células endócrinas (que secretam moléculas químicas) e células de fibras musculares. Mudar a condição de outras células, para começar, é justamente a fonte da atividade que constitui e

 

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regula o comportamento e que por fim também contribui para produzir a mente. Os neurônios são capazes dessa proeza porque produzem e propagam uma corrente elétrica ao longo de seus prolongamentos tubulares, os axônios. Às vezes essa transmissão percorre distâncias que podem ser vistas a olho nu, como quando sinais viajam por muitos centímetros ao longo de axônios de neurônios do nosso córtex motor ao tronco cerebral, ou da medula espinhal à extremidade de um membro. Quando a corrente elétrica chega à extremidade do neurônio, chamada sinapse, causa a liberação de uma molécula química, um transmissor, que por sua vez atua sobre a célula subsequente na cadeia. Quando essa célula subsequente é uma fibra muscular, ocorre movimento.4

 

Não é mais nenhum mistério o modo como os neurônios fazem isso. Como outras células do corpo, eles têm cargas elétricas dentro e fora de suas membranas. As cargas resultam da concentração de íons, como sódio ou potássio, dos dois lados da parede. Mas os neurônios aproveitam-se da capacidade de criar grandes diferenças de carga em seu interior e em seu exterior - o estado de polarização. Quando essa diferença é drasticamente reduzida em um ponto da célula, a membrana se despolariza nesse local, e a despolarização avança como uma onda pelo axônio. Essa onda é o impulso elétrico. Quando neurônios se despolarizam, dizemos que estão "ativados". Em suma, os neurônios são como as outras células, só que podem enviar sinais influentes para as outras células e, assim, modificar o que elas fazem.

 

A diferença funcional acima é responsável por uma diferença estratégica fundamental: os neurônios existem em benefício de todas as outras células do corpo. Os neurônios não são essenciais para o processo básico da vida, como demonstram facilmente todos os

 

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outros seres vivos desprovidos deles. Mas, em seres complexos com muitas células, os neurônios assistem o corpo multicelular como um todo na gestão da vida. Esse é o propósito dos neurônios e o propósito do cérebro que eles constituem. Todas as impressionantes façanhas do cérebro que tanto reverenciamos, das maravilhas da cri-atividade às sublimes alturas da espiritualidade, parecem ter como fonte essa determinada dedicação à gestão da vida do corpo que ele habita.

 

Mesmo em cérebros modestos, feitos de redes de neurônios organizadas em gânglios, os neurônios assistem outras células do corpo. Fazem isso recebendo sinais de células do corpo e pro-movendo a liberação de moléculas químicas (como no caso de um hormônio secretado por uma célula endócrina que chega às células do corpo e muda suas funções) ou possibilitando a ocorrência de movimentos (excitam as fibras musculares e provocam sua contração). Mas, nos seres de cérebro elaborado, redes de neurônios finalmente passaram a imitar a estrutura de partes do corpo ao qual pertencem. Acabaram representando o estado do corpo, literalmente mapeando o corpo para o qual trabalham e constituindo uma espécie de substituto virtual, um dublê neural. É importante notar que eles permanecem por toda a vida conectados ao corpo que imitam. Como veremos, imitar o corpo e permanecer conectado a ele é muito útil à função de gerir a vida.

 

Em suma, o "tema" dos neurônios é o corpo, e essa incessante referência ["aboutness",na linguagem da teoria da informação] ao corpo é a característica distintiva dos neurônios, dos circuitos neuronais e do cérebro. A meu ver, essa referência perpétua é a razão pela qual a vontade de viver oculta nas células do nosso corpo pôde um dia traduzir-se em uma vontade consciente surgida na mente. As

 

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vontades ocultas, celulares, passaram a ser imitadas por circuitos cerebrais. Curiosamente, o fato de que o corpo é o tema dos neurônios e do cérebro também sugere o modo como o mundo externo poderia ser mapeado no cérebro e na mente. Como explicarei na parte II, para que o cérebro mapeie o mundo externo ao corpo, pre-cisa da mediação deste. Quando o corpo interage com seu ambiente, ocorrem mudanças nos órgãos dos sentidos, como nos olhos, nos ouvidos e na pele; o cérebro mapeia essas mudanças, e assim o mundo externo ao corpo adquire indiretamente alguma forma de representação dentro do cérebro.

 

Concluindo esse hino à particularidade e glória dos neurônios, acrescentarei uma observação sobre sua origem para que não fiquem muito cheios de si. Na evolução, é provável que os neurônios sejam originários de células eucarióticas que comumente mudavam de forma e produziam extensões tubulares de seu corpo conforme se moviam, sondando seu ambiente, incorporando alimentos, tratando da vida. Os pseudópodos de uma ameba dão uma ideia do processo. Os prolongamentos tubulares, que são criados na hora por reorganizações dos microtúbulos, desmancham-se assim que a célula termina sua tarefa. Mas, quando prolongamentos temporários como esses se tornaram permanentes, transformaram-se nos componentes tubulares pelos quais os neurônios se distinguem: os axônios e os dendritos. Nasceu uma coleção estável de cabos e antenas, ideal para emitir e receber sinais.5

 

Por que isso é importante? Porque, embora o funcionamento dos neurônios seja muito distinto e tenha aberto o caminho para o comportamento complexo e a mente, os neurônios mantiveram um parentesco próximo com outras células do corpo. Apenas ver os neurônios e os cérebros que eles constituem como células

 

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radicalmente diferentes, sem levar em conta suas origens, traz o risco de separarmos o cérebro do corpo mais do que seria justificável tendo em conta sua genealogia e funcionamento. Desconfio que boa parte da perplexidade com o surgimento de estados de sentimento no cérebro deriva de não se dar a devida importância à relação íntima do cérebro com o corpo.

 

Cabe ainda fazer mais uma distinção entre os neurônios e outras células do corpo. Pelo que sabemos, os neurônios não se reproduzem - ou seja, não se dividem. Tampouco se regeneram, ou pelo menos não em um grau significativo. Praticamente todas as demais células do corpo fazem isso, embora as células do cristalino nos olhos e as células das fibras musculares do coração sejam exceções. Não seria nada conveniente essas células se dividirem. Se as células da retina se dividissem, a transparência do meio provavelmente seria afetada durante o processo. Se as células cardíacas se dividissem (mesmo que fosse um setor por vez, como numa reforma bem planejada de uma casa), a ação de bombeamento do coração ficaria gravemente comprometida, como ocorre quando um infarto do miocárdio incapacita um setor do coração e perturba a coordenação fina das câmaras. E quanto ao cérebro? Embora não tenhamos o conhecimento completo de como os circuitos neuronais mantêm memórias, uma di-visão de neurônios provavelmente perturbaria os registros de toda uma vida de experiências que, pelo aprendizado, foram inscritas nesses neurônios em padrões específicos de disparos nos seus circuitos complexos. Pela mesma razão, uma divisão também perturbaria o refinado know-how que logo de saída nosso genoma imprimiu nos circuitos, o know-how que diz ao cérebro como coordenar as oper-ações da vida. Uma divisão de neurônios poderia acarretar o fim da regulação da vida específica da espécie e possivelmente não

 

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permitiria o desenvolvimento da individualidade comportamental e mental, muito menos da identidade e pessoalidade. Podemos perce-ber quanto é plausível esse cenário observando as consequências conhecidas de lesão em certos circuitos neuronais em pacientes que sofreram acidente vascular ou doença de Alzheimer.

 

Na maioria das outras células do nosso corpo, a divisão é acentuadamente sistematizada, para não comprometer a arquitetura dos diversos órgãos e a arquitetura geral do organismo. Há um Bauplan a ser seguido. Ao longo de todo o período de vida, ocorre uma contínua restauração, em vez de uma remodelação propriamente dita. Não, nós não derrubamos as paredes na casa do nosso corpo, e também não construímos uma nova cozinha, nem acrescentamos um quarto de hóspedes. A restauração é muito sutil e bastante meticulosa. Por boa parte da nossa vida, a substituição de células se dá com tanta perfeição que até nossa aparência permanece igual. Mas, quando consideramos os efeitos do envelhecimento sobre a aparência exterior do nosso organismo ou sobre o funcionamento do nosso sistema interno, percebemos que as substituições vão sendo cada vez menos perfeitas. As coisas não ficam exatamente no mesmo lugar. A pele do rosto envelhece, os músculos perdem a rigidez, a gravidade intervém, os órgãos podem não funcionar tão bem. Chega a hora de entrarem em cena o cirurgião plástico e o clínico geral.

 

Mattanó aponta que a consciência pode ser fruto de processos muito mais primitivos e anteriores a própria vida humana, pois já existia nos organismos unicelulares e nos organismos multicelulares. Nos organismos unicelulares a consciência regulava a vontade e o desejo de viver e de se comportar, se adaptando ao meio ambiente. E nos organismos multicelulares a consciência tinha um papel um pouco mais complexo, pois organizava as atividades e funções das muitas e diferentes células que formavam este organismo em sua tomada de decisões, a partir de suas vontades, desejos e necessidades que eram organizadas e reorganizadas pela consciência desse organismo multicelular. Hoje nosso organismo corresponde a fisiologia, morfologia e comportamento dos organismos multicelulares, pois somos todos multicelulares, somos formados por muitas células que trabalham em cooperação para a manutenção da vida, sugerindo uma homeostase e uma consciência, um conhecimento e uma realidade que nos coloca neste mundo como portadores de uma subjetividade e de uma cultura, isto, pois, a consciência, como vemos nasce antes do Homo Sapiens, já nos organismos unicelulares e continua nos organismos multicelulares, sendo o Homo Sapiens produto da seleção natural, competição entre indivíduos e espécies, e evolução das espécies, o que nos possibilita dizer que a consciência e seus derivados, como o conhecimento, a cultura e a realidade são produtos da seleção natural, da competição entre indivíduos e espécies, e evolução das espécies. (MATTANÓ; 23/02/2024).

 

 

 

 

 

A MANUTENÇÃO DA VIDA

 

De que uma célula precisa para se manter viva? Em termos bem simples, ela precisa de uma casa bem administrada e de boas relações externas, vale dizer, uma boa gestão dos inúmeros problemas que a vida lhe apresenta. A vida, em um organismo unicelular e em

 

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criaturas maiores com trilhões de células, requer a transformação de nutrientes apropriados em energia, e isso, por sua vez, exige a capacidade de resolver diversos problemas: encontrar produtos fornecedores de energia, introduzi-los no corpo, convertê-los na moeda universal de energia conhecida como ATP, eliminar os resíduos e usar a energia em tudo o que o corpo requer para dar continuidade a essa mesma rotina de encontrar o material certo, incorporá-lo, e assim por diante. Obter nutrientes, consumi-los, digeri-los e permitir que forneçam energia ao organismo - são essas as tarefas da humilde célula.

 

A mecânica da gestão da vida é crucial em virtude de sua dificuldade. A vida é um estado precário, possível apenas quando numerosas condições são atendidas simultaneamente no interior do corpo. Por exemplo, em organismos como o nosso, a quantidade de oxigênio e CO2 só pode variar dentro de uma faixa bem estreita, e o mesmo vale para a acidez do caldo no qual todo tipo de molécula química viaja de célula em célula (o pH). Isso também se aplica à temperatura, cujas variações notamos intensamente quando temos febre ou, mais comumente, quando reclamamos que está calor ou frio demais; também se aplica à quantidade de nutrientes fundamentais em circulação - açúcares, gorduras, proteínas. Sentimos desconforto quando as variações se afastam da estreita faixa conveniente e ficamos nervosos se passamos muito tempo sem fazer nada para remediar a situação. Esses estados mentais e comportamentos são sinais de que as ferrenhas regras da regulação da vida estão sendo transgredidas; são lembretes mandados lá dos confins do nosso processamento não consciente à vida mental e consciente para que tratemos de encontrar uma solução razoável, pois a situação não pode mais ser gerida por mecanismos automáticos, não conscientes.

 

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Quando medimos cada um desses parâmetros e lhes atribuímos números, descobrimos que a faixa em que normalmente variam é minúscula. Em outras palavras, a vida requer que o corpo mantenha a todo custo um conjunto de faixas de parâmetros para dezenas de componentes em seu interior dinâmico. Todas as operações de gestão a que já aludi - encontrar fontes de energia, incorporar e transformar produtos fornecedores de energia etc. - destinam-se a manter os parâmetros químicos do interior de um corpo (seu meio interno) dentro da mágica faixa compatível com a vida. Essa faixa mágica é conhecida como homeostática, e o processo de obtenção desse estado equilibrado chama-se homeostase. Esses termos não muito elegantes foram cunhados no século xx pelo fisiologista Walter Cannon. Ele desenvolveu as descobertas feitas no século XIX pelo biólogo francês Claude Bernard, que cunhara o termo mais simpático "milieu intérieur" (meio interno), a sopa química na qual a luta pela vida acontece, ininterrupta mas oculta. Lamentavelmente, embora os fundamentos da regulação da vida (o processo da homeostase) já sejam conhecidos há mais de um século e aplicados no cotidiano da biologia geral e da medicina, sua importância mais profunda para a neurobiologia e a psicologia ainda não foi apreciada como devido.6

        Mattanó aponta que a vida depende de controladores celulares como os que fornecem energia ou ATP, e regulam a temperatura corporal, quando está frio ou calor, pois nosso organismo tem limites para a temperatura que estão diretamente  dependendo dos controladores celulares que fornecem energia, ATP ou calor, mas também em relação ao oxigênio, CO2 e pH, isso também se aplica à quantidade de nutrientes fundamentais em circulação - açúcares, gorduras, proteínas. Sentimos desconforto quando as variações se afastam da estreita faixa conveniente e ficamos nervosos se passamos muito tempo sem fazer nada para remediar a situação. Esses estados mentais e comportamentos são sinais de que as ferrenhas regras da regulação da vida estão sendo transgredidas, pois o corpo, o comportamento e o inconsciente falam e denunciam o que precisamos e o que está acontecendo com o nosso organismo; são lembretes mandados lá dos confins do nosso processamento não consciente à vida mental e consciente para que tratemos de encontrar uma solução razoável, pois a situação não pode mais ser gerida por mecanismos automáticos, não conscientes. Esses controladores nos mantêm vivos através da homeostase corporal. A homeostase corporal é produto da interação do comportamento com a fisiologia e a morfologia do organismo que chamamos de adaptação. Adaptação, homeostase e regulação da vida são mecanismos automáticos, que dependem de processos não conscientes e de processos conscientes. Lamentavelmente, embora os fundamentos da regulação da vida (o processo da homeostase) já sejam conhecidos há mais de um século e aplicados no cotidiano da biologia geral e da medicina, sua importância mais profunda para a neurobiologia e a psicologia ainda não foi apreciada como devido. Para a psicologia a regulação da vida ou o processo da homeostase é importante porque assegura o bem-estar do paciente, inclusive indica sintomas e transtornos mentais segundo o processo da homeostase, por exemplo, através da adaptação comportamental diante de processos fisiológicos que podem ser sintomas de transtornos mentais associados a outras doenças que podem afetar e desenvolver ou criar problemas morfológicos como na obesidade e com o diabetes mielitus que pode desencadear ansiedade, depressão, estresse, angústia, raiva, pânico, transtornos alimentares, transtornos sexuais, isolamento social, problemas afetivos e comportamentais, problemas no trabalho e na escola, ou no meio familiar e institucional, comunitário ou organizacional, e até bullying. (MATTANÓ; 25/02/2024).

 

 

 

 

AS ORIGENS DA HOMEOSTASE

 

Como foi que a homeostase se instalou em organismos inteiros? Como os organismos unicelulares adquiriram sua arquitetura de regulação da vida? Para examinar uma questão desse tipo, precisamos recorrer a uma forma problemática de engenharia reversa, uma tarefa que nunca é fácil, pois passamos a maior parte da nossa

 

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história científica pensando da perspectiva de organismos inteiros, e não da perspectiva das moléculas e dos genes com os quais os organismos principiaram.

 

O fato de a homeostase ter começado inadvertidamente, no nível dos organismos sem consciência, mente ou cérebro, traz a questão de onde e como a intenção homeostática se instalou na história da vida. Essa questão nos conduz dos organismos unicelulares para os genes, e daí para as moléculas simples, mais simples ainda que o DNA e o RNA. A intenção homeostática pode surgir a partir desses níveis simples e até estar relacionada aos processos físicos básicos que governam a interação de moléculas - por exemplo, as forças com as quais duas moléculas se atraem ou se repelem, ou se combinam de modo construtivo ou destrutivo. As moléculas repelem ou atraem; unem-se e interagem explosivamente, ou se recusam a fazê-lo.

 

No que diz respeito aos organismos, evidentemente as redes de genes resultantes da seleção natural foram responsáveis por dotá-los da capacidade homeostática. Que tipo de conhecimento as redes de genes possuíam (e possuem) para ser capazes de transmitir instruções tão sagazes aos organismos que elas originaram? Qual é a origem do valor - a "primitiva" - quando vamos abaixo do nível dos tecidos e das células e chegamos ao dos genes? Talvez o necessário seja uma ordenação específica de informações genéticas. No nível das redes de genes, a primitiva do valor consistiria em uma ordenação da expressão gênica que resultasse na construção de organismos "homeostaticamente competentes".

 

Entretanto, respostas mais simples têm de ser buscadas em níveis ainda mais simples. Existem debates importantes sobre como o processo de seleção natural atuou para produzir o cérebro humano

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de que hoje desfrutamos. Será que a seleção natural atuou no nível dos genes, no nível de organismos inteiros, no de grupos de indivíduos ou todas as anteriores? Mas da perspectiva dos genes, e para que eles sobrevivessem no decorrer das gerações, as redes gênicas tiveram de construir organismos perecíveis e no entanto bem-sucedidos que lhes servissem de veículo. E, para que os organismos se comportassem desse modo tão bem-sucedido, foi preciso que genes tenham guiado sua montagem com algumas instruções essenciais.

 

Boa parte dessas instruções tratou, sem dúvida, da construção de mecanismos capazes de conduzir com eficiência a regulação da vida. Os mecanismos recém-montados determinavam a distribuição de recompensas, a aplicação de punições e a predição de situações que o organismo enfrentaria. Em suma, instruções gênicas levaram à construção de mecanismos capazes de executar o que, em organismos complexos como o nosso, veio a florescer sob a forma de emoções, no sentido amplo do termo. O protótipo desses mecanismos se fez presente primeiro em organismos sem cérebro, mente ou consciência - os organismos unicelulares que já mencionamos; contudo, os mecanismos reguladores atingiram a máxima complexidade em organismos possuidores dos três: cérebro, mente e consciência.7

 

A homeostase é suficiente para garantir a sobrevivência? Na verdade não, pois tentar corrigir desequilíbrios homeostáticos depois de iniciados é ineficaz e arriscado. A evolução deu um jeito nesse problema introduzindo mecanismos para permitir aos organismos prever esses desequilíbrios e motivar a exploração de ambientes que provavelmente oferecem soluções.

 

Mattanó aponta que o fato de a homeostase ter começado inadvertidamente, no nível dos organismos sem consciência, mente ou cérebro, traz a questão de onde e como a intenção homeostática se instalou na história da vida. Essa questão nos conduz dos organismos unicelulares para os genes, e daí para as moléculas simples, mais simples ainda que o DNA e o RNA. A intenção homeostática pode surgir a partir desses níveis simples e até estar relacionada aos processos físicos básicos que governam a interação de moléculas - por exemplo, as forças com as quais duas moléculas se atraem ou se repelem, ou se combinam de modo construtivo ou destrutivo. As moléculas repelem ou atraem; unem-se e interagem explosivamente, ou se recusam a fazê-lo. Acredito que existe homeostase até no magnetismo e na eletricidade, pois o magnetismo e a eletricidade podem fazer parte de um organismo com paranormalidade, nos revelando que a homeostase também é seletiva, competitiva e evolui.

No que diz respeito aos organismos, evidentemente as redes de genes resultantes da seleção natural foram responsáveis por dotá-los da capacidade homeostática. Que tipo de conhecimento as redes de genes possuíam (e possuem) para ser capazes de transmitir instruções tão sagazes aos organismos que elas originaram? Qual é a origem do valor - a "primitiva" - quando vamos abaixo do nível dos tecidos e das células e chegamos ao dos genes? Talvez o necessário seja uma ordenação específica de informações genéticas. No nível das redes de genes, a primitiva do valor consistiria em uma ordenação da expressão gênica que resultasse na construção de organismos "homeostaticamente competentes". Para que os organismos se comportassem desse modo tão bem-sucedido, foi preciso que genes tenham guiado sua montagem com algumas instruções essenciais.

 

Boa parte dessas instruções tratou, sem dúvida, da construção de mecanismos capazes de conduzir com eficiência a regulação da vida. Os mecanismos recém-montados determinavam a distribuição de recompensas, a aplicação de punições e a predição de situações que o organismo enfrentaria. Em suma, instruções gênicas levaram à construção de mecanismos capazes de executar o que, em organismos complexos como o nosso, veio a florescer sob a forma de emoções, no sentido amplo do termo. O protótipo desses mecanismos se fez presente primeiro em organismos sem cérebro, mente ou consciência - os organismos unicelulares que já mencionamos; contudo, os mecanismos reguladores atingiram a máxima complexidade em organismos possuidores dos três: cérebro, mente e consciência.

É pois, nestes organismos com cérebro, mente e consciência que aparece a paranormalidade com magnetismo e eletricidade, com telepatia, inteligência e regeneração celular avançada.

A homeostase é suficiente para garantir a sobrevivência? Na verdade não, pois tentar corrigir desequilíbrios homeostáticos depois de iniciados é ineficaz e arriscado. A evolução deu um jeito nesse problema introduzindo mecanismos para permitir aos organismos prever esses desequilíbrios e motivar a exploração de ambientes que provavelmente oferecem soluções. (MATTANÓ; 26/02/2024).

 

 

 

 

 

CÉLULAS, ORGANISMOS MULTICELULARES E MÁQUINAS

 

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As células e os organismos multicelulares têm várias características em comum com as máquinas. Tanto nos organismos vivos como nas máquinas projetadas pelo homem, a atividade visa a um objetivo, é composta de processos, os processos são executados por partes anatômicas distintas que executam subtarefas, e assim por diante. A semelhança é bem sugestiva e está por trás das metáforas de mão dupla com as quais descrevemos seres vivos e máquinas. Falamos do coração como uma bomba, descrevemos a circulação do sangue como um encanamento, referimo-nos à ação dos membros como alavancas, e assim por diante. Analogamente, quando pensamos em uma operação indispensável numa máquina complexa, nós a chamamos de "o coração" da máquina, e aludimos aos mecanismos controladores dessa máquina como seu "cérebro". Máquinas que funcionam de modo imprevisível são tachadas de "temperamentais". Esse modo de pensar, em geral bem ilustrativo, também é responsável pela menos útil ideia de que o cérebro é um computador digital, e a mente, uma espécie de software a ser rodado nesse computador. Mas o verdadeiro problema dessas metáforas está em desconsiderarem as condições fundamentalmente diferentes dos componentes materiais dos organismos vivos e das máquinas. Compare uma maravilha do design moderno - o Boeing 777 - com um exemplar de qualquer organismo vivo, pequeno ou grande. Algumas semelhanças podem ser facilmente identificadas: centros de comando na forma de computadores na cabine do piloto, canais de informações diretas [feed forward] para esses computadores, canais de feedback reguladores para as periferias, uma espécie de metabolismo presente no fato de que as máquinas se alimentam de combustível e transformam energia, e assim por diante. No entanto, persiste uma diferença

 

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fundamental: qualquer organismo vivo é naturalmente equipado com regras e mecanismos homeostáticos globais; em caso de pane, o corpo do organismo vivo morre; ainda mais importante é que cada componente do corpo do organismo vivo (e com isso quero dizer cada célula) é, em si, um organismo vivo, equipado pela natureza com suas próprias regras e mecanismos homeostáticos, sujeito ao mesmo risco de perecer em caso de pane. A estrutura do esplêndido 777 não possui nada comparável desde sua fuselagem de liga metálica até os materiais que compõem seus quilômetros de fiação e seu encanamento hidráulico. O avançado "homeostato" do 777, compartilhado por seu banco de computadores de bordo inteligentes e pelos dois pilotos necessários para conduzir o aparelho, destina-se a preservar sua estrutura inteira, e não seus subcomponentes físicos nos níveis micro e macro.

 

Mattanó aponta que as células e os organismos multicelulares têm várias características em comum com as máquinas. Tanto nos organismos vivos como nas máquinas projetadas pelo homem, a atividade visa a um objetivo, é composta de processos, os processos são executados por partes anatômicas distintas que executam subtarefas, e assim por diante. A semelhança é bem sugestiva e está por trás das metáforas de mão dupla com as quais descrevemos seres vivos e máquinas. Falamos do coração como uma bomba, descrevemos a circulação do sangue como um encanamento, referimonos à ação dos membros como alavancas, e assim por diante. Analogamente, quando pensamos em uma operação indispensável numa máquina complexa, nós a chamamos de "o coração" da máquina, e aludimos aos mecanismos controladores dessa máquina como seu "cérebro". Máquinas que funcionam de modo imprevisível são tachadas de "temperamentais". Esse modo de pensar, em geral bem ilustrativo, também é responsável pela menos útil ideia de que o cérebro é um computador digital, e a mente, uma espécie de software a ser rodado nesse computador. Mas o verdadeiro problema dessas metáforas está em desconsiderarem as condições fundamentalmente diferentes dos componentes materiais dos organismos vivos e das máquinas. As máquinas não possuem o mecanismo homeostático que os organismos vivos possuem. As máquinas requerem reparos constantes e substituições de peças e de partes inteiras, elas são diferentes dos organismos vivos que conseguem se reequilibrar homeostaticamente, sem que haja reparos, substituições e trocas de peças e de partes inteiras através da reposição ou da cura, da regeneração que parece ter dependência da homeostase localizada ou globalizada, por exemplo, de uma ferida, trata-se da regeneração com base na homeostase localizada da região dessa ferida, e no caso do organismo, trata-se da homeostase globalizada. A homeostase visa proteger toda a estrutura do organismo, ou seja, todo o organismo e não apenas o que denominamos de micro ou macroestruturas, isto, pois ela é predominantemente globalizada. A homeostase globalizada é a homeostase representada e quando apontamos para a existência da homeostase localizada falamos da homeostase vivida. A homeostase representada é aquela que temos em nosso conceito e é adquirida pela aprendizagem formal. E a homeostase vivida é aquela que temos em nossa subjetividade ou vida psíquica e comportamental e que é adquirida pela vida, pela experiência, pela vivência, pela aprendizagem histórica. (MATTANÓ; 29/02/2024).

 

 

 

 

 

 

VALOR BIOLÓGICO

 

A meu ver, o que todo ser vivo possui de mais essencial, em qualquer momento, é o equilibrado conjunto de substâncias químicas corporais compatíveis com uma vida sadia. Ele se aplica igualmente a uma ameba e a um ser humano, e tudo o mais decorre dele. Sua importância é imensurável.

 

A noção de valor biológico é onipresente no pensamento moderno sobre o cérebro e a mente. Todos temos uma ideia, ou talvez várias, sobre o que significa a palavra "valor'', mas e quanto ao valor biológico? Consideremos algumas outras questões: por que atribuímos um valor a praticamente tudo o que nos cerca - comidas, casas, ouro, joias, pinturas, ações, serviços e até outras pessoas? Por que todo mundo passa tanto tempo calculando ganhos e perdas em

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relação a essas coisas? Por que as coisas trazem uma etiqueta de preço? Por que essa incessante valoração? E quais são os padrões para medir o valor? À primeira vista, poderia parecer que tais questões não têm cabimento em uma conversa sobre cérebro, mente e consciência. Mas na verdade têm, e, como veremos, a noção de valor é fundamental para nossa compreensão da evolução e desenvolvimento do cérebro e da atividade cerebral que ocorre a cada momento.

 

Das questões acima, só a que indaga por que as coisas trazem uma etiqueta de preço tem uma resposta razoavelmente direta. Coisas indispensáveis e coisas que são difíceis de obter, em virtude de uma grande demanda ou de relativa raridade, têm um custo maior. Mas por que precisam de um preço? Ora, não há o bastante de tudo para que todos tenham um pouco; estabelecer um preço é um meio de governar o muito real descompasso entre o item que está disponível e a demanda. O apreçamento introduz a restrição e cria algum tipo de ordem no acesso aos itens. Mas por que não existe o bastante de tudo para todos? Uma razão está na distribuição desigual das necessidades. Certos itens são muito necessários, outros, menos, alguns nem um pouco. Apenas quando introduzimos a noção de necessidade chegamos, finalmente, ao ponto crucial do valor biológico: a questão de um indivíduo lutando para se manter vivo e as necessidades imperativas que surgem nessa luta. Mas a questão de por que, antes de tudo, atribuímos valor ou que padrão de medida escolhemos nessa valoração requer um exame do problema da manutenção da vida e suas necessidades indispensáveis. No que diz respeito ao ser humano, manter a vida é apenas parte de um problema maior, mas fiquemos só com a sobrevivência para começar.

 

Até hoje, a neurociência lida com esse conjunto de questões

 

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seguindo um curioso atalho. Identificou várias moléculas químicas que se relacionam, de um modo ou de outro, a estados de recompensa ou punição, e assim, por extensão, são associadas a valor. O leitor sem dúvida já ouviu falar de algumas das moléculas mais conhecidas: dopamina, norepinefrina, serotonina, cortisol, oxitocina, vasopressina. A neurociência também identificou alguns núcleos cerebrais que produzem essas moléculas e as enviam para outras partes do cérebro e do corpo. (Núcleos cerebrais são conjuntos de neurônios localizados abaixo do córtex, no tronco cerebral, hipotálamo e prosencéfalo basal; não devem ser confundidos com os núcleos no interior das células eucarióticas, que são simples bolsas onde está guardada a maior parte do DNA da célula.)8

 

A complicada mecânica neural das moléculas de "valor" é um tema importante que muitos estudiosos da neurociência estão empenhados em desvendar. O que impele os núcleos a liberar tais moléculas? Onde exatamente elas são liberadas no cérebro e no corpo? O que sua liberação produz? Algumas discussões sobre os fascinantes fatos recém-descobertos tratam insuficientemente da questão central: onde está o motor dos sistemas de valor? Qual é a primitiva biológica do valor? Em outras palavras, de onde sai o ím-peto desse complexo mecanismo? Por que, afinal, ele teve início? Por que veio a ser como é?

 

Sem dúvida, as populares moléculas e seus núcleos de origem são partes importantes do maquinário do valor. Mas não constituem a resposta às questões feitas acima. A meu ver, o valor é indelevelmente ligado à necessidade, e esta, à vida. As valorações que estabelecemos nas atividades sociais e culturais cotidianas têm uma relação direta ou indireta com a homeostase. Essa ligação explica por que a circuitaria cerebral humana é tão prodigamente dedicada à

 

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predição e detecção de ganhos e perdas, sem falar na promoção dos ganhos e no temor das perdas. Em outras palavras, ela explica a obsessão humana pela atribuição de valor.

 

O valor relaciona-se direta ou indiretamente à sobrevivência. No caso particular dos humanos, o valor também se relaciona à qualidade da sobrevivência na forma de bem-estar. A noção de sobrevivência - e, por extensão, a de valor biológico - pode ser aplicada a diversas entidades biológicas, de moléculas e genes a organismos inteiros. Examinarei primeiro a perspectiva do organismo como um todo.

        Mattanó aponta que o que todo ser vivo possui de mais essencial, em qualquer momento, é o equilibrado conjunto de substâncias químicas corporais compatíveis com uma vida sadia. Ele se aplica igualmente a uma ameba e a um ser humano, e tudo o mais decorre dele. Sua importância é imensurável.

        Mas por que não existe o bastante de tudo para todos  dessas substâncias químicas? Uma razão está na distribuição desigual das necessidades. Certos itens são muito necessários, outros, menos, alguns nem um pouco. Apenas quando introduzimos a noção de necessidade chegamos, finalmente, ao ponto crucial do valor biológico: a questão de um indivíduo lutando para se manter vivo e as necessidades imperativas que surgem nessa luta. Mas a questão de por que, antes de tudo, atribuímos valor ou que padrão de medida escolhemos nessa valoração requer um exame do problema da manutenção da vida e suas necessidades indispensáveis. Atribuímos valor ou um padrão de medida quando escolhemos nessa valoração em função da nossa adaptação ao meio ambiente e solução de problemas ou superação de adversidades fisiológicas, morfológicas e comportamentais resolvendo o problema de manutenção da vida.

        A neurociência identificou várias moléculas químicas que se relacionam, de um modo ou de outro, a estados de recompensa ou punição, e assim, por extensão, são associadas a valor, desta forma visualizamos o aspecto fisiológico e comportamental através da química e dos estados de recompensa e punição destas moléculas, e se estudarmos as consequências destas moléculas químicas observaremos o aspecto morfológico através da adaptação. O leitor sem dúvida já ouviu falar de algumas das moléculas mais conhecidas: dopamina, norepinefrina, serotonina, cortisol, oxitocina, vasopressina. A neurociência também identificou alguns núcleos cerebrais que produzem essas moléculas e as enviam para outras partes do cérebro e do corpo. (Núcleos cerebrais são conjuntos de neurônios localizados abaixo do córtex, no tronco cerebral, hipotálamo e prosencéfalo basal).

        O valor é indelevelmente ligado à necessidade, e esta, à vida. As valorações que estabelecemos nas atividades sociais e culturais cotidianas têm uma relação direta ou indireta com a homeostase, com o equilíbrio químico e com a consciência que produz cultura e a sua realidade. Essa ligação explica por que a circuitaria cerebral humana é tão prodigamente dedicada à predição e detecção de ganhos e perdas, sem falar na promoção dos ganhos e no temor das perdas. A consciência humana é voltada para obter ganhos e ter temor das perdas, como vemos no caso das frustrações, despedidas, mortes, rompimentos, brigas e discussões, loucuras, guerras e conflitos, violências, violações de direitos, violações de patrimônios, violações de intimidade e de privacidade, estupro, extorsão, vingança, lavagem cerebral, despersonalização, estupro virtual, tentativas de reversão sexual e de moralidade, roubo e furto, por exemplo. Em outras palavras, ela explica a obsessão humana pela atribuição de valor.

O valor relaciona-se direta ou indiretamente à sobrevivência. No caso particular dos humanos, o valor também se relaciona à qualidade da sobrevivência na forma de bem-estar. A noção de sobrevivência - e, por extensão, a de valor biológico - pode ser aplicada a diversas entidades biológicas, de moléculas e genes a organismos inteiros. A noção de sobrevivência promoveu conceitos como seleção natural, competição entre espécies e indivíduos, e evolução das espécies como frutos dessa ideia e teoria onde a noção de sobrevivência deriva-se do valor biológico e do bem-estar como promotores da seleção natural, da competição entre espécies e indivíduos, e da evolução das espécies, pois a consciência do Homo Sapiens tende a selecionar o que lhe causa bem-estar e algum ganho ou formas de ganhos e temor das perdas. (MATTANÓ; 17/03/2024).

 

 

 

 

 

O VALOR BIOLÓGICO NO ORGANISMO COMO UM TODO

 

Em termos imprecisos, o valor máximo, para um organismo como um todo, é a sobrevivência sadia até uma idade compatível com o êxito reprodutivo. A seleção natural aperfeiçoou o mecanismo da homeostase para permitir justamente isso. Assim, o estado fisiológico dos tecidos de um organismo vivo, dentro de uma faixa homeostática ótima, é a origem mais profunda do valor biológico e das valorações. Essa afirmação aplica-se igualmente aos organismos multicelulares e àqueles cujo "tecido" vivo limita-se a uma célula.

 

A faixa homeostática ideal não é absoluta - varia conforme o contexto no qual um organismo se situa. Próximo aos extremos da faixa homeostática, a viabilidade do tecido vivo declina, e o risco de doença e morte aumenta; em certo setor da faixa, porém, os tecidos vivos prosperam e funcionam com mais eficiência e economia. Funcionar próximo aos extremos da faixa, mesmo que apenas por breves períodos, é na verdade uma vantagem importante em condições de

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vida desfavoráveis, porém ainda assim é preferível que os estados da vida funcionem perto do intervalo eficiente. Faz sentido concluir que a primitiva do valor do organismo está inscrita nas configurações de seus parâmetros fisiológicos. O valor biológico aumenta ou diminui ao longo de uma escala indicadora da eficiência dos estados físicos para a vida. De certo modo, o valor biológico é o representante da eficiência fisiológica.

 

Minha hipótese é que nossa valoração dos objetos e processos que encontramos no dia a dia se faz mediante uma referência a essa primitiva do valor do organismo, um valor que a seleção natural de-terminou. Os valores que os humanos atribuem a objetos e atividades teriam, assim, alguma relação, não importa o quanto ela seja indireta ou remota, com estas duas condições: primeiro, a manutenção geral do tecido vivo dentro da faixa homeostática apropriada ao seu contexto corrente; segundo, a regulação específica requerida para que esse processo funcione dentro do setor da faixa homeostática associado ao bem-estar, levando-se em conta o contexto corrente.

 

Para o organismo como um todo, portanto, a primitiva do valor é o estado fisiológico do tecido vivo dentro de uma faixa homeostática adequada à sobrevivência. A contínua representação de parâmetros químicos no interior do cérebro permite que mecanismos cerebrais não conscientes detectem e meçam os afastamentos da faixa homeostática e atuem como sensores para o grau de necessidade interna. Por sua vez, o afastamento medido da faixa homeostática permite que outros mecanismos cerebrais comandem ações corretivas e até promovam incentivos ou desincentivas para essas correções, dependendo da urgência da resposta. Um registro simples de tais procedimentos é a base da predição de condições futuras.

 

Em cérebros capazes de representar estados internos em forma

 

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de mapas e potencialmente dotados de mente e consciência, os parâmetros associados a uma faixa homeostática correspondem, em níveis conscientes de processamento, às experiências de dor e prazer. Subsequentemente, em cérebros capazes de linguagem, torna-se possível atribuir rótulos específicos a essas experiências e chamá-las por nomes - prazer, bem-estar, desconforto, dor.

 

Se procurarmos em um dicionário comum a palavra "valor", encontraremos algo mais ou menos assim: "importância relativa (monetária, material ou de outro tipo); mérito; importância; meio de troca; quantidade de algo que pode ser trocado por outra coisa; a qualidade que torna alguma coisa desejável ou útil; utilidade; custo; preço". Como se vê, o valor biológico é a raiz de todas essas acepções.

 

Mattanó aponta que em termos imprecisos, o valor máximo, para um organismo como um todo, é a sobrevivência sadia até uma idade compatível com o êxito reprodutivo. A seleção natural aperfeiçoou o mecanismo da homeostase para permitir justamente isso. Assim, o estado fisiológico dos tecidos de um organismo vivo, dentro de uma faixa homeostática ótima, é a origem mais profunda do valor biológico e das valorações. Essa afirmação aplica-se igualmente aos organismos multicelulares e àqueles cujo "tecido" vivo limita-se a uma célula.

 

A faixa homeostática ideal não é absoluta - varia conforme o contexto no qual um organismo se situa. O valor biológico aumenta ou diminui ao longo de uma escala indicadora da eficiência dos estados físicos para a vida. De certo modo, o valor biológico é o representante da eficiência fisiológica.

Para o organismo como um todo, portanto, a primitiva do valor é o estado fisiológico do tecido vivo dentro de uma faixa homeostática adequada à sobrevivência. A contínua representação de parâmetros químicos no interior do cérebro permite que mecanismos cerebrais não conscientes detectem e meçam os afastamentos da faixa homeostática e atuem como sensores para o grau de necessidade interna. Por sua vez, o afastamento medido da faixa homeostática permite que outros mecanismos cerebrais comandem ações corretivas e até promovam incentivos ou desincentivas para essas correções, dependendo da urgência da resposta. Um registro simples de tais procedimentos é a base da predição de condições futuras.

A eficiência fisiológica demanda a eficiência dos recursos do organismo em otimizar ou minimizar sua resposta fisiológica em determinados contextos e em relação a determinados estímulos, construindo uma funcionalidade fisiológica nesse organismo que pode ser otimizada ou minimizada e assim diminuir os custos e aumentar os benefícios no caso da otimização ou aumentar os custos e diminuir os benefícios no caso da minimização.

Em cérebros capazes de representar estados internos em forma de mapas e potencialmente dotados de mente e consciência, os parâmetros associados a uma faixa homeostática correspondem, em níveis conscientes de processamento, às experiências de dor e prazer. Subsequentemente, em cérebros capazes de linguagem, torna-se possível atribuir rótulos específicos a essas experiências e chamá-las por nomes - prazer, bem-estar, desconforto, dor. Estas respostas demandam uma funcionalidade comportamental onde o indivíduo aprende a nomear suas experiências a partir da linguagem do outro, ou seja, do comportamento verbal que também pode ser otimizado ou minimizado e assim aumentar ou diminuir as adversidades ambientais que o organismo ou indivíduo há de encontrar e ter que superar para se reproduzir e ter sua eficiência biológica.

Se procurarmos em um dicionário comum a palavra "valor", encontraremos algo mais ou menos assim: "importância relativa (monetária, material ou de outro tipo); mérito; importância; meio de troca; quantidade de algo que pode ser trocado por outra coisa; a qualidade que torna alguma coisa desejável ou útil; utilidade; custo; preço". Como se vê, o valor biológico é a raiz de todas essas acepções. O valor biológico que determina o valor da reprodução numa espécie animal ou de ser vivo determina o que é desejável, útil, agradável, interessante, bom, custoso, gostoso, barato, caro, bonito, atraente, desenvolvido, protegido, do meu grupo, familiar, escolar, profissional, literário, Nobel, verdadeiro, justo, econômico, científico, acadêmico, saudável, rico e produtivo, íntimo e privado, com direitos e deveres, com obrigações e privilégios, com cidadania, com direito a Justiça e a segurança, a liberdade, ao patrimônio, ao corpo, a mente, a saúde, a igualdade, a sexualidade, ao poder, a reprodução, a identidade, a cultura, a atividade, a consciência e ao trabalho, a família e a moradia, ao respeito e a dignidade humana. (MATTANÓ; 29/03/2024).

 

 

 

 

O ÊXITO DE NOSSOS PRIMEIROS PRECURSORES

 

O que explica o brilhante êxito dos organismos-veículo? O que abriu caminho para seres complexos como nós? Um ingrediente importante para nosso surgimento parece ter sido algo que temos mas as plantas não: o movimento. Plantas podem ter tropismos; algumas podem virar-se na direção do sol ou da sombra; e algumas, como a carnívora dioneia, até são capazes de apanhar insetos distraídos. Mas nenhuma planta consegue se desenraizar e sair à procura de um ambiente melhor em outra parte do jardim. O jardineiro tem de fazer isso para ela. A tragédia das plantas, embora elas não saibam, é que suas células espartilhadas nunca poderiam mudar o suficiente para se tornarem neurônios. As plantas não possuem neurônios, e na ausência deles, não há mente.

 

Organismos independentes sem cérebro também desenvolveram outro ingrediente importante: a capacidade de sentir mudanças na

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condição fisiológica dentro de seu próprio perímetro e nos arredores. Até bactérias e inúmeras moléculas reagem à luz do sol; bactérias postas numa placa de Petri reagem a uma gota de substância tóxica aglomerando-se e se retraindo diante da ameaça. Células eucarióticas também sentiam o equivalente de toques e vibrações. As mudanças sentidas no interior ou no meio circundante poderiam levar ao movimento de um lugar para outro. Mas, para responder com eficácia a uma situação, o equivalente do cérebro em um organismo unicelular também precisa conter uma política de resposta, um conjunto de regras extremamente simples segundo as quais ele toma a "decisão de mover-se" quando certas condições são atendidas.

 

Em suma, as características mínimas que tais organismos simples precisavam possuir para que pudessem ter êxito e permitir que seus genes fossem passados à geração seguinte eram: a sensibilidade do interior e do exterior do organismo, uma política de resposta e movimento. O cérebro evoluiu como um mecanismo que podia melhorar as tarefas de sentir, decidir e mover-se, e gerilas de modos cada vez mais eficazes e diferenciados.

 

O movimento foi ganhando refinamento graças ao desenvolvimento de músculos estriados, o tipo de músculo que usamos hoje para andar e falar. Como veremos no capítulo 3, as percepções relacionadas ao interior do organismo, hoje chamadas de interocepção, expandiram-se de modo a detectar um grande número de parâmetros (por exemplo, pH, temperatura, presença ou ausência de numerosas moléculas químicas, tensão de fibras musculares lisas). Quanto às sensações relacionadas ao exterior, passaram a incluir cheiros, gostos, sensações táteis, vibrações, sons e imagens visuais, o conjunto que hoje denominamos exterocepção.

 

Para que o movimento e a sensibilidade funcionassem do modo

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mais vantajoso, a política de resposta tinha de ser equivalente a um abrangente planejamento empresarial que implicitamente esquematizasse as condições norteadoras de sua política. É exatamente nisso que consiste o plano homeostático encontrado em seres de todos os níveis de complexidade: um conjunto de diretrizes operacionais que devem ser seguidas para que o organismo atinja seus objetivos. A essência das diretrizes é bem simples: se determinado elemento está presente, então execute uma dada ação.

 

Quando analisamos o espetáculo da evolução, ficamos impressionados com suas muitas realizações. Pense, por exemplo, no desenvolvimento bem-sucedido de olhos, não só os que se parecem com os nossos, mas outras variedades que fazem seu trabalho por meios ligeiramente diferentes. Não menos admirável é a maravilha da ecolocalização, que permite ao morcego e à coruja-de igreja caçar na escuridão total guiados por uma primorosa localização baseada em sons no espaço tridimensional. A evolução de uma política de resposta capaz de levar organismos a um estado homeostático não é menos espetacular.

 

A política de resposta existe para que seja atingido um objetivo homeostático. Mas, como mencionei, mesmo havendo um objetivo bem definido é preciso algo mais para que uma política de resposta seja executada eficazmente. Para que determinada ação seja executada com presteza e correção, tem de haver um incentivo, de modo que, em certas circunstâncias, certos tipos de respostas sejam preferidas a outras. Por quê? Porque algumas circunstâncias do tecido vivo podem ser tão calamitosas que exigem uma correção urgente e decisiva, e essa correção precisa ser aplicada num átimo. Analogamente, algumas oportunidades podem ser tão conducentes a um melhoramento das condições do tecido vivo que as respostas

 

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favoráveis a essas oportunidades devem ser selecionadas e aplicadas com rapidez. É onde encontramos as maquinações por trás do que acabamos por chamar, da nossa perspectiva humana, de recompensa e punição, os principais participantes da dança da exploração motivada. Note-se que nenhuma dessas operações requer uma mente, muito menos uma mente consciente. Não existe um "sujeito" formal, dentro ou fora do organismo, comportando-se como "recompensador" ou "punidor". No entanto, as "recompensas" e "punições" são aplicadas com base na arquitetura dos sistemas de política de resposta. Toda a operação é tão cega e "sem sujeito" quanto as próprias redes de genes. A ausência de mente e de self é perfeitamente compatível com "intenções" e "propósitos" espontâneos e implícitos. A "intenção" básica da arquitetura é manter a estrutura e o estado, mas um "propósito" maior pode ser deduzido dessas múltiplas intenções: sobreviver.

 

O que estou aventando, portanto, é que são necessários mecanismos de incentivo para possibilitar a orientação bem-sucedida do comportamento, isto é, a execução econômica bem-sucedida do plano de administração da célula. Também estou sugerindo que os mecanismos de incentivo e a orientação não surgiram por determinação e deliberação conscientes. Não existia um conhecimento explícito nem o self capaz de deliberação.

 

A orientação dos mecanismos de incentivo passou gradualmente a ser conhecida pelos organismos dotados de mente e consciência como o nosso. A mente consciente simplesmente revela o que já existe há muito tempo como um mecanismo evolucionário de regulação da vida. Mas a mente consciente não criou o mecanismo. A verdadeira história está na contramão da nossa intuição. A verdadeira sequência histórica é inversa.

 

Mattanó aponta que as características mínimas que tais organismos simples precisavam possuir para que pudessem ter êxito e permitir que seus genes fossem passados à geração seguinte eram: a sensibilidade do interior e do exterior do organismo, uma política de resposta e movimento. O cérebro evoluiu como um mecanismo que podia melhorar as tarefas de sentir, decidir e mover-se, e gerilas de modos cada vez mais eficazes e diferenciados. O movimento foi ganhando refinamento graças ao desenvolvimento de músculos estriados, o tipo de músculo que usamos hoje para andar e falar. Como veremos no capítulo 3, as percepções relacionadas ao interior do organismo, hoje chamadas de interocepção, expandiram-se de modo a detectar um grande número de parâmetros (por exemplo, pH, temperatura, presença ou ausência de numerosas moléculas químicas, tensão de fibras musculares lisas). Quanto às sensações relacionadas ao exterior, passaram a incluir cheiros, gostos, sensações táteis, vibrações, sons e imagens visuais, o conjunto que hoje denominamos exterocepção. Nota-se que tanto a interocepção quanto a exterocepção são produtos do reforço e tem propriedades de uma análise funcional comportamental do tipo S – R – C, estímulo – resposta – consequência, em sua estrutura e conjunto, porém analisadas separadamente ou individualmente, pois cada estrutura tem sua própria funcionalidade comportamental, fisiológica e morfológica, ou seja, adaptativa.

Para que o movimento e a sensibilidade funcionassem do modo mais vantajoso, a política de resposta tinha de ser equivalente a um abrangente planejamento empresarial que implicitamente esquematizasse as condições norteadoras de sua política. É exatamente nisso que consiste o plano homeostático encontrado em seres de todos os níveis de complexidade: um conjunto de diretrizes operacionais que devem ser seguidas para que o organismo atinja seus objetivos. Este plano homeostático tende a seguir uma meta otimizada ou maximizada que significa diminuir os custos e aumentar os benefícios do conjunto de operações que o organismo deve seguir para alcançar os seus objetivos e metas comportamentais, fisiológicas e morfológicas, ou seja, adaptativas, de superação das adversidades ambientais internas e externas.

A evolução de uma política de resposta capaz de levar organismos a um estado homeostático não é menos espetacular, pois somos produtos de equações químicas, desde a Criação ou o ¨big-bang¨.

A política de resposta existe para que seja atingido um objetivo homeostático. Mas, como mencionei, mesmo havendo um objetivo bem definido é preciso algo mais para que uma política de resposta seja executada eficazmente. Para que determinada ação seja executada com presteza e correção, tem de haver um incentivo, de modo que, em certas circunstâncias, certos tipos de respostas sejam preferidas a outras. Por quê? Porque algumas circunstâncias do tecido vivo podem ser tão calamitosas que exigem uma correção urgente e decisiva, e essa correção precisa ser aplicada num átimo. Analogamente, algumas oportunidades podem ser tão conducentes a um melhoramento das condições do tecido vivo que as respostas favoráveis a essas oportunidades devem ser selecionadas e aplicadas com rapidez. É onde encontramos as maquinações por trás do que acabamos por chamar, da nossa perspectiva humana, de recompensa e punição, os principais participantes da dança da exploração motivada. Note-se que nenhuma dessas operações requer uma mente, muito menos uma mente consciente. Não existe um "sujeito" formal, dentro ou fora do organismo, comportando-se como "recompensador" ou "punidor". No entanto, as "recompensas" e "punições" são aplicadas com base na arquitetura dos sistemas de política de resposta. Toda a operação é tão cega e "sem sujeito" quanto as próprias redes de genes. A ausência de mente e de self é perfeitamente compatível com "intenções" e "propósitos" espontâneos e implícitos. A "intenção" básica da arquitetura é manter a estrutura e o estado, mas um "propósito" maior pode ser deduzido dessas múltiplas intenções: sobreviver. A função básica do organismo no universo ou em qualquer mundo é a vida, é sobreviver.

A mente consciente simplesmente revela o que já existe há muito tempo como um mecanismo evolucionário de regulação da vida. Mas a mente consciente não criou o mecanismo. A verdadeira história está na contramão da nossa intuição. A verdadeira sequência histórica é inversa. A homeostase ou o mecanismo evolucionário de equilibração da vida existe antes de ter se formado qualquer consciência na história do mundo ou do organismo. Assim a realidade, a cultura e o conhecimento dependem da consciência que depende da homeostase ou de um mecanismo evolucionário de equilibração da vida, que por sua vez depende de um corpo ou organismo. (MATTANÓ; 05/04/2024).

 

 

 

O DESENVOLVIMENTO DE INCENTIVOS

 

Como foi que os incentivos se desenvolveram? Incentivos surgiram em organismos muito simples, mas são muito evidentes em organismos cujo cérebro é capaz de medir o grau da necessidade de determinada correção. Para que essa medição pudesse ocorrer, o cérebro precisava de uma representação de três situações: (1) o estado corrente do tecido vivo, (2) o estado desejável do tecido vivo, correspondente ao objetivo homeostático, e (3) uma comparação simples. Desenvolveu-se para esse propósito algum tipo de escala interna, indicadora do quanto faltava para que o estado corrente atingisse o objetivo, enquanto moléculas químicas cuja presença acelerava certas respostas foram adotadas para facilitar a correção. Nós ainda sentimos os estados do nosso organismo com base em uma escala desse tipo, algo que fazemos inconscientemente, embora as consequências da medição se tornem conscientes quando nos sentimos com fome, famélicos ou saciados.

 

O que agora percebemos como sensações de dor ou prazer, ou como punições e recompensas, corresponde diretamente a estados integrados do tecido vivo em um organismo, sucedendo-se uns aos outros na atividade natural de gerenciar a vida. O mapeamento cerebral de estados nos quais os parâmetros dos tecidos se afastam significativamente da faixa homeostática em uma direção não conducente à sobrevivência é percebido com uma qualidade que viemos a denominar dor e punição. Analogamente, quando tecidos funcionam na melhor parte da faixa homeostática, o mapeamento cerebral dos estados correspondentes é percebido com uma qualidade que viemos a denominar prazer e recompensa.

 

 

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Os agentes envolvidos na orquestração desses estados dos tecidos são conhecidos como hormônios e neuromoduladores, e já estavam muito presentes em organismos simples compostos de uma única célula. Sabemos como funcionam essas moléculas. Por exemplo, em organismos com cérebro, quando determinado tecido está arriscando sua saúde em razão de um nível perigosamente baixo de nutrientes, o cérebro detecta a mudança e gradua a necessidade e a urgência com que deve ser feita a correção. Isso ocorre de maneira não consciente, mas no cérebro com mente e consciência o estado correspondente a essas informações pode tornar-se consciente. Se isso ocorrer, o indivíduo terá uma sensação negativa que pode ir de desconforto a dor. Com ou sem consciência no processo, uma série de respostas corretivas entra em ação, em termos químicos e neurais, auxiliada por moléculas que aceleram o processo. No caso do cérebro consciente, porém, a consequência do processo molecular não é meramente uma correção do desequilíbrio: é também a redução de uma experiência negativa, como a dor, e uma experiência de prazer/recompensa. Esta última provém, em parte, do estado propício à vida que o tecido pode agora ter alcançado. Por fim, a mera ação das moléculas incentivadoras tende a levar o organismo à configuração funcional associada a estados prazerosos.

 

O surgimento de estruturas cerebrais capazes de detectar a provável ocorrência de "coisas boas" ou "ameaças" ao organismo também foi importante. Especificamente, além de sentir as coisas boas ou as ameaças em si, o cérebro começou a usar indícios para predizer as ocorrências. Sinalizava a iminência de coisas boas com a liberação de uma molécula, como dopamina ou oxitocina, ou a iminência de ameaças com hormônio liberador de cortisol ou prolactina. A liberação, por sua vez, otimizava o comportamento

 

 

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requerido para que o estímulo fosse obtido ou evitado. Analogamente, o cérebro usava moléculas para indicar uma falha (erro de predição) e comportar-se condizentemente; distinguia entre a chegada de algo esperado e a de algo inesperado graças aos graus de disparos de neurônios e a seu correspondente grau de liberação de uma molécula (por exemplo, dopamina). O cérebro também se tornou capaz de usar o padrão de estímulos - por exemplo, a repetição ou alternância de estímulos- para predizer o que poderia acontecer em seguida. Quando dois estímulos ocorriam próximos um do outro, isso sinalizava a possibilidade de que um terceiro estímulo poderia estar a caminho.

 

O que todo esse maquinário possibilitava? Primeiro, uma resposta mais ou menos urgente, dependendo das circunstâncias - em outras palavras, uma resposta diferencial. Segundo, possibilitava respostas otimizadas pela predição.

 

O plano homeostático e seus correspondentes mecanismos de incentivo e predição protegiam a integridade do tecido vivo em um organismo. Curiosamente, boa parte do mesmo maquinário foi cooptada para assegurar que o organismo adotasse comportamentos reprodutivos propiciadores da transmissão de genes. A atração e o desejo sexual e os rituais de acasalamento são exemplos. Superficialmente, os comportamentos associados à regulação da vida e à reprodução foram separados, mas o objetivo mais profundo era o mesmo; por isso, não é de surpreender que os mecanismos sejam comuns a ambos.

 À medida que organismos evoluíram, os programas que baseavam a homeostase tornaram-se mais complexos no que respeita às condições que desencadeavam sua ação e ao conjunto de resultados. Esses programas mais complexos gradualmente se tornaram o

 

 

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que conhecemos como impulsos, motivações e emoções (ver capítulo 5).

 

Em suma, a homeostase precisa da ajuda de impulsos e motivações, os quais são fornecidos abundantemente pelo cérebro complexo, ativados com a ajuda de antecipação e predição e utilizados na exploração do ambiente. Os humanos certamente possuem o mais avançado sistema motivacional, equipado com uma curiosidade infinita, um forte impulso explorador e refinados sistemas de alerta voltados para necessidades futuras, tudo isso destinado a nos manter do lado bom dos trilhos.

 

Mattanó aponta que os incentivos surgiram em organismos muito simples, mas são muito evidentes em organismos cujo cérebro é capaz de medir o grau da necessidade de determinada correção. Para que essa medição pudesse ocorrer, o cérebro precisava de uma representação de três situações: (1) o estado corrente do tecido vivo, (2) o estado desejável do tecido vivo, correspondente ao objetivo homeostático, e (3) uma comparação simples. Desenvolveu-se para esse propósito algum tipo de escala interna, indicadora do quanto faltava para que o estado corrente atingisse o objetivo, enquanto moléculas químicas cuja presença acelerava certas respostas foram adotadas para facilitar a correção. Nós ainda sentimos os estados do nosso organismo com base em uma escala desse tipo, algo que fazemos inconscientemente, embora as consequências da medição se tornem conscientes quando nos sentimos com fome, famélicos ou saciados. Funcionamos segundo um esquema funcional onde sempre há um S – R – C, estímulo – resposta – consequência, estruturando e reestruturando nosso comportamento, nossa consciência, realidade, cultura, conhecimento como meio de transformar o que sentimos, por exemplo, quando estamos com fome, famélicos ou saciados.

 

O que agora percebemos como sensações de dor ou prazer, ou como punições e recompensas, corresponde diretamente a estados integrados do tecido vivo em um organismo, sucedendo-se uns aos outros na atividade natural de gerenciar a vida. O mapeamento cerebral de estados nos quais os parâmetros dos tecidos se afastam significativamente da faixa homeostática em uma direção não conducente à sobrevivência é percebido com uma qualidade que viemos a denominar dor e punição. Analogamente, quando tecidos funcionam na melhor parte da faixa homeostática, o mapeamento cerebral dos estados correspondentes é percebido com uma qualidade que viemos a denominar prazer e recompensa. Quanto mais nos afastamos da faixa homeostática mais sentimos dor e encontramos punição e a nossa consciência, realidade, cultura e conhecimento mantêm-se centrada na dor e na punição, e quanto mais nos aproximamos da faixa homeostática mais sentimos prazer e recompensa, de modo que a nossa consciência, cultura, realidade e conhecimento sigam estas contingências, pois a faixa homeostática tem o papel de determinar o que sentimos e o que pensamos e como devemos nos comportar.

 Os agentes envolvidos na orquestração desses estados dos tecidos são conhecidos como hormônios e neuromoduladores, e já estavam muito presentes em organismos simples compostos de uma única célula. Os hormônios e os neuromoduladores determinam a faixa homeostática que determina, segundo determinadas contingências comportamentais, por exemplo, psicoterapêuticas e psicanalíticas, como devemos pensar e nos comportar, pois determinam nossa consciência.

No caso do cérebro consciente, porém, a consequência do processo molecular não é meramente uma correção do desequilíbrio: é também a redução de uma experiência negativa, como a dor, e uma experiência de prazer/recompensa. A redução da experiência negativa depende da consciência e isto pode acontecer com ajuda da psicoterapia ou da psicanálise, de modo a aumentar a experiência de prazer e recompensa.

O surgimento de estruturas cerebrais capazes de detectar a provável ocorrência de "coisas boas" ou "ameaças" ao organismo também foi importante. Especificamente, além de sentir as coisas boas ou as ameaças em si, o cérebro começou a usar indícios para predizer as ocorrências. Sinalizava a iminência de coisas boas com a liberação de uma molécula, como dopamina ou oxitocina, ou a iminência de ameaças com hormônio liberador de cortisol ou prolactina. A liberação, por sua vez, otimizava o comportamento requerido para que o estímulo fosse obtido ou evitado. Predizer eventos e comportamentos ajudou o homem a se comportar melhor no meio ambiente, pois otimizou seu comportamento e sua relação com o meio ambiente, prevendo o que poderia acontecer, mas também criou adversidades como o reforço negativo, uma armadilha comportamental que constrange o comportamento com falsas predições.

O plano homeostático e seus correspondentes mecanismos de incentivo e predição protegiam a integridade do tecido vivo em um organismo. Curiosamente, boa parte do mesmo maquinário foi cooptada para assegurar que o organismo adotasse comportamentos reprodutivos propiciadores da transmissão de genes. A atração e o desejo sexual e os rituais de acasalamento são exemplos. O homem criou ritos e mitos, cerimônias religiosas, criou festas e uma rica diversidade cultural para celebrar os mesmos temas, pois estes têm como mãe os mesmos princípios de predição, construídos em elementos fisiológicos, comportamentais e morfológicos, ou seja, adaptativos e homeostáticos, de consciência, conhecimento, cultura e realidade, amparados no mesmo tronco cerebral humano.

Em suma, a homeostase precisa da ajuda de impulsos e motivações, os quais são fornecidos abundantemente pelo cérebro complexo, ativados com a ajuda de antecipação e predição e utilizados na exploração do ambiente. Os humanos certamente possuem o mais avançado sistema motivacional, equipado com uma curiosidade infinita, um forte impulso explorador e refinados sistemas de alerta voltados para necessidades futuras, tudo isso destinado a nos manter do lado bom dos trilhos. O caminhos dos trilhos não tem fim se a humanidade permanecer a construí-los em sua jornada evolutiva, seletiva e competitiva, porém, acrescento amorosa, isto é, que não se destrói para que outra espécie tome o seu lugar, mas sim que deixe-se viver em comunhão e segurança com ela ou elas. (MATTANÓ; 17/04/2024).

 

 

 

A LIGAÇÃO ENTRE HOMEOSTASE, VALOR E CONSCIÊNCIA

 

O que passamos a designar como valioso com referência a objetos ou ações relaciona-se, direta ou indiretamente, à possibilidade de manter uma faixa homeostática no interior de organismos vivos. Além disso, sabemos que certos setores e configurações da faixa homeostática estão associados à regulação ótima da vida, enquanto outros são menos eficientes, e outros ainda estão mais próximos da zona de perigo. A zona de perigo é aquela na qual doença e morte podem sobrevir. Logicamente, os objetos e as ações que, de um modo ou de outro, acabem por induzir a regulação ótima da vida serão considerados mais valiosos.9

 

Já sabemos como os humanos diagnosticam o setor ótimo da faixa homeostática, sem necessidade de medir a química do sangue num laboratório. O diagnóstico não requer conhecimentos especializados. Necessita apenas do processo fundamental da consciência: faixas ótimas expressam-se na mente consciente como sensações

 

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agradáveis; faixas perigosas, como sensações não agradáveis ou mesmo dolorosas.

 

Alguém conseguiria imaginar algum sistema de detecção mais fácil de entender? Funcionamentos ótimos de um organismo, que resultam em estados da vida eficientes, harmoniosos, são a própria base de nossos sentimentos primordiais de bem-estar e prazer. São o alicerce do estado que, em contextos muito elaborados, chamamos de felicidade. Ao contrário, estados da vida desorganizados, ineficientes, desarmoniosos, os arautos da doença e da pane no sistema, são a base de sentimentos negativos, dos quais, como Tolstói observou tão acertadamente, existem muito mais variedades do que os do tipo positivo - uma infinidade de dores e sofrimentos, sem falar em nojo, medo, raiva, tristeza, vergonha, culpa e desprezo.

 

Como veremos, o aspecto definidor de nossos sentimentos emocionais é a apresentação na consciência de nossos estados corporais modificados por emoções; é por isso que os sentimentos podem servir de barômetro para a gestão da vida. Também é por isso que, como seria de esperar, os sentimentos, desde quando se tornaram conhecidos pelos seres humanos, influenciaram sociedades e culturas, bem como todos os seus respectivos procedimentos e artefatos. Mas muito antes do nascimento da consciência e do surgimento de sentimentos conscientes, de fato mesmo antes do surgimento de mentes propriamente ditas, a configuração de parâmetros químicos já influenciava o comportamento individual em seres simples desprovidos de um cérebro que representasse esses parâmetros. Isso faz sentido: organismos sem mente precisavam depender de parâmetros químicos a fim de guiar as ações necessárias para manter a vida. Essa orientação "cega" abrangia comportamentos consideravelmente elaborados. O crescimento de diferentes tipos de bactéria em

 

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uma colônia é guiado por parâmetros desse tipo e pode, inclusive, ser descrito em termos sociais: colônias de bactérias rotineiramente aplicam um "sensor de quorum" [quorum sensing] em seu grupo e entram em guerra, na acepção estrita do termo, a fim de manter território e recursos. Fazem isso até mesmo dentro de nosso corpo, quando lutam por privilégios territoriais em nossa garganta ou intestino. Mas, assim que sistemas nervosos muito simples entraram em cena, tais comportamentos sociais ficaram ainda mais evidentes. Veja, por exemplo, o nematódeo, um nome polido para um tipo de verme cientificamente cativante, cujos comportamentos sociais são bastante complexos.

 

O cérebro de um nematódeo, como o C. elegans, possui apenas 302 neurônios, organizados em uma cadeia de gânglios - nada para se jactar. Como qualquer outro ser vivo, os nematódeos precisam alimentar-se para sobreviver. Dependendo da escassez ou abundância de alimento e das ameaças do ambiente, eles podem ser mais ou menos gregários na hora de, digamos assim, sentar-se à mesa. Comem sozinhos se houver alimento disponível e o ambiente for tranquilo; mas se a comida for escassa ou se detectarem alguma ameaça no ambiente (por exemplo, certo tipo de odor), vão em grupo. Nem é preciso mencionar que eles não sabem realmente o que estão fazendo, muito menos por quê. Mas fazem o que fazem porque seus cérebros extraordinariamente simples, desprovidos de mente digna desse nome e com ainda menos consciência propriamente dita, usam sinais do ambiente para que os nematódeos adotem um ou outro tipo de comportamento.

 

Agora imaginemos que eu houvesse descrito a situação do C. elegans em termos abstratos, delineando as condições e os comportamentos mas omitindo o fato de que eles são vermes. E que eu

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pedisse ao leitor para pensar como um sociólogo e comentar a situação. Desconfio que você detectaria evidências de cooperação entre os indivíduos, e talvez até diagnosticasse preocupações altruísticas. Talvez pensasse mesmo que eu estava falando de seres complexos, quem sabe humanos primitivos. A primeira vez que li a descrição de Cornelia Bargmann sobre essas descobertas, veio-me a ideia de sindicatos e da segurança nos números.10 E no entanto o C. elegans é apenas um verme.

 

Outra implicação do fato de que os estados homeostáticos ideais são o que um organismo tem de mais valioso é que a fundamental vantagem da consciência, em qualquer nível do fenômeno, deriva da melhora da regulação da vida em ambientes cada vez mais com-plexos.11

 

A sobrevivência em novos nichos ecológicos foi ajudada por cérebros complexos o suficiente para criar mentes, um avanço que, como explico na parte II, baseia-se na construção de mapas neurais e imagens. Assim que mentes surgiram, mesmo que ainda não estivessem dotadas de uma consciência plena, a regulação automatizada da vida foi otimizada. Cérebros que produziam imagens tinham à disposição mais detalhes das condições dentro e fora dos organismos e, assim, podiam gerar respostas mais diferenciadas e eficazes do que as geradas por cérebros sem mente. No entanto, quando as mentes de espécies não humanas puderam tornar-se conscientes, a regulação automatizada ganhou uma poderosa aliada, um meio de focalizar os esforços pela sobrevivência no self incipiente que passou a representar o organismo empenhado em sobreviver. Nos humanos, obviamente, à medida que a consciência coevoluiu com a memória e a razão, permitindo assim o planejamento e o pensamento deliberativo off-line, essa aliada tornou-se ainda mais poderosa.

 

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Espantosamente, a regulação da vida concentrada no self sempre coexiste com o maquinário da regulação automatizada que toda criatura consciente herdou de seu passado evolucionário. Isso se aplica perfeitamente aos humanos. A maior parte de nossa atividade regulatória ocorre inconscientemente, o que é muito bom. Você não iria querer administrar seu sistema endócrino ou sua imunidade conscientemente, pois não teria como controlar oscilações caóticas com suficiente rapidez. Na melhor das hipóteses, isso equivaleria a pilotar manualmente um avião a jato moderno -uma tarefa nada trivial, que requer o domínio de todas as contingências e de todas as manobras necessárias para prevenir uma perda de altura. Na pior das hipóteses, seria como investir os fundos da Previdência Social na Bolsa de Valores. Não seria conveniente nem mesmo ter o controle absoluto de algo tão simples quanto a respiração - alguém poderia resolver atravessar o canal da Mancha submerso e em apneia, correndo o risco de morrer no processo. Felizmente, nossos mecanismos homeostáticos automáticos nunca permitiriam tamanha loucura.

 

A consciência aumentou a adaptabilidade e permitiu a seus beneficiários criar soluções novas para os problemas da vida e da sobrevivência em praticamente qualquer ambiente concebível, em qualquer parte do planeta, em grandes alturas, no espaço sideral, debaixo d'água, em desertos e montanhas. Evoluímos para nos adaptar a um grande número de nichos e somos capazes de aprender a nos adaptar a um número ainda maior. Não ganhamos asas ou guelras, mas inventamos máquinas que têm asas ou que podem nos impulsionar até a estratosfera, que navegam pelo oceano ou viajam por 20 mil léguas submarinas. Inventamos as condições materiais para viver onde bem entendermos. A ameba não é capaz disso; tampouco o verme, o peixe, a rã, o pássaro, o esquilo, o gato, o cão, e nem

 

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mesmo nosso espertíssimo primo chimpanzé.

 

Quando o cérebro humano começou a engendrar a mente consciente, o jogo sofreu uma mudança radical. Passamos da simples regulação, voltada para a sobrevivência do organismo, a uma regulação progressivamente mais deliberada, baseada em uma mente dotada de identidade e pessoalidade e agora empenhada ativamente não apenas na mera sobrevivência, mas também na busca de certas faixas de bem-estar. Um salto e tanto, ainda que armado, até onde sabemos, sobre continuidades biológicas.

 

Se o cérebro prevaleceu na evolução porque oferecia um maior âmbito para a regulação da vida, o sistema cerebral que levou à mente consciente prevaleceu porque oferecia as mais amplas possibilidades de adaptação e sobrevivência com o tipo de regulação capaz de manter e expandir o bem-estar.

 

Em resumo, os organismos unicelulares dotados de núcleo mais elaborado maquinário gestor já montado pela evolução, e também a causa fundamental de tudo que decorreu do desenvolvimento de cérebros cada vez mais elaborados, no interior de corpos progressivamente mais complexos, vivendo em ambientes cada vez mais intricados.

 

Quando examinamos a maioria dos aspectos da função cerebral através do filtro dessa ideia, isto é, de que o cérebro existe para gerir a vida dentro do corpo, as singularidades e os mistérios de algumas das categorias tradicionais da psicologia, emoção, percepção, memória, linguagem, inteligência e consciência tornam-se menos singulares e muito menos misteriosos. De fato, adquirem uma racionalidade transparente, uma lógica inevitável e cativante. Como poderíamos ser diferentes, parecem perguntar essas funções, diante do trabalho que precisa ser feito.

 

Mattanó aponta que o que passamos a designar como valioso com referência a objetos ou ações relaciona-se, direta ou indiretamente, à possibilidade de manter uma faixa homeostática no interior de organismos vivos. Além disso, sabemos que certos setores e configurações da faixa homeostática estão associados à regulação ótima da vida, enquanto outros são menos eficientes, e outros ainda estão mais próximos da zona de perigo. A zona de perigo é aquela na qual doença e morte podem sobrevir. Logicamente, os objetos e as ações que, de um modo ou de outro, acabem por induzir a regulação ótima da vida serão considerados mais valiosos. Objetos mais valiosos ou menos valiosos tem sua própria funcionalidade e adquirem relações com o inconsciente  através da linguagem que é a responsável pela estruturação do inconsciente humano, selecionando, por exemplo, o que é mais valioso ou menos valioso para determinado indivíduo.

O diagnóstico não requer conhecimentos especializados. Necessita apenas do processo fundamental da consciência: faixas ótimas expressam-se na mente consciente como sensações agradáveis; faixas perigosas, como sensações não agradáveis ou mesmo dolorosas. O que nos desperta prazer temos sensações agradáveis e o que nos desperta sofrimento ou dor temos sensações não agradáveis e dolorosas, segundo uma funcionalidade, do tipo S – R – C, estímulo – resposta - consequência.

O aspecto definidor de nossos sentimentos emocionais é a apresentação na consciência de nossos estados corporais modificados por emoções; é por isso que os sentimentos podem servir de barômetro para a gestão da vida. Também é por isso que, como seria de esperar, os sentimentos, desde quando se tornaram conhecidos pelos seres humanos, influenciaram sociedades e culturas, bem como todos os seus respectivos procedimentos e artefatos. Mas muito antes do nascimento da consciência e do surgimento de sentimentos conscientes, de fato mesmo antes do surgimento de mentes propriamente ditas, a configuração de parâmetros químicos já influenciava o comportamento individual em seres simples desprovidos de um cérebro que representasse esses parâmetros. Isso faz sentido: organismos sem mente precisavam depender de parâmetros químicos a fim de guiar as ações necessárias para manter a vida. Essa orientação "cega" abrangia comportamentos consideravelmente elaborados. O crescimento de diferentes tipos de bactéria em uma colônia é guiado por parâmetros desse tipo e pode, inclusive, ser descrito em termos sociais: colônias de bactérias rotineiramente aplicam um "sensor de quorum" [quorum sensing] em seu grupo e entram em guerra, na acepção estrita do termo, a fim de manter território e recursos. Fazem isso até mesmo dentro de nosso corpo, quando lutam por privilégios territoriais em nossa garganta ou intestino. Mas, assim que sistemas nervosos muito simples entraram em cena, tais comportamentos sociais ficaram ainda mais evidentes. Veja, por exemplo, o nematódeo, um nome polido para um tipo de verme cientificamente cativante, cujos comportamentos sociais são bastante complexos.

O cérebro de um nematódeo, como o C. elegans, possui apenas 302 neurônios, organizados em uma cadeia de gânglios - nada para se jactar. Como qualquer outro ser vivo, os nematódeos precisam alimentar-se para sobreviver. Dependendo da escassez ou abundância de alimento e das ameaças do ambiente, eles podem ser mais ou menos gregários na hora de, digamos assim, sentar-se à mesa. Comem sozinhos se houver alimento disponível e o ambiente for tranquilo; mas se a comida for escassa ou se detectarem alguma ameaça no ambiente (por exemplo, certo tipo de odor), vão em grupo. Nem é preciso mencionar que eles não sabem realmente o que estão fazendo, muito menos por quê. Mas fazem o que fazem porque seus cérebros extraordinariamente simples, desprovidos de mente digna desse nome e com ainda menos consciência propriamente dita, usam sinais do ambiente para que os nematódeos adotem um ou outro tipo de comportamento. Cérebros simples geram respostas simples e cérebros complexos geram respostas complexas, cérebros paranormais geram respostas paranormais e cérebros doentes geram respostas doentes.

Outra implicação do fato de que os estados homeostáticos ideais são o que um organismo tem de mais valioso é que a fundamental vantagem da consciência, em qualquer nível do fenômeno, deriva da melhora da regulação da vida em ambientes cada vez mais complexos. Ambientes cada vez mais complexos dependem de uma história de interação e criação, transformação do meio ambiente pela consciência e da consciência pelo meio ambiente, geralmente do meio ambiente pelo homem e do homem pelo meio ambiente, que assim vai complexificando cada vez mais sua consciência, regulação da vida e meio ambiente.

A sobrevivência em novos nichos ecológicos foi ajudada por cérebros complexos o suficiente para criar mentes, um avanço que, como explico na parte II, baseia-se na construção de mapas neurais e imagens. Assim que mentes surgiram, mesmo que ainda não estivessem dotadas de uma consciência plena, a regulação automatizada da vida foi otimizada. Cérebros que produziam imagens tinham à disposição mais detalhes das condições dentro e fora dos organismos e, assim, podiam gerar respostas mais diferenciadas e eficazes do que as geradas por cérebros sem mente. No entanto, quando as mentes de espécies não humanas puderam tornar-se conscientes, a regulação automatizada ganhou uma poderosa aliada, um meio de focalizar os esforços pela sobrevivência no self incipiente que passou a representar o organismo empenhado em sobreviver. Nos humanos, obviamente, à medida que a consciência coevoluiu com a memória e a razão, permitindo assim o planejamento e o pensamento deliberativo off-line, essa aliada tornou-se ainda mais poderosa. A mente consciente e a regulação automatizada foram se aperfeiçoando a ponto de se complexificarem no Homo Sapiens e oferecerem grandes vantagens psicológicas e comportamentais para ele em relação aos demais seres vivos, levando-o a se expandir e dominar o planeta Terra e a criar tecnologias e instrumentos que lhe ampliassem a capacidade de exploração, conquista e domínio territorial e populacional.

A regulação da vida concentrada no self sempre coexiste com o maquinário da regulação automatizada que toda criatura consciente herdou de seu passado evolucionário. Isso se aplica perfeitamente aos humanos. A maior parte de nossa atividade regulatória ocorre inconscientemente, o que é muito bom. Você não iria querer administrar seu sistema endócrino ou sua imunidade conscientemente, pois não teria como controlar oscilações caóticas com suficiente rapidez. A atividade inconsciente funciona como uma luz de holofote que ilumina uma área e a sugere para sua mente consciente gerando significados e sentidos que até então estavam ocultos, escondidos sob o véu do inconsciente.

A consciência aumentou a adaptabilidade e permitiu a seus beneficiários criar soluções novas para os problemas da vida e da sobrevivência em praticamente qualquer ambiente concebível, em qualquer parte do planeta, em grandes alturas, no espaço sideral, debaixo d'água, em desertos e montanhas. Evoluímos para nos adaptar a um grande número de nichos e somos capazes de aprender a nos adaptar a um número ainda maior. Não ganhamos asas ou guelras, mas inventamos máquinas que têm asas ou que podem nos impulsionar até a estratosfera, que navegam pelo oceano ou viajam por 20 mil léguas submarinas. Inventamos as condições materiais para viver onde bem entendermos. A ameba não é capaz disso; tampouco o verme, o peixe, a rã, o pássaro, o esquilo, o gato, o cão, e nem mesmo nosso espertíssimo primo chimpanzé. Isto pois, estes seres vivos não dispõem da complexidade cerebral que nós, Homo Sapiens dispomos, que por sua vez, cria e desenvolve respostas e consequências complexas que se aperfeiçoam globalmente, graças as tecnologias da informação, do comércio e do transporte.

Se o cérebro prevaleceu na evolução porque oferecia um maior âmbito para a regulação da vida, o sistema cerebral que levou à mente consciente prevaleceu porque oferecia as mais amplas possibilidades de adaptação e sobrevivência com o tipo de regulação capaz de manter e expandir o bem-estar. O bem-estar é justamente a chave da evolução, da seleção e da competição entre indivíduos e espécies.

Em resumo, os organismos unicelulares dotados de núcleo mais elaborado maquinário gestor já montado pela evolução, e também a causa fundamental de tudo que decorreu do desenvolvimento de cérebros cada vez mais elaborados, no interior de corpos progressivamente mais complexos, vivendo em ambientes cada vez mais intricados. O meio ambiente moldou o cérebro e a consciência, o ser vivo e o Homo Sapiens, e o cérebro, a consciência, o ser vivo e o Homo Sapiens moldaram o meio ambiente complexificando um ao outro durante a evolução, seleção e competição.

Quando examinamos a maioria dos aspectos da função cerebral através do filtro dessa ideia, isto é, de que o cérebro existe para gerir a vida dentro do corpo, as singularidades e os mistérios de algumas das categorias tradicionais da psicologia, emoção, percepção, memória, linguagem, inteligência e consciência tornam-se menos singulares e muito menos misteriosos. De fato, adquirem uma racionalidade transparente, uma lógica inevitável e cativante. Como poderíamos ser diferentes, parecem perguntar essas funções, diante do trabalho que precisa ser feito. Como poderíamos ser diferentes se Deus que é o Criador, que é o universo e o mundo em interação e em transformação, onde pedras do espaço formaram o  nosso planeta e depois a vida neste planeta, comprovando que a vida vem do universo, vem do espaço, que a vida é alienígena ou que a vida é animal, que somos todos iguais, mas apenas com cérebros, mentes, consciência, cultura, conhecimento e realidade diferentes. (MATTANÓ; 30/04/2024).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

PARTE II

 

 

 

O QUE HÁ NO CÉREBRO CAPAZ DE CRIAR A MENTE?

 

 

  1. A geração de mapas e imagens

 

MAPAS E IMAGENS

 

Embora a gestão da vida seja inquestionavelmente a função fundamental do cérebro humano, não é sua característica mais distintiva. Como vimos, a vida pode ser administrada até sem um sistema nervoso, quanto mais sem um cérebro plenamente desenvolvido. Humildes organismos unicelulares conseguem dar conta do serviço da casa.

 

A característica distintiva de um cérebro como o nosso é sua impressionante habilidade para criar mapas. O mapeamento é essencial para uma gestão complexa. Mapear e gerir a vida andam de mãos dadas. Quando o cérebro produz mapas, informa a si mesmo. As informações contidas nos mapas podem ser usadas de modo não consciente para guiar com eficácia o comportamento motor, uma consequência muito conveniente, uma vez que a sobrevivência depende de executar a ação certa. Mas, quando o cérebro cria mapas, também está criando imagens, o principal meio circulante da mente. E por fim a consciência nos permite experienciar os mapas como imagens, manipular essas imagens e aplicar sobre elas o raciocínio.

 

Mapas são construídos de fora para dentro do cérebro quando interagimos com objetos, por exemplo uma pessoa, uma máquina, um lugar. Quero frisar aqui a ideia da interação. Ela nos lembra que a produção de mapas, que como dito acima é essencial para melhorar as ações, com frequência ocorre em um contexto em que já existe ação. Ação e mapas, movimentos e mente são parte de um ciclo sem fim, uma ideia sugestivamente captada por Rodolfo Llinás quando atribuiu o nascimento da mente ao controle cerebral do movimento

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organizado.1

Mapas também são construídos quando evocamos objetos que estão nos bancos de memória dentro do cérebro. A construção de mapas não cessa nem mesmo durante o sono, como demonstram os sonhos. O cérebro humano mapeia qualquer objeto que esteja fora dele, qualquer ação que ocorra fora dele e todas as relações que os objetos e as ações assumem no tempo e no espaço, relativamente uns aos outros e também em relação à nave-mãe que chamamos de organismo, o proprietário exclusivo de nosso corpo, cérebro e mente. O cérebro humano é um cartógrafo nato, e a cartografia começou com o mapeamento do corpo que contém o cérebro.

 

O cérebro humano é um imitador inveterado. Tudo o que está fora do cérebro - o corpo propriamente dito, desde a pele até as vísceras obviamente, e mais o mundo circundante, homens, mulheres, crianças, cães e gatos, lugares, tempo quente e frio, texturas lisas e ásperas, sons altos e baixos, mel doce e peixe salgado -, tudo é imitado nas redes cerebrais. Em outras palavras, o cérebro tem a capacidade de representar aspectos da estrutura de coisas e eventos não pertencentes ao cérebro, o que inclui as ações executadas por nosso organismo e seus componentes, como os membros, partes do aparelho fonador etc. Como exatamente ocorre esse mapeamento é difícil de explicar. Não se trata de mera cópia, de uma transferência passiva do que está fora do cérebro para seu interior. A montagem conjurada pelos sentidos envolve uma contribuição ativa vinda de dentro do cérebro, disponível desde cedo no desenvolvimento, e a ideia de que o cérebro é uma tábula rasa já perdeu credibilidade há um bom tempo.2 A montagem frequentemente ocorre no contexto do movimento, como já mencionamos.

 

Uma breve nota sobre terminologia: já fui muito rigoroso no uso85/443

 

do termo "imagem" apenas como sinônimo de padrão mental ou imagem mental, e do termo "padrão neural" ou "mapa" como referência a um padrão de atividade no cérebro, e não na mente. Minha intenção era reconhecer que a mente, que a meu ver herda a atividade do tecido cerebral, merece suas próprias designações devido à natureza privada de sua experiência e ao fato de essa experiência privada ser justamente o fenômeno que queremos explicar; quanto a descrever fenômenos neurais com seu próprio vocabulário, isso era parte do esforço para entender o papel desses fenômenos no processo mental. Mantendo níveis de designação separados, eu não estava, de modo algum, sugerindo que existem substâncias separadas, uma mental e a outra biológica. Não sou um dualista no que diz respeito à substância, como Descartes foi, ou tentou nos levar a crer que era, quando disse que o corpo tinha extensão física mas a mente não, pois eram feitos de substâncias distintas. Eu apenas me permitia pensar em um dualismo de aspectos, e examinava o modo como as coisas nos eram mostradas em sua superfície experiencial. Mas, naturalmente, o mesmo fez meu amigo Espinosa, o porta-estandarte do monismo, o oposto do dualismo.

 

Contudo, por que complicar as coisas, para mim e para o leitor, usando termos separados para referir-me a duas coisas que acredito serem equivalentes? Em todo este livro, uso os termos "imagem'', "mapa" e "padrão neural" quase como permutáveis. Ocasionalmente também deixo um tanto enevoada a distinção entre mente e cérebro, de propósito, para salientar o fato de que a distinção, embora válida, pode bloquear a visão daquilo que estamos tentando explicar.

 

Mattanó aponta que embora a gestão da vida seja inquestionavelmente a função fundamental do cérebro humano, não é sua característica mais distintiva. Como vimos, a vida pode ser administrada até sem um sistema nervoso, quanto mais sem um cérebro plenamente desenvolvido, pois a vida depende de quatro elementos químicos C (carbono), H (hidrogênio), O (oxigênio) e N (nitrogênio).

A característica distintiva de um cérebro como o nosso é sua impressionante habilidade para criar mapas. O mapeamento é essencial para uma gestão complexa. Mapear e gerir a vida andam de mãos dadas. Quando o cérebro produz mapas, informa a si mesmo. As informações contidas nos mapas podem ser usadas de modo não consciente para guiar com eficácia o comportamento motor, uma consequência muito conveniente, uma vez que a sobrevivência depende de executar a ação certa. Mas, quando o cérebro cria mapas, também está criando imagens, o principal meio circulante da mente. E por fim a consciência nos permite experienciar os mapas como imagens, manipular essas imagens e aplicar sobre elas o raciocínio. Contudo podemos ir além, podemos avançar para o comportamento paranormal e para a comunicação telepática, para a produção de holografias oculares, de raios oculares, de curas instantâneas, de observação movimentando o espaço e o tempo por meio de espelhos, de composição musical instantânea, de produção literária instantânea, de aumento da capacidade física, orgânica, respiratória, óssea, cutânea, cerebral, lúdica, operante, auditiva, vocal, visual, digestiva e esofágica, cognitiva e intelectual, de resistência a dor e a loucura, a lavagem cerebral e a tortura, a despersonalização, a extorsão, a vingança e ao estupro virtual, e a violência, ampliando seu comportamento doméstico com um significado e sentido cada vez mais humano e civilizado, amoroso, paciente e compreensivo, solidário, de quem tem mais do que precisa para se satisfazer egoistamente e a partir daí procura ajudar ao próximo, sobretudo por que compreende a realidade de cada um através da vida doméstica, familiar, social, profissional e religiosa.

Mapas são construídos de fora para dentro do cérebro quando interagimos com objetos, por exemplo uma pessoa, uma máquina, um lugar. A produção de mapas, que como dito acima é essencial para melhorar as ações, com frequência ocorre em um contexto em que já existe ação. Os mapas traduzem a realidade, a consciência, o conhecimento e a cultura de cada indivíduo, seu tronco cerebral funcionando para melhorar seu comportamento, segundo uma funcionalidade do tipo S – R – C, estímulo – resposta – consequência que vai dotando o indivíduo de experiência.

O cérebro humano é um imitador inveterado. Tudo o que está fora do cérebro - o corpo propriamente dito, desde a pele até as vísceras obviamente, e mais o mundo circundante, homens, mulheres, crianças, cães e gatos, lugares, tempo quente e frio, texturas lisas e ásperas, sons altos e baixos, mel doce e peixe salgado -, tudo é imitado nas redes cerebrais. Em outras palavras, o cérebro tem a capacidade de representar aspectos da estrutura de coisas e eventos não pertencentes ao cérebro, o que inclui as ações executadas por nosso organismo e seus componentes, como os membros, partes do aparelho fonador etc.. O cérebro imita, controla, discrimina e é atento a estimulação ambiental interna e externa ambiental, inclusive às estruturas dos outros seres vivos que ele é capaz de imitar e reproduzir para si mesmo mentalmente e até em forma de comportamento quando o indivíduo consegue reproduzi-lo com perfeição.

 O termo "imagem" apenas como sinônimo de padrão mental ou imagem mental, e do termo "padrão neural" ou "mapa" como referência a um padrão de atividade no cérebro, e não na mente. Minha intenção era reconhecer que a mente, que a meu ver herda a atividade do tecido cerebral, merece suas próprias designações devido à natureza privada de sua experiência e ao fato de essa experiência privada ser justamente o fenômeno que queremos explicar; quanto a descrever fenômenos neurais com seu próprio vocabulário, isso era parte do esforço para entender o papel desses fenômenos no processo mental. Mantendo níveis de designação separados, eu não estava, de modo algum, sugerindo que existem substâncias separadas, uma mental e a outra biológica. Em todo este livro, uso os termos "imagem'', "mapa" e "padrão neural" quase como permutáveis. Ocasionalmente também deixo um tanto enevoada a distinção entre mente e cérebro, de propósito, para salientar o fato de que a distinção, embora válida, pode bloquear a visão daquilo que estamos tentando explicar. Ou seja, podemos ter uma mente e um cérebro, e podemos ter um cérebro sem uma mente quando tem um óbito, assim a mente depende do cérebro, e o cérebro não depende da mente para existir morfologicamente, fisiologicamente e comportamentalmente, como vemos nos casos de morte cerebral. (MATTANÓ; 13/05/2024).

 

 

 

 

CORTES ABAIXO DA SUPERFÍCIE

 

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Imagine que você está segurando um cérebro na mão e olhando para a superfície do córtex cerebral. Agora imagine que, com uma faca afiada, você faz cortes paralelos à superfície, a dois ou três milímetros de profundidade, e extrai uma fina fatia de cérebro. Depois de fixar e colorir os neurônios com uma substância química apropriada, você pode pôr seu preparado em uma lâmina de vidro e examiná-lo ao microscópio. Descobrirá, em cada camada cortical que examinar, uma estrutura de contorno em forma de bainha, lembrando basicamente uma rede bidimensional. Os principais elementos dessa rede são neurônios, vistos horizontalmente. Você pode imaginar algo como a planta de Manhattan, só que sem a Broadway, pois não há linhas oblíquas no reticulado cortical. Essa disposição, você logo percebe, é ideal para representações topográficas explícitas de objetos e ações.

 

Olhando um retalho de córtex cerebral, é fácil ver por que ali nascem os mais detalhados mapas que o cérebro produz, embora outras partes do cérebro também sejam capazes de criá-los, ainda que com resolução mais baixa. Uma das camadas corticais, a quarta, provavelmente é responsável por grande parte dos mapas detalhados. Examinando um retalho de córtex cerebral também podemos perceber por que a ideia de mapas no cérebro não é uma metáfora despropositada. Podemos esboçar padrões nessa grade, e, quando olhamos bem de perto e soltamos as rédeas da imaginação, dá para imaginar o tipo de pergaminho que o infante d. Henrique, o Navegador, provavelmente estudava quando planejava as viagens de seus capitães. Uma grande diferença, obviamente, é que as linhas em um mapa cerebral não são traçadas com uma pena ou um lápis; são resultado da atividade momentânea de alguns neurônios e da inatividade de outros. Quando certos neurônios estão ativos, em determinada

 

 

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distribuição espacial, é "traçada" uma linha, reta ou curva, grossa ou fina, e esse padrão se distingue do fundo, formado pelos neurônios que estão inativos. Outra grande diferença: a principal camada horizontal geradora de mapas encontra-se no meio de outras camadas, acima e abaixo dela; cada elemento importante dessa camada também é parte de um conjunto vertical de elementos, ou seja, de uma coluna. Cada coluna contém centenas de neurônios. As colunas fornecem inputs ao córtex cerebral (informações provenientes de outras partes do cérebro, das sondas sensitivas periféricas, como os olhos, e do corpo). As colunas também fornecem outputs, que seguem em direção a essas mesmas fontes e se encarregam das diversas integrações e modulações dos sinais que estão sendo processados em cada localidade.

 

Os mapas cerebrais não são estáticos como os da cartografia clássica. São instáveis, mudam a todo momento para refletir as mudanças que estão ocorrendo nos neurônios que lhes fornecem informações, os quais, por sua vez, refletem mudanças no interior de nosso corpo e no mundo à nossa volta. As mudanças nos mapas cerebrais também refletem o fato de que nós mesmos estamos constantemente em movimento. Vamos para perto de objetos, nos afastamos deles, podemos tocá-los, não podemos mais, podemos provar um vinho, depois o gosto desaparece, ouvimos uma música, logo ela termina; nosso corpo muda conforme as diferentes emoções, e diferentes sentimentos sobrevêm. Todo o ambiente oferecido ao cérebro é perpetuamente modificado, de modo espontâneo ou sob o controle de nossas atividades. Os respectivos mapas cerebrais sofrem mudanças correspondentes.

 

Temos hoje uma boa analogia com o que se passa em nosso cérebro quando ele trabalha com mapas visuais: o tipo de imagens

 

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mostradas em outdoors eletrônicos, cujo padrão é desenhado por elementos luminosos que são ativados ou desativados (lâmpadas ou diodos emissores de luz). Essa analogia com os mapas eletrônicos é ainda mais apropriada porque o conteúdo neles retratado pode mudar com muita rapidez, modificando-se a distribuição dos elementos ativos e inativos. Cada distribuição de atividade constitui um padrão no tempo. Diferentes distribuições de atividade em um mesmo trecho de córtex visual podem retratar uma cruz, um quadrado, um rosto, em sucessão ou até sobrepostos. Os mapas podem ser desenhados, redesenhados e sobrescritos com a velocidade da luz.

 

Esse mesmo tipo de "desenho" ocorre em um complexo posto avançado do cérebro chamado retina. Ela também possui um reticulado pronto para a inscrição de mapas. Quando as partículas de luz conhecidas como fótons atingem a retina na distribuição específica que corresponde a determinado padrão, os neurônios ativados por esse padrão - um círculo ou uma cruz, por exemplo formam um mapa neural transitório. Mapas adicionais, baseados no mapa retiniano original, serão formados em níveis subsequentes do sistema nervoso. Isso ocorre porque a atividade em cada ponto do mapa retiniano é sinalizada ao longo de uma cadeia, culminando nos córtices visuais primários, e pelo caminho vai preservando as relações geométricas encontradas na retina, uma propriedade conhecida como retinotopia.

 

Embora os córtices cerebrais destaquem-se na criação de mapas, algumas estruturas abaixo do córtex também são capazes de produzir mapas pouco refinados. Como exemplo temos os corpos geniculados, os colículos, o núcleo do trato solitário e o núcleo parabraquial. Os corpos geniculados são dedicados, respectivamente, aos processos visuais e auditivos. Também possuem uma estrutura em camadas

 

 

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ideal para representações topográficas. O calículo superior é um importante fornecedor de mapas visuais e tem, inclusive, a capacidade de relacionar esses mapas visuais a mapas auditivos e a mapas baseados no corpo. O calículo inferior é dedicado ao processamento auditivo. A atividade dos colículos superiores pode ser precursora dos processos da mente e do self que mais tarde florescem nos córtices cerebrais. Quanto ao núcleo do trato solitário e ao núcleo parabraquial, eles são os primeiros fornecedores de mapas do corpo inteiro ao sistema nervoso central. A atividade nesses mapas, como veremos, corresponde aos sentimentos primordiais.

 

O mapeamento aplica-se não só a padrões visuais, mas a todo tipo de padrão sensorial construído no cérebro. Por exemplo, o mapeamento de sons começa na orelha, em uma estrutura equivalente à retina: a cóclea, localizada na orelha interna, uma de cada lado. A côdea recebe os estímulos mecânicos resultantes da vibração da membrana timpânica e de um pequeno grupo de ossos situados abaixo dela. Na cóclea, as células ciliadas são o equivalente dos neurônios retinianos. No ápice de uma célula ciliada, um minúsculo tubo (o feixe piloso) move-se sob a influência da energia sonora e provoca uma corrente elétrica, captada pelo terminal axonal de um neurônio situado no gânglio coclear. Esse neurônio envia mensagens ao cérebro por seis estações separadas dispostas em cadeia: o núcleo coclear, o núcleo olivar superior, o núcleo do lemnisco lateral, o calículo inferior, o núcleo geniculado medial e enfim o córtex auditivo primário. Hierarquicamente, este último compara-se ao córtex visual primário. O córtex auditivo é o início de outra cadeia de sinalização no próprio córtex.

 

Os primeiros mapas auditivos são formados na côdea, assim como os primeiros mapas visuais formam-se na retina. Como são

 

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produzidos os mapas sonoros? A côdea é uma rampa espiralada com um formato geral cônico. Lembra a concha do caracol, como sugere a raiz latina cochlea. Quem já esteve no Museu Guggenheim em Nova York pode facilmente ter uma ideia do que se passa no interior da côdea. Basta imaginar que os círculos se tornam mais estreitos à medida que subimos e que a forma geral do prédio é um cone com a ponta para cima. A rampa por onde andamos enrola-se em torno do eixo vertical do cone, como a da côdea. Dentro da rampa espiralada, as células ciliadas localizam-se em uma ordem primorosa, determinada pelas frequências sonoras às quais são capazes de responder. As células ciliadas que respondem às frequências mais altas estão na base da côdea, o que significa que à medida que subimos a rampa as outras frequências seguem-se em ordem descendente até o ápice da côdea, que é onde as células ciliadas respondem às frequências mais baixas. Tudo começa nos sopranos e termina nos baixos profundos. O resultado é um mapa espacial de tons possíveis, ordenados por frequência: um mapa tonotópico. Notavelmente, uma versão desse mapa sonoro repete-se em cada uma das cinco estações subsequentes do sistema auditivo no caminho para o córtex auditivo, onde o mapa

 

  • por fim disposto em uma bainha. Ouvimos uma orquestra tocar ou a voz de um cantor quando neurônios ao longo da cadeia auditiva se tornam ativos e quando a disposição cortical final distribui espacialmente todas as ricas subestruturas sonoras que chegam a nossos ouvidos.

 

O esquema do mapeamento aplica-se amplamente a padrões correspondentes à estrutura do corpo, por exemplo, um membro e seus movimentos ou uma ruptura da pele causada por queimadura, ou aos padrões resultantes de sentir as chaves do carro nas mãos, tateando sua forma e a textura lisa de sua superfície.

 

 

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A fidelidade da correspondência entre os padrões mapeados no cérebro e os objetos reais que os baseiam foi demonstrada em vários estudos. Por exemplo, no córtex visual de um macaco, é possível constatar uma forte correlação entre a estrutura de um estímulo visual (digamos, um círculo ou uma cruz) e o padrão de atividade que ele evoca. Esse fato foi demonstrado pela primeira vez por Roger Tootell em tecido cerebral extraído de macacos. No entanto, em nenhuma circunstância podemos "observar" a experiência visual do macaco, as imagens que ele próprio vê. As imagens, sejam visuais, auditivas ou de qualquer outra variedade, são disponíveis diretamente, mas apenas para o possuidor da mente na qual elas ocorrem. Elas são privadas e inobserváveis por terceiros. Tudo que os outros podem fazer é supor.

 

Estudos de neuroimagem do cérebro humano também estão começando a revelar essas correlações. Usando a análise multivariada de padrões, vários grupos de pesquisa, entre eles o nosso, conseguiram mostrar que certos padrões de atividade em córtices sensoriais humanos correspondem distintivamente a determinada classe de objetos.3

 

Mattanó aponta que os mapas cerebrais não são estáticos como os da cartografia clássica. São instáveis, mudam a todo momento para refletir as mudanças que estão ocorrendo nos neurônios que lhes fornecem informações, os quais, por sua vez, refletem mudanças no interior de nosso corpo e no mundo à nossa volta. As mudanças nos mapas cerebrais também refletem o fato de que nós mesmos estamos constantemente em movimento. Vamos para perto de objetos, nos afastamos deles, podemos tocá-los, não podemos mais, podemos provar um vinho, depois o gosto desaparece, ouvimos uma música, logo ela termina; nosso corpo muda conforme as diferentes emoções, e diferentes sentimentos sobrevêm. Todo o ambiente oferecido ao cérebro é perpetuamente modificado, de modo espontâneo ou sob o controle de nossas atividades. Os respectivos mapas cerebrais sofrem mudanças correspondentes. Os mapas cerebrais variam conforme o S (estímulo), produzindo R (resposta) e C  consequências que denominamos de funcionalidade comportamental, mas também atuam na formação do inconsciente, na medida em que a sua funcionalidade opera transformações na mente e no comportamento do mesmo organismo, transformações estas que variam conforme o S (estímulo) que por sua vez tem a propriedade de determinar a R (resposta) através das C (consequências), governando e modelando o seu comportamento, inclusive seu mapa cerebral. É pois, através do inconsciente que o S (estímulo) se transforma em objeto do recalque e determina a R (resposta) através das C (consequências), da mesma forma, é através dos arquétipos que o S (estímulo) se transforma em objeto do inconsciente coletivo ou da civilização através dos genes ou da herança genética, que se transforma em R (resposta) através das C (consequências). Podemos dizer, ainda que é através da transcendência que o S (estímulo) se transforma em objeto da inteligência através da cognição que se transforma em R (resposta) através das C (consequências). Os mapas cerebrais tem muitos caminhos e muita plasticidade que os transformam em padrões de comportamento, mente inconsciente, de arquétipos e seu DNA e de inteligência e transcendência.

O conteúdo nos mapas cerebrais  que é retratado pode mudar com muita rapidez, modificando-se a distribuição dos elementos ativos e inativos. Cada distribuição de atividade constitui um padrão no tempo. Diferentes distribuições de atividade em um mesmo trecho de córtex visual podem retratar uma cruz, um quadrado, um rosto, em sucessão ou até sobrepostos. Os mapas podem ser desenhados, redesenhados e sobrescritos com a velocidade da luz. Isto, pois os mapas cerebrais funcionam de acordo com muitos caminhos e muita plasticidade que os transformam em padrões de comportamento, mente inconsciente, de arquétipos e seu DNA e de inteligência e transcendência.

Esse mesmo tipo de "desenho" ocorre em um complexo posto avançado do cérebro chamado retina. Ela também possui um reticulado pronto para a inscrição de mapas. Quando as partículas de luz conhecidas como fótons atingem a retina na distribuição específica que corresponde a determinado padrão, os neurônios ativados por esse padrão - um círculo ou uma cruz, por exemplo formam um mapa neural transitório. Mapas adicionais, baseados no mapa retiniano original, serão formados em níveis subsequentes do sistema nervoso. Isso ocorre porque a atividade em cada ponto do mapa retiniano é sinalizada ao longo de uma cadeia, culminando nos córtices visuais primários, e pelo caminho vai preservando as relações geométricas encontradas na retina, uma propriedade conhecida como retinotopia. O mapa retiniano tem a propriedade do S (estímulo), por isso ele preserva as relações geométricas encontradas na retina, a retinotopia, uma forma de topografia visual do S (estímulo).

Embora os córtices cerebrais destaquem-se na criação de mapas, algumas estruturas abaixo do córtex também são capazes de produzir mapas pouco refinados. Como exemplo temos os corpos geniculados, os colículos, o núcleo do trato solitário e o núcleo parabraquial. Os corpos geniculados são dedicados, respectivamente, aos processos visuais e auditivos. Também possuem uma estrutura em camadas ideal para representações topográficas. O calículo superior é um importante fornecedor de mapas visuais e tem, inclusive, a capacidade de relacionar esses mapas visuais a mapas auditivos e a mapas baseados no corpo. O calículo inferior é dedicado ao processamento auditivo. A atividade dos colículos superiores pode ser precursora dos processos da mente e do self que mais tarde florescem nos córtices cerebrais. Quanto ao núcleo do trato solitário e ao núcleo parabraquial, eles são os primeiros fornecedores de mapas do corpo inteiro ao sistema nervoso central. A atividade nesses mapas, como veremos, corresponde aos sentimentos primordiais. O mapa cerebral visual e auditivo interagindo, um com o outro, pode fornecer o que chamamos de sentimentos primordiais.

O mapeamento aplica-se não só a padrões visuais, mas a todo tipo de padrão sensorial construído no cérebro. Por exemplo, o mapeamento de sons começa na orelha, em uma estrutura equivalente à retina: a cóclea, localizada na orelha interna, uma de cada lado. A côdea recebe os estímulos mecânicos resultantes da vibração da membrana timpânica e de um pequeno grupo de ossos situados abaixo dela. Na cóclea, as células ciliadas são o equivalente dos neurônios retinianos. No ápice de uma célula ciliada, um minúsculo tubo (o feixe piloso) move-se sob a influência da energia sonora e provoca uma corrente elétrica, captada pelo terminal axonal de um neurônio situado no gânglio coclear. Esse neurônio envia mensagens ao cérebro por seis estações separadas dispostas em cadeia: o núcleo coclear, o núcleo olivar superior, o núcleo do lemnisco lateral, o calículo inferior, o núcleo geniculado medial e enfim o córtex auditivo primário. Hierarquicamente, este último compara-se ao córtex visual primário. O córtex auditivo é o início de outra cadeia de sinalização no próprio córtex. O  S (estímulo) sonoro é solitário por si só no meio ambiente, pois existe antes da consciência, da vida e do corpo, existe antes do conhecimento, da cultura e da realidade, ele tem suas próprias propriedades que através da evolução, seleção e competição resulta em R (resposta) através das suas C (consequências), gerando uma funcionalidade  com muitos caminhos e muita plasticidade que os transformam em padrões de comportamento, mente inconsciente, de arquétipos e seu DNA e de inteligência e transcendência.

Os primeiros mapas auditivos são formados na côdea, assim como os primeiros mapas visuais formam-se na retina. Como são produzidos os mapas sonoros? A côdea é uma rampa espiralada com um formato geral cônico. Lembra a concha do caracol, como sugere a raiz latina cochlea. Basta imaginar que os círculos se tornam mais estreitos à medida que subimos e que a forma geral do prédio é um cone com a ponta para cima. A rampa por onde andamos enrola-se em torno do eixo vertical do cone, como a da côdea. Dentro da rampa espiralada, as células ciliadas localizam-se em uma ordem primorosa, determinada pelas frequências sonoras às quais são capazes de responder. As células ciliadas que respondem às frequências mais altas estão na base da côdea, o que significa que à medida que subimos a rampa as outras frequências seguem-se em ordem descendente até o ápice da côdea, que é onde as células ciliadas respondem às frequências mais baixas. Tudo começa nos sopranos e termina nos baixos profundos. O resultado é um mapa espacial de tons possíveis, ordenados por frequência: um mapa tonotópico. Notavelmente, uma versão desse mapa sonoro repete-se em cada uma das cinco estações subsequentes do sistema auditivo no caminho para o córtex auditivo, onde o mapa é por fim disposto em uma bainha. Ouvimos uma orquestra tocar ou a voz de um cantor quando neurônios ao longo da cadeia auditiva se tornam ativos e quando a disposição cortical final distribui espacialmente todas as ricas subestruturas sonoras que chegam a nossos ouvidos. Pois, o S (estímulo)  promove a R (resposta) e suas C (consequências) que desenvolvem uma relação topográfica em nosso mapa cerebral, de modo a reconhecer e selecionar ou preferir determinados sons ou estilos de sons.

O esquema do mapeamento aplica-se amplamente a padrões correspondentes à estrutura do corpo, por exemplo, um membro e seus movimentos ou uma ruptura da pele causada por queimadura, ou aos padrões resultantes de sentir as chaves do carro nas mãos, tateando sua forma e a textura lisa de sua superfície.

 As imagens, sejam visuais, auditivas ou de qualquer outra variedade, são disponíveis diretamente, mas apenas para o possuidor da mente na qual elas ocorrem. Elas são privadas e inobserváveis por terceiros. Tudo que os outros podem fazer é supor. Imagino que na comunicação paranormal e telepática alienígena as imagens visuais, auditivas ou quaisquer outras, são disponíveis ao cérebro que as decodifica, ficando diretamente disponíveis, mas apenas para o possuidor da mente na qual elas ocorrem, pois processam-se vários fenômenos da mente e no comportamento encoberto do organismo ou indivíduo que desencadeiam relações do tipo plasticidade que transformam os S (estímulos) no cérebro do organismo ou indivíduo normal ou paranormal, em padrões de comportamento, mente inconsciente, de arquétipos e seu DNA e de inteligência e transcendência, dentre outros. (MATTANÓ; 10/06/2024).

 

 

MAPAS E MENTES

 

Uma consequência espetacular do mapeamento incessante e dinâmico no cérebro é a mente. Os padrões mapeados constituem o que nós, criaturas conscientes, conhecemos como visões, sons, sensações táteis, cheiros, gostos, dores, prazeres e coisas do gênero - imagens, em suma. As imagens em nossa mente são os mapas momentâneos que o cérebro cria de todas as coisas dentro ou fora de nosso corpo, imagens concretas e abstratas, em curso ou previamente

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gravadas na memória. As palavras que uso agora para trazer estas ideias ao leitor formaram-se primeiro, ainda que de modo breve e impreciso, como imagens auditivas, visuais ou somatossensitivas de fonemas e morfemas, antes que eu as implementasse na página em sua versão escrita. Analogamente, as palavras escritas que agora o leitor vê impressas são de início processadas em seu cérebro como imagens verbais (imagens visuais de linguagem escrita) antes que sua ação no cérebro desencadeie a evocação de outras imagens, de um tipo não verbal. Os tipos de imagens não verbais são aqueles que nos ajudam a exibir mentalmente os conceitos que correspondem às palavras. Os sentimentos que compõem um pano de fundo em cada instante mental e que indicam sobretudo aspectos do estado do corpo também são imagens. A percepção, em qualquer modalidade sensorial, é resultado da habilidade cartográfica do cérebro.

 

As imagens representam as propriedades físicas das entidades e suas relações espaciais e temporais, bem como suas ações. Algumas imagens, que provavelmente resultam de um mapeamento que o cérebro faz dele próprio no ato de mapear, são muito abstratas. Descrevem os padrões de ocorrência dos objetos no tempo e no espaço, as relações espaciais e o movimento dos objetos conforme sua velocidade e trajetória etc. Algumas imagens traduzem-se em composições musicais ou descrições matemáticas. O processo mental é um fluxo contínuo de imagens desse tipo, algumas das quais correspondem a eventos que estão ocorrendo fora do cérebro, enquanto outras são reconstituídas de memória no processo de evocação. A mente é uma combinação sutil e fluida de imagens de fenômenos em curso e de imagens evocadas, em proporções sempre mutáveis. As imagens na mente tendem a se relacionar entre si de modo lógico, com certeza quando correspondem a fenômenos no mundo externo93/443

 

ou dentro do corpo, fenômenos esses que são inerentemente governados pelas leis da física e da biologia que definem o que consideramos lógico. Obviamente, quando devaneamos podemos produzir continuidades ilógicas de imagens, e o mesmo ocorre quando alguém sente vertigem - a sala não gira realmente, a mesa não vira para cima da pessoa, muito embora as imagens lhe digam coisa diferente -, e também quando se está sob efeito de drogas alucinógenas. Salvo essas situações especiais, o mais das vezes o fluxo de imagens avança no tempo, depressa ou devagar, em ordem ou aos saltos, e às vezes o fluxo avança não em uma sequência apenas, mas em várias. Ora as sequências são concorrentes, ocorrendo de modo paralelo, ora se encontram e se sobrepõem. Quando a mente consciente está em pleno funcionamento, a sequência de imagens é eficiente e mal nos deixa entrever o que se passa nas margens.

 

Mas além da lógica imposta pelos fenômenos que estão em curso na realidade externa ao cérebro - uma disposição lógica que nossos circuitos cerebrais moldados pela seleção natural prenunciam já nos primeiros estágios de desenvolvimento - as imagens em nossa mente ganham mais ou menos destaque no fluxo mental conforme o valor que têm para o indivíduo. E de onde vem esse valor? Ele vem do conjunto original de disposições que orientam a regulação da vida, e também dos valores que foram atribuídos a todas as imagens que adquirimos gradualmente em nossa existência, baseados no conjunto original de disposições de valor em nossa história passada. Em outras palavras, a mente não se ocupa apenas de imagens que entram naturalmente em sequência. Ela também se ocupa de escolhas, editadas como em um filme, que nosso disseminado sistema de valor biológico favoreceu. A procissão mental não respeita a ordem de entrada. Segue seleções baseadas no valor, inseridas em uma estrutura

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lógica ao longo do tempo.4

 

Finalmente, e essa é outra questão fundamental, temos mente não consciente e mente consciente. Imagens continuam a formar-se, pela percepção ou evocação, mesmo quando não estamos conscientes delas. Muitas imagens nunca recebem a atenção da consciência e não são ouvidas ou vistas diretamente na mente consciente. E no entanto, em muitos casos tais imagens são capazes de influenciar nosso pensamento e nossas ações. Um rico processo mental relacionado ao raciocínio e ao pensamento criativo pode ocorrer enquanto estamos conscientes de outra coisa. Retomarei o tema da mente não consciente na parte IV.

 

Em conclusão, as imagens baseiam-se em mudanças que ocorrem no corpo e no cérebro durante a interação física de um objeto com o corpo. Sinais enviados por sensores localizados em todo o corpo constroem padrões neurais que mapeiam a interação do organismo com o objeto. Os padrões neurais são formados transitoriamente nas diversas regiões sensoriais e motoras do cérebro que normalmente recebem sinais provenientes de regiões específicas do corpo. A montagem dos padrões neurais transitórios é feita a partir de uma seleção de circuitos neuronais recrutados pela interação. Podemos conceber esses circuitos neuronais como tijolos preexistentes no cérebro para serem usados na construção das imagens.

 

O mapeamento no cérebro é uma característica funcional distintiva de um sistema dedicado a gerir e controlar o processo da vida. A capacidade do cérebro para criar mapas serve a seu propósito gestor. Em um nível simples, o mapeamento pode detectar a presença ou indicar a posição de um objeto no espaço ou a direção de sua trajetória. Isso pode ser útil para percebermos um perigo ou uma oportunidade que devemos evitar ou aproveitar. E, quando nossa mente se

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serve de múltiplos mapas de todas as variedades sensoriais e cria uma perspectiva multíplice do universo externo ao cérebro, podemos reagir com mais precisão aos objetos e fenômenos nesse universo. Além disso, quando os mapas são gravados na memória e podem ser trazidos de volta, evocados na imaginação, tornamo-nos capazes de planejar e inventar respostas melhores.

 

                Mattanó aponta que uma consequência espetacular do mapeamento incessante e dinâmico no cérebro é a mente. Os padrões mapeados constituem o que nós, criaturas conscientes, conhecemos como visões, sons, sensações táteis, cheiros, gostos, dores, prazeres e coisas do gênero - imagens, em suma. As imagens em nossa mente são os mapas momentâneos que o cérebro cria de todas as coisas dentro ou fora de nosso corpo, imagens concretas e abstratas, em curso ou previamente gravadas na memória. As palavras que uso agora para trazer estas ideias ao leitor formaram-se primeiro, ainda que de modo breve e impreciso, como imagens auditivas, visuais ou somatossensitivas de fonemas e morfemas, antes que eu as implementasse na página em sua versão escrita. Analogamente, as palavras escritas que agora o leitor vê impressas são de início processadas em seu cérebro como imagens verbais (imagens visuais de linguagem escrita) antes que sua ação no cérebro desencadeie a evocação de outras imagens, de um tipo não verbal. Os tipos de imagens não verbais são aqueles que nos ajudam a exibir mentalmente os conceitos que correspondem às palavras. Os sentimentos que compõem um pano de fundo em cada instante mental e que indicam sobretudo aspectos do estado do corpo também são imagens. A percepção, em qualquer modalidade sensorial, é resultado da habilidade cartográfica do cérebro. Assim o inconsciente também é percebido como uma imagem e só depois adquire significado e sentido, som e movimento, da mesma forma a Gestalt que por si só já é uma imagem, mas permanentemente reconhecida como uma imagem anterior ao seu significado e sentido produzidos pelo insight, ou a análise funcional que descreve o comportamento através da lei S – R – C, estímulo – resposta – consequência, isto também é uma imagem em nosso cérebro que posteriormente adquire significado e sentido, som e movimento. A imagem primordial ou a marca, a primeira imagem certamente é como uma fotografia que representa o mundo estáticamente, ou seja, paralisado e só depois agrega som e movimento, isto é, propriedades físicas, espaciais e temporais.      

As imagens representam as propriedades físicas das entidades e suas relações espaciais e temporais, bem como suas ações. Algumas imagens, que provavelmente resultam de um mapeamento que o cérebro faz dele próprio no ato de mapear, são muito abstratas. Descrevem os padrões de ocorrência dos objetos no tempo e no espaço, as relações espaciais e o movimento dos objetos conforme sua velocidade e trajetória etc. Algumas imagens traduzem-se em composições musicais ou descrições matemáticas. O processo mental é um fluxo contínuo de imagens desse tipo, algumas das quais correspondem a eventos que estão ocorrendo fora do cérebro, enquanto outras são reconstituídas de memória no processo de evocação. A mente é uma combinação sutil e fluida de imagens de fenômenos em curso e de imagens evocadas, em proporções sempre mutáveis. As imagens na mente tendem a se relacionar entre si de modo lógico, com certeza quando correspondem a fenômenos no mundo externo ou dentro do corpo, fenômenos esses que são inerentemente governados pelas leis da física e da biologia que definem o que consideramos lógico. Obviamente, quando devaneamos podemos produzir continuidades ilógicas de imagens, e o mesmo ocorre quando alguém sente vertigem - a sala não gira realmente, a mesa não vira para cima da pessoa, muito embora as imagens lhe digam coisa diferente -, e também quando se está sob efeito de drogas alucinógenas. Na paranormalidade as imagens tornam-se realmente virtuais e em uma nova dimensão, uma dimensão paranormal que projeta imagens no mundo exterior a partir do seu próprio cérebro que constrói e elabora imagens paranormais que se parecem com ¨fantasmas¨ que invadem e atravessam corpos e territórios.

Mas além da lógica imposta pelos fenômenos que estão em curso na realidade externa ao cérebro - uma disposição lógica que nossos circuitos cerebrais moldados pela seleção natural prenunciam já nos primeiros estágios de desenvolvimento - as imagens em nossa mente ganham mais ou menos destaque no fluxo mental conforme o valor que têm para o indivíduo. E de onde vem esse valor? Ele vem do conjunto original de disposições que orientam a regulação da vida, e também dos valores que foram atribuídos a todas as imagens que adquirimos gradualmente em nossa existência, baseados no conjunto original de disposições de valor em nossa história passada. Em outras palavras, a mente não se ocupa apenas de imagens que entram naturalmente em sequência. Ela também se ocupa de escolhas, editadas como em um filme, que nosso disseminado sistema de valor biológico favoreceu. A procissão mental não respeita a ordem de entrada. Segue seleções baseadas no valor, inseridas em uma estrutura lógica ao longo do tempo, ditada pela história de vida do indivíduo e pelo seu self.

Finalmente, e essa é outra questão fundamental, temos mente não consciente e mente consciente. Imagens continuam a formar-se, pela percepção ou evocação, mesmo quando não estamos conscientes delas. Muitas imagens nunca recebem a atenção da consciência e não são ouvidas ou vistas diretamente na mente consciente. E no entanto, em muitos casos tais imagens são capazes de influenciar nosso pensamento e nossas ações. Um rico processo mental relacionado ao raciocínio e ao pensamento criativo pode ocorrer enquanto estamos conscientes de outra coisa em função da mente consciente. É a mente consciente quem age como um holofote sobre a mente não consciente selecionando dela estímulos para determinadas respostas e futuras consequências, ou seja, a mente consciente é a responsável pela funcionalidade da mente não consciente ou inconsciente.

        Em conclusão, as imagens baseiam-se em mudanças que ocorrem no corpo e no cérebro durante a interação física de um objeto com o corpo. Sinais enviados por sensores localizados em todo o corpo constroem padrões neurais que mapeiam a interação do organismo com o objeto. Imagens paranormais também são fruto da interação física de um objeto com o corpo paranormal.

        O mapeamento no cérebro é uma característica funcional distintiva de um sistema dedicado a gerir e controlar o processo da vida. A capacidade do cérebro para criar mapas serve a seu propósito gestor. Em um nível simples, o mapeamento pode detectar a presença ou indicar a posição de um objeto no espaço ou a direção de sua trajetória. Isso pode ser útil para percebermos um perigo ou uma oportunidade que devemos evitar ou aproveitar. E, quando nossa mente se serve de múltiplos mapas de todas as variedades sensoriais e cria uma perspectiva multíplice do universo externo ao cérebro, podemos reagir com mais precisão aos objetos e fenômenos nesse universo. Além disso, quando os mapas são gravados na memória e podem ser trazidos de volta, evocados na imaginação, tornamo-nos capazes de planejar e inventar respostas melhores. Os mapas cerebrais e inclusive os mapas cerebrais paranormais servem para o organismo gerir sua vida e controlar o processo de sua vida, num meio ambiente idêntico, tanto para os organismos normais, quanto para os paranormais, apenas a construção social, política, trabalhista e administrativa é quem sofrem mudanças ou alterações, inclusive as noções de território e de afetividade, de intimidade e de privacidade, de comunicação, de inteligência, de saúde e de loucura. (MATTANÓ; 24/07/2024).

 

 

 

 

 

 

 

 

A NEUROLOGIA DA MENTE

 

Faz sentido indagar que partes do cérebro trabalham para a geração da mente e que partes não trabalham? É uma pergunta complicada mas legítima. Depois de um século e meio de estudo das consequências de lesões cerebrais, temos agora dados que permitem esboçar uma resposta preliminar. Certas regiões do cérebro, apesar de suas importantes contribuições para funções cerebrais fundamentais, não participam da geração da mente. Certas regiões inequivocamente estão envolvidas na produção da mente em um nível básico, indispensável. E algumas outras regiões ajudam na geração da mente com tarefas que envolvem a criação e a recuperação de imagens, e também a administração do fluxo das imagens, cuidando de sua "edição" e continuidade.

 

A medula espinhal inteira parece não ser essencial à geração básica da mente. A perda total da medula espinhal acarreta graves deficiências motoras, perdas profundas da sensação do corpo e certo embotamento das emoções e sentimentos. No entanto, se o nervo vago, cujo trajeto é paralelo à medula espinhal, estiver preservado (como quase sempre ocorre em casos assim), o trânsito de sinais entre o cérebro e o corpo permanece forte o suficiente para assegurar o controle autônomo, gerenciar as emoções e sentimentos básicos e

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manter os aspectos da consciência que requerem inputs do corpo. Sem dúvida, a produção da mente não é destruída por lesão na medula espinhal, o que sabemos muito bem com base em todos os tristes casos de pessoas acidentadas que sofreram lesão em qualquer nível da medula espinhal. A mente admirável de Christopher Reeve e também sua consciência sobreviveram à grave lesão que ele sofreu na medula espinhal. Exteriormente, segundo me recordo de um encontro que tive com ele, só o sutil funcionamento de suas expressões emocionais ficou um tanto comprometido. Desconfio que as representações mentais dos estímulos somatossensitivos provenientes dos membros e do tronco são totalmente formadas apenas no nível dos núcleos do tronco cerebral superior, com sinais que vêm tanto da medula espinhal como do nervo vago, deixando assim a medula espinhal em uma posição periférica em relação à geração básica da mente. (Outro modo de situar a medula espinhal relativamente à produção da mente é dizer que suas contribuições não fazem falta à função global, ainda que, quando as contribuições estão presentes, podem ser bem avaliadas. Depois de uma transeção da medula espinhal, o paciente não sente dor, mas apresenta os reflexos "relacionados à dor", indicando que o mapeamento da lesão no tecido continua a ser feito no nível da medula espinhal, mas não é sinalizado para cima, não chegando ao tronco cerebral e ao córtex).

 

A mesma isenção aplica-se ao cerebelo, sem dúvida no caso de adultos. O cerebelo tem papéis importantes na coordenação dos movimentos e na modulação das emoções, além de estar envolvido no aprendizado e na evocação de habilidades e em aspectos cognitivos do desenvolvimento de habilidades. No entanto, pelo que sabemos, a produção da mente no nível básico não é de sua alçada. Podemos dizer o mesmo sobre o hipocampo, que é essencial para o

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aprendizado de novos fatos e é regularmente recrutado pelo processo normal de evocação, mas cuja ausência não compromete a geração básica da mente. Tanto o cerebelo como o hipocampo são assistentes nos processos de edição e continuidade de imagens e movimentos, com várias regiões corticais dedicadas ao controle motor, que, provavelmente, também têm um papel na montagem das continuidades no processo mental. Isso é fundamental, obviamente, para o funcionamento abrangente da mente, mas não é necessário à produção básica de imagens. As evidências negativas quanto às capacidades do hipocampo e dos córtices adjacentes para gerar a mente são eloquentes. Provêm do comportamento e de relatos em primeira pessoa de pacientes cujos hipocampos e córtices temporais anteriores foram destruídos bilateralmente, em decorrência de condições como lesão anóxica, encefalite por Herpes simplex ou ablação cirúrgica. Para esses pacientes, em grande medida o aprendizado de novos fatos é impossível, e em menor grau eles também perdem a capacidade de recordar o passado. Ainda assim, a mente dessas pessoas continua imensamente rica, quase sempre com percepção visual, auditiva e tátil normal. Além disso, sua recordação de conhecimentos em níveis genéricos (não únicos) é abundante. A maior parte dos aspectos fundamentais de sua consciência permanece intacta.

 

Para o córtex cerebral, o panorama é radicalmente diferente. Várias de suas regiões inequivocamente participam da produção das imagens que contemplamos e manipulamos na mente. E os córtices que não produzem imagens tendem a estar envolvidos em sua gravação ou manipulação durante o processo de raciocínio, decisão e ação. Os córtices sensoriais iniciais (as áreas corticais onde se inicia o processamento sensitivo) relacionados a visão, audição, sensação somática, paladar e olfato, que parecem ilhas no oceano do córtex

 

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cerebral, certamente produzem imagens. Essas ilhas são auxiliadas na tarefa por dois tipos de núcleo talâmico: de retransmissão (que trazem informações da periferia) e de associação (com os quais vastos setores do córtex cerebral são conectados bidirecionalmente).

 

Dados eloquentes respaldam essa noção. Sabemos que um dano significativo em cada ilha do córtex sensorial incapacita substancialmente a função de mapeamento do respectivo setor. Por exemplo, as vítimas de dano bilateral nos córtices visuais iniciais passam a sofrer de cegueira cortical. Tais pacientes perdem a capacidade de formar imagens visuais detalhadas, não só na percepção, mas em muitos casos também na evocação. Poderão ter uma visão residual que chamamos de "visão cega", na qual indicações não conscientes permitem-lhes certa orientação visual para suas ações. Uma situação comparável é vista em casos de dano significativo em outros córtices sensoriais. O restante do córtex cerebral, o oceano ao redor das ilhas, embora não participe primariamente da produção de imagens, está envolvido na construção e processamento, ou seja, na gravação, evocação e manipulação de imagens geradas nos córtices sensoriais iniciais, como veremos no capítulo 6.5

 

Eu, porém, contrariando a tradição e as convenções, acredito que a mente não é produzida apenas no córtex cerebral. Suas primeiras manifestações originam-se no tronco cerebral. A ideia de que o processamento mental começa no nível do tronco cerebral é tão incomum que nem chega a ser malvista. Entre os que a defendem ardorosamente, destaco Jaak Panksepp. Essa ideia, e a noção de que os sentimentos primordiais surgem no tronco cerebral, são afins.6 Dois núcleos do tronco cerebral, o núcleo do trato solitário e o núcleo par-abraquial, participam da geração de aspectos básicos da mente: os sentimentos suscitados pelos acontecimentos correntes da vida,

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incluindo os que designamos como dor ou prazer. Na minha concepção, os mapas gerados por essas estruturas são simples e em grande medida desprovidos de detalhes espaciais, mas resultam em sentimentos. É muito provável que esses sentimentos são os principais constituintes da mente, baseados em sinais enviados diretamente do corpo. Um dado interessante é que eles também são componentes primordiais e indispensáveis do self e dão à mente a primeira e incipiente revelação de que seu organismo está vivo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 3.1. As variedades de mapas (imagens) e os objetos que as originam. Quando os mapas são experienciados, tornam-se imagens. Uma mente normal inclui imagens de todas as três variedades acima citadas. As imagens do estado interno do organismo constituem os sentimentos primordiais. Imagens de outros aspectos do organismo combinadas às do estado interno constituem sentimentos corporais específicos. Os sentimentos de emoções são variações de sentimentos corporais complexos causados por um objeto específico e concernentes a ele. Imagens mundo externo são normalmente acompanhadas por imagens das variedades I e II. Sentimentos são uma variedade de imagem cuja relação única com corpo os torna especiais (ver capítulo 4). Os sentimentos são imagens sentidas espontaneamente. Todas as outras imagens são sentidas porque são acompanhadas pelas imagens

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específicas que chamamos de sentimentos.

 

Esses importantes núcleos do tronco cerebral não produzem meros mapas virtuais do corpo; eles produzem estados corporais sentidos. E, quando temos alguma sensação de dor e prazer, devemos agradecer primeiro a essas estruturas, assim como a estruturas motoras que, em conjunto com elas, permitem uma alça sinalização entre o cérebro e o corpo: os núcleos da matéria cinzenta periaquedutal.

 

Mattanó aponta que a mente não depende de algumas estruturas cerebrais como a medula espinhal inteira que parece não ser essencial à geração básica da mente. A perda total da medula espinhal acarreta graves deficiências motoras, perdas profundas da sensação do corpo e certo embotamento das emoções e sentimentos. No entanto, se o nervo vago, cujo trajeto é paralelo à medula espinhal, estiver preservado (como quase sempre ocorre em casos assim), o trânsito de sinais entre o cérebro e o corpo permanece forte o suficiente para assegurar o controle autônomo, gerenciar as emoções e sentimentos básicos e manter os aspectos da consciência que requerem inputs do corpo. Sem dúvida, a produção da mente não é destruída por lesão na medula espinhal, o que sabemos muito bem com base em todos os tristes casos de pessoas acidentadas que sofreram lesão em qualquer nível da medula espinhal. A consciência nestes casos depende do que o paciente sente fisicamente e emocionalmente, vive em sua realidade, cultura e conhecimento.

A mesma isenção aplica-se ao cerebelo, sem dúvida no caso de adultos. O cerebelo tem papéis importantes na coordenação dos movimentos e na modulação das emoções, além de estar envolvido no aprendizado e na evocação de habilidades e em aspectos cognitivos do desenvolvimento de habilidades. No entanto, pelo que sabemos, a produção da mente no nível básico não é de sua alçada, pois a mente não depende da inteligência ou da cognição, da aprendizagem e nem das emoções para que exista. Podemos dizer o mesmo sobre o hipocampo, que é essencial para o aprendizado de novos fatos e é regularmente recrutado pelo processo normal de evocação, mas cuja ausência não compromete a geração básica da mente. Tanto o cerebelo como o hipocampo são assistentes nos processos de edição e continuidade de imagens e movimentos, com várias regiões corticais dedicadas ao controle motor, que, provavelmente, também têm um papel na montagem das continuidades no processo mental. Isso é fundamental, obviamente, para o funcionamento abrangente da mente, mas não é necessário à produção básica de imagens. Ou seja, a mente não depende do cerebelo e nem do hipocampo, cuja função é a memória para a aprendizagem de novos comportamentos, já que a mente depende da consciência.

Para o córtex cerebral, o panorama é radicalmente diferente. Várias de suas regiões inequivocamente participam da produção das imagens que contemplamos e manipulamos na mente. E os córtices que não produzem imagens tendem a estar envolvidos em sua gravação ou manipulação durante o processo de raciocínio, decisão e ação. Os córtices sensoriais iniciais (as áreas corticais onde se inicia o processamento sensitivo) relacionados a visão, audição, sensação somática, paladar e olfato, que parecem ilhas no oceano do córtex cerebral, certamente produzem imagens. Essas ilhas são auxiliadas na tarefa por dois tipos de núcleo talâmico: de retransmissão (que trazem informações da periferia) e de associação (com os quais vastos setores do córtex cerebral são conectados bidirecionalmente).

Dados eloquentes respaldam essa noção. Sabemos que um dano significativo em cada ilha do córtex sensorial incapacita substancialmente a função de mapeamento do respectivo setor. Por exemplo, as vítimas de dano bilateral nos córtices visuais iniciais passam a sofrer de cegueira cortical. Tais pacientes perdem a capacidade de formar imagens visuais detalhadas, não só na percepção, mas em muitos casos também na evocação. Poderão ter uma visão residual que chamamos de "visão cega", na qual indicações não conscientes permitem-lhes certa orientação visual para suas ações. Contudo a mente permanece diante da extinção das imagens decodificadas pelo córtex cerebral, como vemos em indivíduos que perderam a visão ou ficaram surdos-mudos, ou perderam o paladar e o olfato, ou a discriminação de calor, de frio e de dor.

        Eu, porém, contrariando a tradição e as convenções, acredito que a mente não é produzida apenas no córtex cerebral. Suas primeiras manifestações originam-se no tronco cerebral. A ideia de que o processamento mental começa no nível do tronco cerebral é tão incomum que nem chega a ser malvista. Entre os que a defendem ardorosamente, destaco Jaak Panksepp. Essa ideia, e a noção de que os sentimentos primordiais surgem no tronco cerebral, são afins. Dois núcleos do tronco cerebral, o núcleo do trato solitário e o núcleo parabraquial, participam da geração de aspectos básicos da mente: os sentimentos suscitados pelos acontecimentos correntes da vida, incluindo os que designamos como dor ou prazer. Na minha concepção, os mapas gerados por essas estruturas são simples e em grande medida desprovidos de detalhes espaciais, mas resultam em sentimentos. É muito provável que esses sentimentos são os principais constituintes da mente, baseados em sinais enviados diretamente do corpo. Um dado interessante é que eles também são componentes primordiais e indispensáveis do self e dão à mente a primeira e incipiente revelação de que seu organismo está vivo. O self recebe informações interoceptivas, proprioceptivas e exteroceptivas que são balanceadas pela regulação da vida que por sua vez indica que você está vivo e sentido dor ou prazer, sentimentos sem detalhes espaciais que formam sua mente.

        As variedades de mapas (imagens) e os objetos que as originam. Quando os mapas são experienciados, tornam-se imagens. Uma mente normal inclui imagens de todas as três variedades citadas: interoceptivas, proprioceptivas e exteroceptivas. As imagens do estado interno do organismo constituem os sentimentos primordiais. Imagens de outros aspectos do organismo combinadas às do estado interno constituem sentimentos corporais específicos. Os sentimentos de emoções são variações de sentimentos corporais complexos causados por um objeto específico e concernentes a ele. Imagens mundo externo são normalmente acompanhadas por imagens das variedades I (mapas interoceptivos) e II (mapas proprioceptivos). Sentimentos são uma variedade de imagem cuja relação única com corpo os torna especiais. Os sentimentos são imagens sentidas espontaneamente. Todas as outras imagens são sentidas porque são acompanhadas pelas imagens específicas que chamamos de sentimentos.

Esses importantes núcleos do tronco cerebral não produzem meros mapas virtuais do corpo; eles produzem estados corporais sentidos. E, quando temos alguma sensação de dor e prazer, devemos agradecer primeiro a essas estruturas, assim como a estruturas motoras que, em conjunto com elas, permitem uma alça sinalização entre o cérebro e o corpo: os núcleos da matéria cinzenta periaquedutal. Estes núcleos do tronco cerebral produzem mapas virtuais do corpo que nos indicam se algo vai bem ou vai mal com o nosso corpo através de sentimentos que são discriminados como reforçadores ou punitivos, de acordo com a equilibração da vida, ou seja, da homeostase corporal e dos ciclos do organismo, como os ciclos circadianos, semanais, mensais, anuais e sazonais que se aplicam as condições da homeostase conforme a consciência, a cultura, o conhecimento e a realidade de cada organismo ou corpo. (MATTANÓ; 08/08/2024).

 

 

 

 

 

O PRINCÍPIO DA MENTE

 

Para ilustrar minha ideia quando me refiro ao princípio da mente, preciso discorrer, mesmo que brevemente, sobre três fontes de evidências. Uma provém de pacientes com lesão nos córtices insulares. Outra, de crianças nascidas sem córtex cerebral. A terceira está associada às funções do tronco cerebral em geral e às funções dos colículos superiores em particular.

 

As sensações de dor e prazer depois de destruição insular

 

No capítulo sobre as emoções (capítulo 5), veremos que os córtices insulares sem dúvida participam do processamento de uma grande variedade de sentimentos, desde os que acompanham as emoções até os que representam prazer ou dor, conhecidos resumidamente como sentimentos corporais. Lamentavelmente, as eloquentes evidências que associam sentimentos à ínsula foram interpretadas como um indício de que a base de todos os sentimentos encontra-se apenas no nível cortical; assim, os córtices insulares são vistos como equivalentes aproximados dos córtices visuais e auditivos iniciais. Mas assim como a destruição dos córtices visuais e auditivos não101/443

 

extingue a visão e a audição, a destruição total dos córtices insulares, de ponta a ponta nos dois hemisférios cerebrais, não resulta em uma extinção total dos sentimentos. Ao contrário: sentimentos de dor e prazer permanecem após um dano em ambos os córtices insulares causado pela encefalite por Herpes simplex. Com meus colegas Hanna Damásio e Daniel Tranel, observei repetidamente que tais pacientes apresentam respostas de prazer ou dor na presença de uma variedade de estímulos e que continuam a sentir emoções, as quais eles relatam de modo inequívoco. Os pacientes mencionam desconforto com temperaturas extremas, sentem tédio com tarefas maçantes e se aborrecem quando seus pedidos são negados. A reatividade social que depende da presença de sentimentos emocionais não fica comprometida. O apego é mantido até mesmo com pessoas que eles não são capazes de reconhecer como entes queridos ou conhecidos porque, como parte da síndrome herpética, um dano concomitante no setor anterior dos lobos temporais compromete gravemente a memória autobiográfica. Além disso, a manipulação experimental de estímulos leva a mudanças demonstráveis na experiência dos sentimentos.7

 

Faz sentido supor que, na ausência dos dois córtices insulares, os sentimentos de dor e prazer surgem em dois núcleos do tronco cerebral já mencionados (do trato solitário e parabraquial), ambos receptores adequados de sinais provenientes do interior do corpo. Em indivíduos normais, esses dois núcleos enviam seus sinais para o córtex insular por intermédio de núcleos talâmicos dedicados (capítulo 4). Em resumo, enquanto os núcleos do tronco cerebral assegurariam um nível básico de sentimentos, os córtices insulares proporcionariam uma versão mais diferenciada desses sentimentos e, importantíssimo, seriam capazes de associar os sentimentos a outros aspectos da102/443

 

cognição com base na atividade de outras partes do cérebro.8

 

Os dados que corroboram essa ideia são reveladores. O núcleo do trato solitário e o núcleo parabraquial recebem um conjunto completo de sinais que descrevem o estado do meio interno do corpo como um todo. Nada lhes escapa. Há sinais da medula espinhal e do núcleo trigemina! e até sinais de regiões "nuas" do cérebro, como a área postrema vizinha, que são desprovidas da barreira hematoencefálica e cujos neurônios respondem diretamente a moléculas que circulam pela corrente sanguínea. Os sinais compõem um quadro abrangente do meio interno e das vísceras, e esse quadro vem a ser o principal componente de nossos estados de sentimento. Esses núcleos são profusamente conectados uns aos outros e também têm ricas conexões com a matéria cinzenta periaquedutal (ou PAG, peri-aqueductal gray), situada nas proximidades. A PAG é um complexo conjunto de núcleos, com várias subunidades, e origina um vasto conjunto de respostas emocionais relacionadas a defesa, agressão e tolerância à dor. O riso e o choro, expressões de nojo ou medo e as reações de paralisar-se ou correr em situações de medo são desencadeados a partir da PAG. O vaivém das conexões entre esses núcleos presta-se bem à produção de representações complexas. O diagrama básico das conexões dessas regiões as qualifica para o papel de produtoras de imagens, e o tipo de imagem gerado por esses núcleos são sentimentos. Além disso, como esses sentimentos são etapas iniciais e fundamentais da construção da mente e como são cruciais para a manutenção da vida, faz sentido na boa engenharia (quero dizer que faz sentido evolucionariamente) que o maquinário de apoio tenha por base estruturas literalmente vizinhas às da regulação da vida.9

 

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Figura 3.2. O painel A mostra imagens por ressonâncía magnética de um paciente com dano total nos córtices insulares nos hemisférios esquerdo e direito. À esquerda, vemos uma reconstrução tridimensional do cérebro do paciente. À direita, temos dois cortes transversais no cérebro (indicados como l e 2), ao longo das linhas pretas vertical e horizontal à esquerda, respectivamente assinaladas como 1 e

 

 

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  1. A área em preto corresponde ao tecido cerebral destruído pela doença. As setas brancas mostram os locais onde deveria estar a ínsula. O painel B mostra um cérebro normal em três dimensões e dois cortes feitos nos mesmos níveis. As setas pretas indicam o córtex insular normal.

 

Mattanó aponta que enquanto os núcleos

do tronco cerebral assegurariam um nível básico de sentimentos, os córtices insulares proporcionariam uma versão mais diferenciada desses sentimentos e, importantíssimo, seriam capazes de associar os sentimentos a outros aspectos da cognição com base na atividade de outras partes do cérebro. Trata-se da evolução agindo sobre a vida que vai adquirindo e formando sua mente através dos sentimentos e da cognição que apresentam uma relação funcional em suas estruturas psicológicas e comportamentais, de modo que o organismo torne-se cada vez mais seletivo  e competitivo para maximizar seu funcionamento cerebral. É pois a evolução por meio da seleção e da competição entre indivíduos e diferentes espécies quem maximiza o funcionamento cerebral dos seres vivos.

            O núcleo do trato solitário e o núcleo parabraquial recebem um conjunto completo de sinais que descrevem o estado do meio interno do corpo como um todo. Nada lhes escapa. Há sinais da medula espinhal e do núcleo trigemina! e até sinais de regiões "nuas" do cérebro, como a área postrema vizinha, que são desprovidas da barreira hematoencefálica e cujos neurônios respondem diretamente a moléculas que circulam pela corrente sanguínea. Os sinais compõem um quadro abrangente do meio interno e das vísceras, e esse quadro vem a ser o principal componente de nossos estados de sentimento. Esses núcleos são profusamente conectados uns aos outros e também têm ricas conexões com a matéria cinzenta periaquedutal (ou PAG, peri-aqueductal gray), situada nas proximidades. A PAG é um complexo conjunto de núcleos, com várias subunidades, e origina um vasto conjunto de respostas emocionais relacionadas a defesa, agressão e tolerância à dor. O riso e o choro, expressões de nojo ou medo e as reações de paralisar-se ou correr em situações de medo são desencadeados a partir da PAG. O vaivém das conexões entre esses núcleos presta-se bem à produção de representações complexas. O diagrama básico das conexões dessas regiões as qualifica para o papel de produtoras de imagens, e o tipo de imagem gerado por esses núcleos são sentimentos. Além disso, como esses sentimentos são etapas iniciais e fundamentais da construção da mente e como são cruciais para a manutenção da vida, faz sentido na boa engenharia (quero dizer que faz sentido evolucionariamente) que o maquinário de apoio tenha por base estruturas literalmente vizinhas às da regulação da vida. O diagrama que Mattanó fala é o funcional S – R – C, ou seja, estímulo – resposta – consequência, onde os estímulos ou estímulo presente no sangue em forma de moléculas que circulam no sangue desencadeiam respostas como sinais internos e em vísceras que tem como consequências respostas emocionais relacionadas à defesa, agressão e tolerância à dor. O riso e o choro, expressões de nojo ou medo e as reações de paralisar-se ou correr em situações de medo são desencadeados a partir da PAG. O vaivém das conexões entre esses núcleos presta-se bem à produção de representações complexas. Representações estas que formam a consciência, a cultura, o conhecimento e a realidade do indivíduo conforme sua homeostase ou equilibração da vida que por meio da evolução e a sua adaptação comportamental, fisiológica e morfológica, vai construindo a mente do indivíduo. (MATTANÓ; 13/08/2024).

 

 

 

 

 

A estranha situação das crianças sem córtex cerebral

 

Por várias razões, podem nascer crianças com estruturas do tronco cerebral intactas mas desprovidas de boa parte das estruturas telencefálicas: córtex cerebral, tálamo e gânglios basais. Essa triste condição pode ocorrer mais comumente em razão de um acidente vascular grave no útero e, em consequência, a maior parte ou o total do córtex cerebral é danificado e reabsorvido, deixando a cavidade craniana cheia de líquido cerebroespinhal.

 

Essa condição recebe o nome de hidranencefalia, termo que a distingue das anomalias de desenvolvimento conhecidas de modo geral como anencefalia, as quais comprometem outras estruturas além do córtex cerebral.10 As crianças afetadas podem sobreviver por muitos anos, inclusive até depois da adolescência, e frequentemente se supõe que sua condição seja "vegetativa". Em geral, são internadas em hospitais especializados.

 

No entanto, essas crianças estão longe de ser vegetativas. Ao contrário, estão despertas e apresentam comportamentos. Em um grau limitado, porém não insignificante, conseguem comunicar-se com quem cuida delas e interagir com o mundo. Sua mente manifestamente está funcionando, em contraste com a situação dos pacientes em estado vegetativo ou com mutismo acinético. Seu infortúnio permite-nos um raro vislumbre do tipo de mente que ainda pode ser engendrada na ausência do córtex cerebral.

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Como são essas pobres crianças? Seus movimentos são muito limitados devido à falta de tônus muscular na espinha e à espasticid-ade de seus membros. Mas podem mover livremente a cabeça e os olhos e demonstrar emoções no rosto. Podem sorrir na presença de estímulos que fariam sorrir uma criança normal, como um brinquedo, algum som, e até rir e expressar alegria normal quando alguém lhes faz cócegas. Elas podem franzir o cenho e retrair-se ao sofrer estímulos dolorosos. São capazes de mover-se na direção de um objeto ou situação que desejam - por exemplo, engatinhar até um trecho de assoalho iluminado pelo sol e ali ficar desfrutando o calor. A expressão que se vê então nessas crianças é de satisfação, ou seja, elas manifestam exteriormente o tipo de sentimentos que previsivelmente veríamos surgir na presença de uma resposta emocional apropriada ao estímulo.

 

Essas crianças são capazes de orientar a cabeça e os olhos, ainda que sem firmeza, para a pessoa que se dirige a elas ou que as toca, e revelar preferência por determinados indivíduos. Tendem a sentir medo de estranhos e parecem mais felizes quando estão perto da mãe ou da pessoa que normalmente cuida delas. Seus gostos e aversões são evidentes, notavelmente na esfera musical. Elas tendem a preferir certas músicas, podem responder a diferentes sons de instrumentos e vozes humanas. Também podem responder a andamentos musicais diferentes e a distintos estilos de composição. Seu rosto é um bom reflexo de seu estado emocional. Em suma, elas se mostram mais alegres quando são tocadas ou lhes fazem cócegas, quando ouvem suas músicas favoritas e quando veem certos brinquedos. Obviamente ouvem e veem, embora não tenhamos como saber se o fazem bem ou mal. Sua audição parece superior à visão.

 

Por força, tudo o que elas veem e ouvem provém de atividade

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subcortical, muito provavelmente dos colículos, que são intactos. Tudo o que sentem é produzido subcorticalmente, pelo núcleo do trato solitário e pelo núcleo parabraquial, que são intactos, pois elas não possuem o córtex insular nem os córtices somatossensitivos I e II para assistir nessa tarefa. As emoções que produzem têm de ser desencadeadas a partir dos núcleos na matéria cinzenta periaquedutal e ser executadas pelos núcleos do nervo craniano que controlam as expressões faciais das emoções (esses núcleos também são intactos). O gerenciamento do processo da vida é alicerçado em um hipotálamo intacto, localizado imediatamente acima do tronco cerebral, e ajudado por um sistema endócrino intacto e pela rede do nervo vago. As meninas hidranencefálicas até menstruam na puberdade.

 

Não há dúvida de que um processo mental se evidencia nessas crianças. Do mesmo modo, suas expressões de alegria, mantidas por muitos segundos ou até por minutos e condizentes com o estímulo causador, nos fornecem razões para que as associemos a estados de sentimento. Sou levado a supor que a alegria que elas demonstram é uma alegria real sentida, mesmo que não sejam capazes de expressá-las em palavras. Se isso for verdade, elas atingem o primeiro degrau de um mecanismo que conduz gradualmente à consciência, ou seja, sentimentos ligados a uma representação integrada do organismo (um protosself), possivelmente modificados pela interação com objetos, constituindo uma experiência elementar.

 

A possibilidade de que elas tenham de fato uma mente consciente, ainda que extremamente modesta, é corroborada por uma fascinante descoberta. Quando essas crianças sofrem uma convulsão de ausência, seus cuidadores detectam facilmente o começo da crise; também conseguem distinguir o fim da crise, quando dizem que "a criança voltou para eles". A convulsão parece suspender a mínima

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consciência que normalmente apresentam.

 

Os hidranencefálicos mostram-nos um quadro perturbador que nos informa sobre os limites das estruturas do tronco cerebral e do córtex cerebral no ser humano. Essa condição refuta a ideia de que a senciência, os sentimentos e as emoções têm origem apenas no córtex cerebral. Isso é impossível. O grau possível de senciência, sentimento e emoção em tais casos é obviamente limitado e, muito importante, é desvinculado do mundo mental mais amplo que, isso sim, só o córtex cerebral pode permitir. No entanto, como passei boa parte da vida estudando os efeitos de lesões cerebrais sobre a mente e o comportamento humano, posso afirmar que essas crianças pouco têm em comum com os pacientes em estado vegetativo, uma condição na qual a interação com o mundo é ainda mais reduzida e que pode, aliás, ser causada por lesões precisamente nas mesmas regiões do tronco cerebral que estão intactas nos hidranencefálicos. Se é que podemos fazer alguma comparação - depois de abstrair as deficiências motoras -, seria entre as crianças hidranencefálicas e os recém-nascidos, nos quais claramente existe uma mente em funcionamento mas o self central ainda é incipiente. Isso condiz com o fato de que os hidranencefálicos podem ter sua condição diagnosticada meses após o nascimento, quando os pais notam que não se desenvolvem bem e os exames de imagem revelam a catastrófica ausência do córtex. A razão por trás da vaga semelhança não é muito difícil de perceber: os recém-nascidos normais não possuem um córtex cerebral totalmente mielinizado, que virá com o desenvolvimento. Eles já possuem um tronco cerebral plenamente funcional, mas seu córtex cerebral ainda é apenas parcialmente funcional.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nota sobre o colículo superior

 

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Os colículos superiores são parte do teto, uma região fortemente inter-relacionada com os núcleos da matéria cinzenta periaquedutal e, indiretamente, com o núcleo do trato solitário e com o núcleo parabraquial. A participação do colículo superior no comportamento ligado à visão é bem conhecida. No entanto, com exceção dos notáveis estudos de Bernard Strehler, Jaak Panksepp e Bjorn Merker, o possível papel dessas estruturas no processo da mente e do self raramente é levado em conta.11 A anatomia do colículo superior é fascinante e quase nos compele a supor o que sua estrutura deve realizar. O colículo superior tem sete camadas; as camadas I a III são as "superficiais", enquanto as de IV a VII são chamadas de "profundas''. Todas as conexões que entram e saem das camadas superficiais relacionam-se à visão, e a camada II, a principal camada superficial, recebe sinais da retina e do córtex visual primário. Essas camadas superficiais formam um mapa retinoscópico do campo visual contralateral.12

 

As camadas profundas do colículo superior contêm, além de um mapa do mundo visual, mapas topográficos de informações auditivas e somáticas, estas últimas provenientes da medula espinhal e do hipotálamo. As três variedades de mapas - visuais, auditivos e somáticos - têm um registro espacial. Isso significa que são empilhadas de modo tão preciso que as informações disponíveis em um mapa para, por exemplo, a visão correspondem às informações, em outro mapa, relacionadas à audição ou ao estado do corpo.13 Em nenhum outro lugar do cérebro informações fornecidas pela visão, audição e vários aspectos do estado do corpo apresentam tamanho grau de sobreposição, oferecendo a perspectiva de integração. Essa integração torna-se ainda mais significativa porque seus resultados podem ter 109/443

 

acesso ao sistema motor (por intermédio das estruturas próximas na matéria cinzenta periaquedutal e via córtex cerebral).

 

Outro dia, uma simpática lagartixa corria pelo terraço lá de casa atrás de uma mosca desajuizada, que insistia em voar zumbindo perigosamente perto dela. A lagartixa rastreou direitinho a mosca e por fim a fisgou com a língua no instante preciso. Seus neurônios coliculares mapearam a posição da mosca de momento a momento e guiaram os músculos da lagartixa, comandando a saída da língua quando a presa se pôs ao alcance. A perfeição adaptativa desse comportamento visuomotor a seu ambiente é impressionante. Mas agora, para ficarmos ainda mais impressionados, imaginemos a vertiginosa sequência de disparos neuronais do calículo superior da lagartixa e façamos uma pausa para refletir. O que foi que a lagartixa viu? Não posso ter certeza, mas desconfio que ela viu um pontinho preto em movimento, ziguezagueando por um campo de visão sem outros elementos nítidos. O que é que a lagartixa sabia sobre o que estava acontecendo? Nada, suponho, naquele sentido de saber que é o nosso. E o que ela sentiu quando comeu seu trabalhoso almoço? Penso que seu tronco cerebral registrou o êxito do comportamento de acompanhar e atingir o alvo e os resultados da melhora de seu estado homeostático. Os substratos dos sentimentos da lagartixa provavelmente estavam em boa ordem, embora ela não fosse capaz de refletir sobre a notável habilidade que acabara de exibir. Ah, se ela soubesse!

 

Essa poderosa integração de sinais está a serviço de um propósito óbvio e imediato: coligir informações necessárias para guiar uma ação eficaz, seja o movimento dos olhos, dos membros ou da língua. Isso é alcançado graças a ricas conexões que vão dos colículos a todas as regiões cerebrais necessárias para guiar os

 

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movimentos eficazmente, no tronco cerebral, medula espinhal, tálamo e córtex cerebral. Mas, além de possibilitar a orientação bem-sucedida dos movimentos, é possível que existam consequências mentais "internas" desse útil mecanismo. Muito provavelmente, os mapas integrados produzidos no próprio colículo superior também geram imagens - nada que se compare à riqueza daquelas criadas no córtex cerebral, mas ainda assim imagens. Algo dos princípios da mente provavelmente pode ser encontrado aqui, e quem sabe também algo dos princípios do self.14

 

E quanto ao colículo superior no ser humano? Nos humanos, a destruição seletiva do colículo superior é rara, tão rara que na literatura neurológica só existe um caso registrado de dano bilateral, felizmente estudado por um eminente neurologista e neurocientista, Derek Denny-Brown.15 A lesão foi causada por trauma, e o paciente sobreviveu por meses com a consciência gravemente comprometida, em um estado que mais se assemelhava ao mutismo acinético. Isso indica um comprometimento da atividade mental, mas devo acrescentar que na ocasião em que encontrei um paciente com dano colicular, só pude detectar um breve distúrbio da consciência.

 

Ver apenas com os colículos depois de ter perdido os córtices visuais possivelmente consiste em perceber que algum objeto não especificado está se movendo em um dos quadrantes da visão - afastando-se, digamos, ou se aproximando. Em nenhum dos casos a pessoa será capaz de descrever mentalmente o objeto, e talvez nem mesmo esteja consciente dele. Estamos falando aqui de uma mente muito vaga, coligindo informações superficiais sobre o mundo, embora o fato de as imagens serem imprecisas e incompletas não as torne inúteis ou inválidas, como atestam os pacientes com visão cega. Mas quando a ausência dos córtices visuais é congênita, como

 

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nos casos dos pacientes hidranencefálicos já mencionados, os colículos superior e inferior podem dar contribuições mais substanciais ao processo mental.

Devo acrescentar um último fato às evidências que nos aconselham a promover o colículo superior a contribuidor da mente. O colículo superior produz oscilações elétricas na banda gama, um fenômeno que foi associado à ativação sincrônica de neurônios e que, na hipótese do neurofisiologista Wolf Singer, é um correlato da percepção coerente, possivelmente até da consciência. Pelo que sabemos até o presente, o colículo superior é a única região do cérebro fora do córtex que apresenta oscilações na banda gama.16

 

Mattanó aponta que  crianças nascidas com apenas o seu tronco cerebral intacto, onde o córtex cerebral está ausente também têm uma consciência. É a partir desta consciência que estas crianças conseguem se movimentar e apresentar expressões faciais de riso, alegria, dor, atenção, gosto, seleção ou preferência e se comportarem no meio ambiente, mesmo sendo limitadas e mesmo sendo crianças hidranencefálicas, que podem viver por algum tempo, por vezes até a adolescência em hospitais ou instituições especiais, as meninas podem até menstruarem, podem também apresentar emoções e controle da visão e da audição revelando um controle cerebral topográfico capaz de inserí-las no meio ambiente, conforme sua interpretação e decodificação de estímulos, para que responde e produza consequências, ou seja, produza uma funcionalidade no meio ambiente, característica comportamental justificada pela consciência, pela cultura, pelo conhecimento e pela realidade deste organismo no seu meio ambiente ou habitat. Percebemos boas respostas musicais destas crianças como produtos de um protosself capaz de produzir a sua consciência, sediada no tronco cerebral e não no córtex cerebral, no tálamo e nos gânglios basais.

Outro comportamento que distingue a consciência destas crianças se passa quando elas têm convulsão e a sua consciência se apaga durante a convulsão, retornando apenas depois dela, indicando que a consciência destas crianças é bastante elementar, tornando-as incapazes de responder funcionalmente e de reconhecerem a topografia do estímulo, da resposta e da consequência durante a convulsão.

As camadas profundas do colículo superior contêm, além de um mapa do mundo visual, mapas topográficos de informações auditivas e somáticas, estas últimas provenientes da medula espinhal e do hipotálamo. As três variedades de mapas - visuais, auditivos e somáticos - têm um registro espacial. Isso significa que são empilhadas de modo tão preciso que as informações disponíveis em um mapa para, por exemplo, a visão correspondem às informações, em outro mapa, relacionadas à audição ou ao estado do corpo. Em nenhum outro lugar do cérebro informações fornecidas pela visão, audição e vários aspectos do estado do corpo apresentam tamanho grau de sobreposição, oferecendo a perspectiva de integração. Essa integração torna-se ainda mais significativa porque seus resultados podem ter acesso ao sistema motor (por intermédio das estruturas próximas na matéria cinzenta periaquedutal e via córtex cerebral). Estas informações fornecidas pela visão, audição e vários aspectos do corpo que se sobrepõem apresentam uma topografia espacial para seus estímulos, respostas e consequências que orientam o corpo e o seu sistema motor por meio das estruturas próximas na matéria cinzenta periaquedutal e via córtex cerebral.

Essa poderosa integração de sinais está a serviço de um propósito óbvio e imediato: coligir informações necessárias para guiar uma ação eficaz, seja o movimento dos olhos, dos membros ou da língua. Isso é alcançado graças a ricas conexões que vão dos colículos a todas as regiões cerebrais necessárias para guiar os movimentos eficazmente, no tronco cerebral, medula espinhal, tálamo e córtex cerebral. Mas, além de possibilitar a orientação bem-sucedida dos movimentos, é possível que existam consequências mentais "internas" desse útil mecanismo. Muito provavelmente, os mapas integrados produzidos no próprio colículo superior também geram imagens - nada que se compare à riqueza daquelas criadas no córtex cerebral, mas ainda assim imagens. Algo dos princípios da mente provavelmente pode ser encontrado aqui, e quem sabe também algo dos princípios do self. Os diversos mapas cerebrais construídos através da topografia espacial da visão, da audição e de vários aspectos do corpo que se sobrepõem formam mapas integrados que geram imagens no colículo superior, porém nada comparável à riqueza das imagens produzidas no córtex cerebral, que ainda está sem imagens, temos aqui os princípios do self e da consciência, fornecidos por mecanismos de funcionalidade comportamental e adaptativa destes elementos e aspectos do corpo.

            Ver apenas com os colículos depois de ter perdido os córtices visuais possivelmente consiste em perceber que algum objeto não especificado está se movendo em um dos quadrantes da visão - afastando-se, digamos, ou se aproximando. Em nenhum dos casos a pessoa será capaz de descrever mentalmente o objeto, e talvez nem mesmo esteja consciente dele. Estamos falando aqui de uma mente muito vaga, coligindo informações superficiais sobre o mundo, embora o fato de as imagens serem imprecisas e incompletas não as torne inúteis ou inválidas, como atestam os pacientes com visão cega. Mas quando a ausência dos córtices visuais é congênita, como nos casos dos pacientes hidranencefálicos já mencionados, os colículos superior e inferior podem dar contribuições mais substanciais ao processo mental. A funcionalidade dos processos determina a natureza dos estímulos, das respostas e das consequências produzidas nas relações dos pacientes estudados.

Devo acrescentar um último fato às evidências que nos aconselham a promover o colículo superior a contribuidor da mente. O colículo superior produz oscilações elétricas na banda gama, um fenômeno que foi associado à ativação sincrônica de neurônios e que, na hipótese do neurofisiologista Wolf Singer, é um correlato da percepção coerente, possivelmente até da consciência. Pelo que sabemos até o presente, o colículo superior é a única região do cérebro fora do córtex que apresenta oscilações na banda gama. Vemos que existe uma funcionalidade do tipo S – R – C, estímulo – resposta – consequência, ou seja, ativação sincrônica de neurônios (estímulo) – percepção coerente (resposta) – consciência (consequência), no colículo superior, uma região fora do córtex cerebral, a única região fora do córtex cerebral que apresenta oscilações na banda gama. (MATTANÓ;05/09/2024).

 

 

 

 

 

MAIS PRÓXIMO DA GERAÇÃO DA MENTE?

 

O quadro que emerge da exposição acima indica que a produção da mente é uma atividade altamente seletiva. Não existe uma participação uniforme de todo o sistema nervoso central no processo. Certas regiões não participam, algumas estão envolvidas mas não são os agentes principais, e algumas fazem o grosso do trabalho. Entre estas últimas, algumas fornecem imagens minuciosas, outras produzem um tipo simples mas fundamental de imagens, por exemplo os sentimentos corporais. Todas as regiões envolvidas na geração da mente têm padrões de intenectividade altamente diferenciados, sugerindo uma integração de sinais muito complexa.

 

Contrastar o conjunto de regiões que contribuem e não contribuem para a produção da mente não nos diz que tipo de sinais os neurônios têm de produzir, não especifica as frequências ou intensidades dos disparos neuronais nem os padrões de coalizão entre grupos de neurônios. Mas nos indica certos aspectos do diagrama de

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conexões que os neurônios requerem para participar da produção da mente. Por exemplo, os sítios corticais geradores da mente são agrupamentos de regiões interligadas organizadas próximo à porta de entrada de inputs enviados por sondas sensitivas periféricas. Os sítios subcorticais geradores da mente também são grupos de regiões fortemente interligadas, neste caso núcleos, e também se organizam ao redor de inputs que chegam de outra "periferia", o próprio corpo.

 

Outro requisito, que se aplica tanto ao córtex cerebral como aos núcleos subcorticais: tem de haver uma vasta inteRCDnectividade entre as regiões produtoras da mente para que a recursividade prevaleça e seja possível uma grande complexidade de sinalizações recíprocas entre as regiões, uma característica que, no caso do córtex, é ampliada pela interligação corticotalâmica. (Os termos "reentrante" e "recursivo" referem-se à sinalização que, em vez de apenas avançar por uma única cadeia, também retorna à origem, voltando ao grupo de neurônios onde começa cada elemento da cadeia). As regiões corticais produtoras da mente também recebem numerosos inputs de diversos núcleos situados inferiormente, alguns no tronco cerebral, outros no tálamo; eles modulam a atividade cortical por meio de neuromoduladores (como as catecolaminas) e neurotransmissores (como o glutamato).

 

Finalmente, é preciso que a sinalização apresente certa coordenação temporal para que os elementos de um estímulo que chegam juntos à sonda sensitiva periférica possam manter-se juntos enquanto os sinais são processados no cérebro. Para que surjam estados mentais, pequenos circuitos neuronais têm de comportar-se de modo muito singular. Por exemplo, em pequenos circuitos cuja atividade indica que determinada característica está presente, os neurônios aumentam seu ritmo de disparo. Os conjuntos de neurônios que estão

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trabalhando juntos para indicar alguma combinação de características precisam sincronizar suas taxas de disparo. Isso foi demonstrado pela primeira vez em macacos, por Wolf Singer e colegas (e também por R. Eckhorn). Eles constataram que as regiões separadas do córtex visual envolvidas no processamento do mesmo objeto apresentavam atividade sincronizada na faixa de 40 Hz.17 Provavelmente essa sincronização é obtida graças a oscilações na atividade neuronal. Quando o cérebro está formando imagens perceptuais, os neurônios das regiões separadas que contribuem para a percepção mostram oscilações sincronizadas na banda de alta frequência gama. Isso pode ser parte do segredo por trás da "ligação" de regiões separadas por meio do tempo; recorrerei a esse tipo de mecanismo para explicar o funcionamento das zonas de convergência-divergência (capítulo 6) e a formação do self (capítulos 8, 9 e 10).18 Em outras palavras, além de construir mapas complexos em diversos locais separados, o cérebro tem de relacionar esses mapas uns aos outros em conjuntos coerentes. A coordenação temporal pode muito bem ser a chave para o estabelecimento dessas relações.

 

Em resumo, a ideia de um mapa como uma entidade separada é meramente uma abstração útil. A abstração esconde o número imenso de interconexões neuronais que estão envolvidas em cada região separada e que geram um grau enorme de complexidade na sinalização. O que vivenciamos como estados mentais não corresponde apenas à atividade em uma área cerebral delimitada, mas ao resultado de uma vasta sinalização recursiva envolvendo várias regiões. No entanto, como explicarei no capítulo 6, os aspectos explícitos de certos conteúdos mentais - dado rosto, certa voz - provavelmente são coligidos em um conjunto específico de regiões cerebrais cuja estrutura presta-se à montagem de mapas, embora com a ajuda de114/443

 

outras regiões. Em outras palavras, existe alguma especificidade anatômica por trás da produção da mente, alguma sutil diferenciação funcional no turbilhão da complexidade neural global.

Em nosso empenho para entender a base neural da mente, podemos muito bem nos perguntar se o que foi exposto acima é boa ou má notícia. Há dois modos de responder a essa questão. Um é sentir certo desânimo diante dessa vertiginosa confusão e perder a esperança de que, algum dia, um padrão nítido e evidente possa vir a ser vislumbrado nesse pandemônio biológico. Mas também se pode acolher de bom grado a complexidade, percebendo que o cérebro precisa dessa aparente balbúrdia para gerar algo tão rico, fluente e adaptativo como os estados mentais. Escolho a segunda opção. Seria para mim muito difícil acreditar que um mapa delimitado em uma única região cortical poderia, sozinho, permitir que eu ouvisse as partituras para piano de Bach ou contemplar o Grande Canal de Veneza, muito menos apreciá-los e descobrir seu significado no grande esquema da vida. No que respeita ao cérebro, menos é mais só quando queremos comunicar a essência de um fenômeno. Senão, mais sempre é melhor.

Mattanó aponta que em resumo, a ideia de um mapa como uma entidade separada é meramente uma abstração útil. A abstração esconde o número imenso de interconexões neuronais que estão envolvidas em cada região separada e que geram um grau enorme de complexidade na sinalização. O que vivenciamos como estados mentais não corresponde apenas à atividade em uma área cerebral delimitada, mas ao resultado de uma vasta sinalização recursiva envolvendo várias regiões. No entanto, como explicarei no capítulo 6, os aspectos explícitos de certos conteúdos mentais - dado rosto, certa voz - provavelmente são coligidos em um conjunto específico de regiões cerebrais cuja estrutura presta-se à montagem de mapas, embora com a ajuda de outras regiões. Em outras palavras, existe alguma especificidade anatômica por trás da produção da mente, alguma sutil diferenciação funcional no turbilhão da complexidade neural global. Vemos aqui uma interconectividade que pode definir a mente pela sua funcionalidade S – R – C, estímulo – resposta – consequência, que por sua vez seleciona um neurônio numa região ou área do cérebro que desencadeia a interconectividade como resposta, porém interconectividade que responde a padrões de mapeamento através de caminhos cognitivos ou caminhos cerebrais que devido ao número de conexões neuronais acaba ajudando a definir o quociente intelectual ou a inteligência do indivíduo, pois o indivíduo mais inteligente é sempre aquele que aprendeu mais do que os  outros com sua experiência e para isto ele precisa de muitos caminhos cognitivos ou caminhos cerebrais como resposta para o mesmo estímulo, problema ou adversidade, e assim alcançar o seu reforço que são as consequências do seu comportamento, da sua resposta, das suas conexões cerebrais ou interconectividade, que são, justamente o prazer e o reforço ou a dor e a punição, para chegar e manter ou equilibrar sua homeostase, revelando que a interconectividade cerebral tem por finalidade manter a homeostase do organismo, sua evolução, seleção e competição, num trabalho adaptativo comportamental, fisiológico e morfológico.

Há dois modos de responder a essa questão. Um é sentir certo desânimo diante dessa vertiginosa confusão e perder a esperança de que, algum dia, um padrão nítido e evidente possa vir a ser vislumbrado nesse pandemônio biológico. Mas também se pode acolher de bom grado a complexidade, percebendo que o cérebro precisa dessa aparente balbúrdia para gerar algo tão rico, fluente e adaptativo como os estados mentais. Escolho a segunda opção. Seria para mim muito difícil acreditar que um mapa delimitado em uma única região cortical poderia, sozinho, permitir que eu ouvisse as partituras para piano de Bach ou contemplar o Grande Canal de Veneza, muito menos apreciá-los e descobrir seu significado no grande esquema da vida. No que respeita ao cérebro, menos é mais só quando queremos comunicar a essência de um fenômeno. Senão, mais sempre é melhor. Ou seja, isolar um neurônio, área ou região do cérebro para explicar um comportamento do indivíduo transforma o cérebro num organismo repleto de estruturas e órgãos e não num sistema operante que aprende, condiciona e ensina o organismo a se comportar, até mesmo fisiologicamente e morfologicamente, neste processo o sistema nervoso central pode até mesmo criar formas de se comportar, e responder fisiologicamente e morfologicamente, pode também extinguir comportamentos, processos fisiológicos e morfológicos como na puberdade, na andropausa e na menopausa graças sua interconectividade.

E é esta interconectividade quem cria uma rede de significados e sentidos inconscientes, subconscientes e comportamentais, uma consciência, cultura, conhecimento e realidade, uma rede de arquétipos, e um inconsciente pessoal e um inconsciente coletivo, além de contingências que modelam o comportamento, relações sociais, niilismos, substituições, Gestalt e insights, delírios e alucinações, traumas e complexos, imago materna, paterna e fraterna, ritos e mitos, material folclórico, tesouros, contos de fada, chistes, piadas, humor, charges e caricaturas, fantasias, lapsos de linguagem, atos falhos e esquecimentos, argumentação e linguagem, topografia visual e acústica cerebral, símbolos e uma simbologia, funcionalidade, conceitos, contextos, uma hermenêutica, semiótica, semântica, alfabetização, musicalização, equivalência de estímulos, quadros relacionais, condicionamentos comportamentais, comportamento verbal de falante e de ouvinte, de estilo de vida e de analista e intérprete do inconsciente, do comportamento, do subconsciente e da consciência.    (MATTANÓ; 20/10/2024).

 

 

 

 

 

 

  1. O corpo na mente

 

O TEMA DA MENTE

 

Antes que a consciência passasse a ser vista como o problema central nos estudos sobre mente e cérebro, um assunto afim, conhecido como o problema mente-corpo, dominou o debate intelectual. Esse tópico permeou, de uma forma ou de outra, o pensamento de filósofos e cientistas, desde Descartes e Espinosa até o presente. O esquema funcional descrito no capítulo 3 deixa clara minha posição nesse problema: a capacidade do cérebro para criar mapas é um elemento essencial da solução. Em resumo, nosso cérebro complexo produz naturalmente, com mais ou menos detalhes, mapas explícitos das estruturas que compõem o corpo. Por força, também mapeia de modo natural os estados funcionais que esses componentes do corpo assumem. Uma vez que, como vimos, os mapas cerebrais são a base das imagens mentais, o cérebro criador de mapas tem o poder de literalmente introduzir o corpo como um conteúdo do processo mental. Graças ao cérebro, o corpo torna-se um tema natural da mente.

 

Mas esse mapeamento do corpo pelo cérebro tem um aspecto singular e sistematicamente menosprezado: embora o corpo seja a coisa mapeada, ele nunca perde o contato com a entidade mapeadora, o cérebro. Em circunstâncias normais, os dois estão ligados do nascimento à morte. Igualmente importante é o fato de que as imagens mapeadas do corpo têm um modo de influenciar permanentemente o próprio corpo em que se originam. É uma situação sem igual. Não tem paralelo nas imagens mapeadas de objetos e fenômenos externos ao corpo, que nunca podem exercer influência direta sobre esses objetos e fenômenos. Acredito que qualquer teoria da consciência que

 

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não leve em conta esses fatos está fadada ao fracasso.

 

As razões por trás da ligação corpo-cérebro já foram expostas. A tarefa de gerir a vida consiste em gerir um corpo, e essa gestão torna-se mais precisa e eficiente graças à presença de um cérebro - especificamente, graças aos circuitos de neurônios que trabalham na gestão. Afirmei que o tema dos neurônios é a vida e a gestão da vida em outras células do corpo, e que essa dedicação requer uma sinalização de mão dupla. Os neurônios atuam sobre outras células do corpo via mensagens químicas ou excitação de músculos, mas para cumprir sua missão precisam de inspiração, digamos assim, fornecida pelo próprio corpo que eles devem impelir. Em cérebros simples, o corpo inspira simplesmente sinalizando a núcleos subcorticais. Esses núcleos possuem "know-how dispositivo", um tipo de conhecimento que não requer representações mapeadas minuciosas. Mas no cérebro complexo os córtices cerebrais criadores de mapas descrevem o corpo e suas ações em detalhes tão explícitos que o dono do cérebro torna-se capaz, por exemplo, de "imaginar" a forma de seus membros e sua posição no espaço, ou o fato de que seu cotovelo ou estômago está doendo.

 

Trazer o corpo à mente é a suprema expressão do tema intrínseco do cérebro, da sua atitude intencional em relação ao corpo, para expressar a ideia em termos ligados ao pensamento de filósofos como Franz Brentano.1 Para Brentano, a atitude intencional era a marca registrada dos fenômenos mentais, e os fenômenos físicos não tinham atitudes intencionais nem tema. Pelo visto, essa ideia não está correta. Como dissemos no capítulo 2, os organismos unicelulares também parecem ter intenções e praticamente nesse mesmo sentido. Em outras palavras, nem o cérebro como um todo nem o organismo unicelular tenciona algo deliberadamente com seu comportamento,

 

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mas o modo como funcionam dá essa impressão. Essa é mais uma razão para negarmos o abismo intuitivo entre os mundos mental e físico.2 Nesse aspecto, pelo menos, ele não existe.

 

O fato de o cérebro ter o corpo como tema traz duas outras consequências espetaculares, que também são indispensáveis para que possamos decifrar os enigmas da mente-corpo e da consciência. O disseminado e minucioso mapeamento do corpo abrange não só o que costumamos considerar como o corpo propriamente dito - o sistema musculoesquelético, os órgãos internos, o meio interno -, mas também os mecanismos especiais da percepção localizados em zonas específicas do corpo, seus postos avançados de espionagem: as mucosas do olfato e do paladar, os elementos táteis da pele, os ouvidos, os olhos. Esses mecanismos fazem parte do corpo tanto quanto o coração e as vísceras, porém ocupam posições privilegiadas. Digamos que eles são como diamantes incrustados numa joia. Todos esses mecanismos têm uma parte feita de "carne simples" (a armação para os diamantes) e outra feita de delicadas e especiais "sondas neurais" (os diamantes). Exemplos importantes da armação são a orelha interna, o canal auricular, a orelha média com seus ossículos e a membrana timpânica, a pele e os músculos ao redor dos olhos e os vários componentes do globo ocular além da retina, como o cristalino e a pupila. Exemplos das delicadas sondas neurais são a cóclea na orelha interna, com suas complexas células ciliadas e capacidades de mapeamento sonoro, e a retina na parte posterior do globo ocular, sobre a qual são projetadas as imagens ópticas. A combinação de "carne" e sonda neural constitui uma fronteira do corpo. Os sinais provenientes do mundo precisam atravessar essa fronteira para entrar no cérebro. Não têm como entrar diretamente.

 

Em razão desse curioso esquema, a representação do mundo

 

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externo ao corpo só pode entrar no cérebro por intermédio do corpo, melhor dizendo, de sua superfície. O corpo interage com o meio circundante, e as mudanças causadas no corpo pela interação são mapeadas no cérebro. Sem dúvida é verdade que a mente toma conhecimento do mundo exterior por intermédio do cérebro, mas é igualmente verdade que o cérebro só pode obter informações por meio do corpo.

 

A segunda consequência especial do fato de o tema do cérebro ser o corpo também é notável: mapeando seu corpo de modo integrado, o cérebro consegue criar o componente fundamental daquilo que virá a ser o self. Veremos que o mapeamento do corpo é a chave para elucidar o problema da consciência.

 

Finalmente, como se os fatos acima já não fossem extraordinários, as estreitas relações entre o corpo e o cérebro são essenciais para compreendermos outra coisa que é fundamental em nossa vida: os sentimentos espontâneos do corpo, as emoções e os sentimentos emocionais.

 

Mattanó aponta que nosso cérebro complexo produz naturalmente, com mais ou menos detalhes, mapas explícitos das estruturas que compõem o corpo. Por força, também mapeia de modo natural os estados funcionais que esses componentes do corpo assumem. Uma vez que, como vimos, os mapas cerebrais são a base das imagens mentais, o cérebro criador de mapas tem o poder de literalmente introduzir o corpo como um conteúdo do processo mental. Graças ao cérebro, o corpo torna-se um tema natural da mente. Vemos que o cérebro capacita o corpo organizar e reorganizar o comportamento e as relações de indivíduo, sejam, sociais, gestálticas, escolares, de aprendizagem, de auto-atualização, de auto-realização, de cognição, de transcendência, de psique inconsciente, de subconsciente, de consciência ou de pré-consciente, de existência, de trabalho, de institucionalização, de estilo de vida, etc., com sua mente e sua personalidade, selecionando comportamentos para que possa competir no esquema social ou na sociedade.

        A tarefa de gerir a vida consiste em gerir um corpo, e essa gestão torna-se mais precisa e eficiente graças à presença de um cérebro - especificamente, graças aos circuitos de neurônios que trabalham na gestão. Afirmei que o tema dos neurônios é a vida e a gestão da vida em outras células do corpo, e que essa dedicação requer uma sinalização de mão dupla. Os neurônios atuam sobre outras células do corpo via mensagens químicas ou excitação de músculos, mas para cumprir sua missão precisam de inspiração, digamos assim, fornecida pelo próprio corpo que eles devem impelir. Em cérebros simples, o corpo inspira simplesmente sinalizando a núcleos subcorticais. Esses núcleos possuem "know-how dispositivo", um tipo de conhecimento que não requer representações mapeadas minuciosas. Mas no cérebro complexo os córtices cerebrais criadores de mapas descrevem o corpo e suas ações em detalhes tão explícitos que o dono do cérebro torna-se capaz, por exemplo, de "imaginar" a forma de seus membros e sua posição no espaço, ou o fato de que seu cotovelo ou estômago está doendo. Vemos que o cérebro humano é capaz de gerir o corpo e gerir a vida do mesmo através da sua interconectividade e da sua funcionalidade, de circuitos de neurônios que trabalham em interatividade através da gestão de outras células do corpo com neurônios que atuam sobre outras células do corpo e enviam mensagens químicas ou excitação de músculos, isto em função da funcionalidade comportamental, fisiológica e morfológica dessas mensagens químicas ou excitação de músculos que geram consequências; o dono do cérebro torna-se capaz, por exemplo, de "imaginar" a forma de seus membros e sua posição no espaço, ou o fato de que seu cotovelo ou estômago está doendo, através de um "know-how dispositivo", um tipo de conhecimento que não requer representações mapeadas minuciosas.

        O fato de o cérebro ter o corpo como tema traz duas outras consequências espetaculares, que também são indispensáveis para que possamos decifrar os enigmas da mente-corpo e da consciência. O disseminado e minucioso mapeamento do corpo abrange não só o que costumamos considerar como o corpo propriamente dito - o sistema musculoesquelético, os órgãos internos, o meio interno -, mas também os mecanismos especiais da percepção localizados em zonas específicas do corpo, seus postos avançados de espionagem: as mucosas do olfato e do paladar, os elementos táteis da pele, os ouvidos, os olhos. Esses mecanismos fazem parte do corpo tanto quanto o coração e as vísceras, porém ocupam posições privilegiadas. Vemos que os mecanismos avançados de espionagem do nosso corpo ocupam posições diferentes em nosso corpo, sendo mecanismos interoceptivos, exteroceptivos e proprioceptivos que agem e trabalham conforme os estímulos e sua funcionalidade operacional, desencadeando o que nomeamos de ¨espionagem¨.

        Em razão desse curioso esquema, a representação do mundo externo ao corpo só pode entrar no cérebro por intermédio do corpo, melhor dizendo, de sua superfície. O corpo interage com o meio circundante, e as mudanças causadas no corpo pela interação são mapeadas no cérebro. Sem dúvida é verdade que a mente toma conhecimento do mundo exterior por intermédio do cérebro, mas é igualmente verdade que o cérebro só pode obter informações por meio do corpo. Vemos que o cérebro e a mente só podem obter conhecimento,  consciência, cultura e realidade através do corpo, e que a interconectividade cerebral depende do cérebro para que seja realizada, e que ela pode não depender da consciência em casos de perda desta.

        A segunda consequência especial do fato de o tema do cérebro ser o corpo também é notável: mapeando seu corpo de modo integrado, o cérebro consegue criar o componente fundamental daquilo que virá a ser o self. Veremos que o mapeamento do corpo é a chave para elucidar o problema da consciência. Vemos que através do self o corpo torna-se presente e reconhecido, mapeado e consciente, portador de significados  e de sentidos, de uma funcionalidade.

Finalmente, como se os fatos acima já não fossem extraordinários, as estreitas relações entre o corpo e o cérebro são essenciais para compreendermos outra coisa que é fundamental em nossa vida: os sentimentos espontâneos do corpo, as emoções e os sentimentos emocionais. Vemos que o corpo e o cérebro reservam mais operações, dentre elas os sentimentos espontâneos do corpo, as emoções e os sentimentos emocionais, e que estas operações também seus significados e sentidos inconscientes e conscientes, e a sua funcionalidade na medida em que ajudam o indivíduo a resolver problemas e se adaptar ao meio ambiente de maneira otimizada, porém estas operações através da consciência podem causar traumas e complexos, problemas comportamentais e inconscientes de toda ordem que hão de se transformar em transtornos mentais. (MATTANÓ; 25/10/2024).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O MAPEAMENTO DO CORPO

 

Como é que o cérebro mapeia o corpo? Tratando o corpo propriamente dito e as suas partes como qualquer outro objeto, poderíamos dizer, mas isso não faria justiça à questão. Isso porque, para o cérebro, o corpo propriamente dito é mais do que apenas um objeto qualquer: ele é o objeto central do mapeamento, o primeiríssimo foco de sua atenção. (Sempre que possível, uso o termo "corpo" para designar o "corpo propriamente dito" e deixar de lado o cérebro. É óbvio que o cérebro também faz parte do corpo, mas ele tem um status especial: é a parte capaz de se comunicar com todas as outras partes do119/443

 

corpo, e com a qual todas as demais partes se comunicam).

 

William James intuiu o grau em que o corpo seria trazido à mente, mas não podia saber como se revelariam intricados os mecanismos responsáveis pela transferência corpo-cérebro.3 O corpo usa sinais químicos e neurais para se comunicar com o cérebro, e o conjunto das informações transmitidas é maior e mais pormenorizado do que-James poderia ter suposto. Aliás, hoje estou convencido de que meramente falar em comunicação corpo-cérebro é deixar de fora o essencial. Embora parte da sinalização do corpo para o cérebro resulte em um mapeamento direto (por exemplo, o mapeamento da posição de um membro no espaço), uma parte substancial da sinalização é primeiro submetida a tratamento em núcleos subcorticais, na medula espinhal e especialmente no tronco cerebral, que não devem ser concebidos como estações intermediárias para os sinais do corpo a caminho do córtex cerebral. Como veremos na próxima seção, algo é adicionado nesse estágio intermediário. Isso é importante quando se trata dos sinais relacionados ao interior do corpo que virão a constituir os sentimentos. Além disso, os aspectos da estrutura física e do funcionamento do corpo estão gravados em circuitos cerebrais, desde o início do desenvolvimento, e geram padrões persistentes de atividade. Em outras palavras, alguma versão do corpo é permanentemente recriada na atividade cerebral. A heterogeneidade do corpo é imitada no cérebro, um dos mais fortes indícios da dedicação do cérebro ao corpo. Por fim, o cérebro pode fazer mais do que meramente mapear, com maior ou menor fidelidade, os estados que estão ocorrendo no momento: ele pode transformar os estados corporais e, mais dramaticamente, simular estados corporais que ainda não ocorreram.

 

Um leigo em neurociência poderia supor que o corpo funciona

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como uma unidade, um pedaço único de carne ligado ao cérebro por fios vivos que chamamos de nervos. A realidade é bem outra. O corpo tem numerosos compartimentos separados. É verdade que as vísceras, às quais se dá tanta atenção, são essenciais. Exemplos de vísceras são: coração, pulmões, intestino, fígado e pâncreas, boca, língua e garganta, glândulas endócrinas (por exemplo, pituitária, tireoide, adrenais), ovários e testículos. Mas é preciso incluir nessa lista outras vísceras menos comumente mencionadas: um órgão também vital porém menos reconhecido, a pele, que envolve todo o nosso organismo, a medula óssea e dois espetáculos dinâmicos chamados sangue e linfa. Todos esses compartimentos são indispensáveis para o funcionamento normal do corpo.

 

Talvez não seja de surpreender que o pensamento humano em tempos mais antigos, por ser menos integrado e refinado que o atual, percebesse facilmente a realidade divisa e fragmentada do nosso corpo, como nos levam a crer as palavras que chegaram até nós através de Homero. Os humanos da Ilíada não falam em um corpo inteiro (soma), mas em partes do corpo, isto é, membros. Sangue, respiração e funções viscerais são designados pela palavra "psique", ainda não convocada para denotar "mente" ou "alma". A animação que impele o corpo, provavelmente misturada ao impulso e à emoção, é thumos e phren.4

 

A comunicação corpo-cérebro é de mão dupla, do corpo para o cérebro e vice-versa. No entanto, essas duas vias de comunicação não são simétricas. Os sinais do corpo ao cérebro, neurais e químicos, permitem ao cérebro criar e manter um documentário multimídia sobre o corpo e permitem ao corpo alertar o cérebro sobre mudanças importantes que estão ocorrendo em sua estrutura e em seu estado. O meio interno - o banho em que habitam todas as células do corpo e121/443

 

do qual as químicas do sangue são uma expressão - também envia sinais ao cérebro, não por intermédio dos nervos, mas de moléculas químicas, que interferem diretamente em certas partes do cérebro moldadas para receber suas mensagens. Portanto, o conjunto das informações transmitidas ao cérebro é vastíssimo. Inclui, por exemplo, o estado de contração ou dilatação de músculos lisos (os músculos que formam, entre outras coisas, as paredes das artérias, do intestino e dos brônquios), a quantidade de oxigênio e dióxido de carbono concentrada em dada região do corpo, a temperatura e o pH em vários locais, a presença de moléculas químicas tóxicas etc. Em outras palavras, o cérebro sabe qual era o estado passado do corpo e pode ser informado sobre as modificações que estiverem ocorrendo nesse estado. Estas últimas são essenciais para que o cérebro possa gerar respostas corretivas a mudanças que ameaçam a vida. Já os sinais do cérebro para o corpo, tanto neurais como químicos, consistem em comandos para mudar o corpo. Este diz ao cérebro: é assim que sou construído e é assim que você me vê agora. O cérebro diz ao corpo o que fazer para manter-se estável e equilibrado. Independentemente do que for requerido, ele também diz ao corpo como construir um estado emocional.

 

O corpo, entretanto, é mais do que os seus órgãos internos e meio interno. Também possui músculos, e eles são de dois tipos: lisos e estriados. A variedade estriada vista ao microscópio apresenta "faixas" (as estrias), que não se veem na variedade lisa. Os músculos lisos são evolucionariamente antigos e só são encontrados em vísceras - a contração e distensão em nossos intestinos e brônquios devem-se a músculos lisos. Boa parte das paredes das nossas artérias é feita de músculos lisos - nossa pressão sanguínea sobe quando eles se contraem ao redor da artéria. Em contraste, os músculos estriados são122/443

 

ligados aos ossos do esqueleto e produzem os movimentos do corpo na parte externa. A única exceção a esse esquema é o coração, que também é feito de fibras musculares estriadas e cujas contrações servem não para movimentar o corpo, mas para bombear o sangue. Sinais que descrevem o estado do coração são enviados a sítios cerebrais dedicados às vísceras, e não aos que estão relacionados ao movimento.

 

Quando músculos esqueléticos são ligados a dois ossos articulados por uma junta, o encurtamento de suas fibras gera movimento. Pegar um objeto, andar, falar, respirar e comer são, todas, ações que dependem da contração e distensão de músculos esqueléticos. Sempre que tais contrações ocorrem, muda a configuração do corpo. Salvo os momentos de total imobilidade, que são infrequentes no estado de vigília, a configuração do corpo no espaço muda continuamente, e o mapa do corpo representado no cérebro sofre mudanças correspondentes.

 

Para controlar os movimentos com precisão, o corpo deve transmitir instantaneamente ao cérebro informações acerca do estado de contração de músculos esqueléticos. Isso requer trajetos nervosos eficientes, os quais são evolucionariamente mais modernos do que os que transmitem os sinais das vísceras e do meio interno. Esses trajetos chegam a regiões cerebrais dedicadas a detectar o estado desses músculos.

Como dissemos, o cérebro também envia mensagens ao corpo. De fato, muitos aspectos dos estados corporais que são continuamente mapeados no cérebro foram primeiro causados por sinais do cérebro ao corpo. Como no caso da comunicação do corpo para o cérebro, este fala ao corpo por canais neurais e químicos. Os canais neurais usam nervos, cujas mensagens levam à contração de

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músculos e à execução de ações. Os canais químicos envolvem hormônios, como cortisol, testosterona e estrogênio. A liberação de hormônios muda o meio interno e o funcionamento das vísceras.

Corpo e cérebro executam uma dança interativa contínua. Pensamentos implementados no cérebro podem induzir estados emocionais que são implementados no corpo, enquanto este pode mudar a paisagem cerebral e, assim, a base para os pensamentos. Os estados cerebrais, que correspondem a certos estados mentais, levam à ocorrência de determinados estados corporais; os estados do corpo são então mapeados no cérebro e incorporados aos estados mentais correntes. Uma pequena alteração no lado do cérebro nesse sistema pode ter consequências importantes para o estado do corpo (pense na liberação de qualquer hormônio); analogamente, uma pequena alteração no estado do corpo (pense numa restauração dental quebrada) pode ter um efeito importante sobre a mente assim que a mudança é mapeada e percebida como uma dor aguda.

 

Mattanó aponta que o cérebro também faz parte do corpo, mas ele tem um status especial: é a parte capaz de se comunicar com todas as outras partes do corpo, e com a qual todas as demais partes se comunicam). O corpo usa sinais químicos e neurais para se comunicar com o cérebro, e o conjunto das informações transmitidas parte da sinalização do corpo para o cérebro que resulta em um mapeamento direto (por exemplo, o mapeamento da posição de um membro no espaço), uma parte substancial da sinalização é primeiro submetida a tratamento em núcleos subcorticais, na medula espinhal e especialmente no tronco cerebral, que não devem ser concebidos como estações intermediárias para os sinais do corpo a caminho do córtex cerebral. Como veremos na próxima seção, algo é adicionado nesse estágio intermediário. Isso é importante quando se trata dos sinais relacionados ao interior do corpo que virão a constituir os sentimentos. Além disso, os aspectos da estrutura física e do funcionamento do corpo estão gravados em circuitos cerebrais, desde o início do desenvolvimento, e geram padrões persistentes de atividade. Em outras palavras, alguma versão do corpo é permanentemente recriada na atividade cerebral. A heterogeneidade do corpo é imitada no cérebro, um dos mais fortes indícios da dedicação do cérebro ao corpo. Por fim, o cérebro pode fazer mais do que meramente mapear, com maior ou menor fidelidade, os estados que estão ocorrendo no momento: ele pode transformar os estados corporais e, mais dramaticamente, simular estados corporais que ainda não ocorreram. Vemos que o cérebro desenvolve uma funcionalidade em suas áreas, inclusive no tronco cerebral, da medula espinhal e do córtex cerebral que funcionam em interconectividade, transformando estados corporais em estados mapeados ou em mapas cerebrais que ocorreram ou que ainda não ocorreram, por exemplo, capacitando ao cérebro uma consciência, cultura, conhecimento e realidade que funcionam em função da sua homeostase.

O corpo tem numerosos compartimentos separados. É verdade que as vísceras, às quais se dá tanta atenção, são essenciais. Exemplos de vísceras são: coração, pulmões, intestino, fígado e pâncreas, boca, língua e garganta, glândulas endócrinas (por exemplo, pituitária, tireoide, adrenais), ovários e testículos. Mas é preciso incluir nessa lista outras vísceras menos comumente mencionadas: um órgão também vital porém menos reconhecido, a pele, que envolve todo o nosso organismo, a medula óssea e dois espetáculos dinâmicos chamados sangue e linfa. Todos esses compartimentos são indispensáveis para o funcionamento normal do corpo. Todos esses compartimentos apresentam sua funcionalidade e adaptação comportamental,  fisiológica e morfológica que podem ser estudadas separadamente.

A comunicação corpo-cérebro é de mão dupla, do corpo para o cérebro e vice-versa. No entanto, essas duas vias de comunicação não são simétricas. Os sinais do corpo ao cérebro, neurais e químicos, permitem ao cérebro criar e manter um documentário multimídia sobre o corpo e permitem ao corpo alertar o cérebro sobre mudanças importantes que estão ocorrendo em sua estrutura e em seu estado. O meio interno - o banho em que habitam todas as células do corpo e do qual as químicas do sangue são uma expressão - também envia sinais ao cérebro, não por intermédio dos nervos, mas de moléculas químicas, que interferem diretamente em certas partes do cérebro moldadas para receber suas mensagens. Portanto, o conjunto das informações transmitidas ao cérebro é vastíssimo. Inclui, por exemplo, o estado de contração ou dilatação de músculos lisos (os músculos que formam, entre outras coisas, as paredes das artérias, do intestino e dos brônquios), a quantidade de oxigênio e dióxido de carbono concentrada em dada região do corpo, a temperatura e o pH em vários locais, a presença de moléculas químicas tóxicas etc. Em outras palavras, o cérebro sabe qual era o estado passado do corpo e pode ser informado sobre as modificações que estiverem ocorrendo nesse estado. Estas últimas são essenciais para que o cérebro possa gerar respostas corretivas a mudanças que ameaçam a vida. Já os sinais do cérebro para o corpo, tanto neurais como químicos, consistem em comandos para mudar o corpo. Este diz ao cérebro: é assim que sou construído e é assim que você me vê agora. O cérebro diz ao corpo o que fazer para manter-se estável e equilibrado. Independentemente do que for requerido, ele também diz ao corpo como construir um estado emocional. Vemos que o cérebro é o responsável pela sua funcionalidade e pela sua adaptação quando reconhecemos que ele opera ou aprende diante da adaptação comportamental, fisiológica e morfológica que os nossos sensos operam através dos sensos interoceptivos, exteroceptivos e proprioceptivos, de modo a garantir e manter o equilíbrio homeostático corporal que é exigência para a sobrevivência, para a vida.

O corpo, entretanto, é mais do que os seus órgãos internos e meio interno. Também possui músculos, e eles são de dois tipos: lisos e estriados. A variedade estriada vista ao microscópio apresenta "faixas" (as estrias), que não se veem na variedade lisa. Os músculos lisos são evolucionariamente antigos e só são encontrados em vísceras - a contração e distensão em nossos intestinos e brônquios devem-se a músculos lisos. Boa parte das paredes das nossas artérias é feita de músculos lisos - nossa pressão sanguínea sobe quando eles se contraem ao redor da artéria. Em contraste, os músculos estriados são ligados aos ossos do esqueleto e produzem os movimentos do corpo na parte externa. A única exceção a esse esquema é o coração, que também é feito de fibras musculares estriadas e cujas contrações servem não para movimentar o corpo, mas para bombear o sangue. Sinais que descrevem o estado do coração são enviados a sítios cerebrais dedicados às vísceras, e não aos que estão relacionados ao movimento. Os sítios cerebrais dedicados às vísceras apresentam também a sua relação funcional S – R – C, pois diferentes estímulos podem desencadear diferentes respostas e diferentes consequências para o indivíduo.

Quando músculos esqueléticos são ligados a dois ossos articulados por uma junta, o encurtamento de suas fibras gera movimento. Pegar um objeto, andar, falar, respirar e comer são, todas, ações que dependem da contração e distensão de músculos esqueléticos. Sempre que tais contrações ocorrem, muda a configuração do corpo. Salvo os momentos de total imobilidade, que são infrequentes no estado de vigília, a configuração do corpo no espaço muda continuamente, e o mapa do corpo representado no cérebro sofre mudanças correspondentes. O mapa do corpo também tem sua funcionalidade na medida em que ele é produto dela e a partir dela adquire uma topografia  comportamental que descreve o comportamento no meio ambiente, configurando-o no espaço e no tempo.

Para controlar os movimentos com precisão, o corpo deve transmitir instantaneamente ao cérebro informações acerca do estado de contração de músculos esqueléticos. Isso requer trajetos nervosos eficientes, os quais são evolucionariamente mais modernos do que os que transmitem os sinais das vísceras e do meio interno. Esses trajetos chegam a regiões cerebrais dedicadas a detectar o estado desses músculos. Vemos  que para controlar os movimentos com precisão, temos que controlar o tempo e o espaço através de regiões cerebrais dedicadas a detectar o estado desses músculos, através também da sua funcionalidade, S – R – C, estímulo – resposta – consequência, que passa a ser reforçada ou punida e assim modelada comportamentalmente.

Como dissemos, o cérebro também envia mensagens ao corpo. De fato, muitos aspectos dos estados corporais que são continuamente mapeados no cérebro foram primeiro causados por sinais do cérebro ao corpo. Como no caso da comunicação do corpo para o cérebro, este fala ao corpo por canais neurais e químicos. Os canais neurais usam nervos, cujas mensagens levam à contração de músculos e à execução de ações. Os canais químicos envolvem hormônios, como cortisol, testosterona e estrogênio. A liberação de hormônios muda o meio interno e o funcionamento das vísceras. Vemos que os canais neurais e químicos assumem lugar de grande importância na execução das ações e no funcionamento das vísceras, inclusive na formação inconsciente e comportamental de significados e sentidos, de representações, através da análise funcional do comportamento que leva a discriminação dessas variáveis.

Corpo e cérebro executam uma dança interativa contínua. Pensamentos implementados no cérebro podem induzir estados emocionais que são implementados no corpo, enquanto este pode mudar a paisagem cerebral e, assim, a base para os pensamentos. Os estados cerebrais, que correspondem a certos estados mentais, levam à ocorrência de determinados estados corporais; os estados do corpo são então mapeados no cérebro e incorporados aos estados mentais correntes. Uma pequena alteração no lado do cérebro nesse sistema pode ter consequências importantes para o estado do corpo (pense na liberação de qualquer hormônio); analogamente, uma pequena alteração no estado do corpo (pense numa restauração dental quebrada) pode ter um efeito importante sobre a mente assim que a mudança é mapeada e percebida como uma dor aguda. Vemos que a mente e o corpo dependem uma do outro e que alterações ou modificações inconscientes, conscientes, pré-conscientes ou subconscientes modificam o seu funcionamento uma ao outro, já que foram formadas paralelamente tanto biologicamente quanto psicologicamente, não há como uma existir sem o outro, contudo em e.q.m. (experiências quase morte) algo resiste e sobrevive, será a mente, a alma ou o espírito, ou todos eles em interação? Só morrendo para saber! (MATTANÓ; 29/10/2024).

 

 

 

 

 

Mattanó aponta que o complexo mapeamento da sensibilidade é feito por canais neurais dedicados a regiões cerebrais específicas. Tipos especiais de fibras nervosas (fibras Aδ e C) levam sinais de todas as partes do corpo a determinadas partes do sistema nervoso central (como a seção lâmina I do corno posterior da medula espinhal), verticalmente por todos os níveis da medula espinhal, e à parte caudal do nervo trigêmeo. Os componentes da medula espinhal lidam com os sinais provenientes do meio interno e das vísceras do corpo, exceto a cabeça - tronco, abdome e membros. O núcleo do nervo trigêmeo lida com os sinais do meio interno e das vísceras da cabeça, incluindo o rosto e sua pele, o couro cabeludo e a fundamental membrana meníngea geradora de dor, a dura-máter. Igualmente dedicadas são as regiões cerebrais encarregadas de lidar com os sinais depois que eles entram no sistema nervoso central e quando os sinais subsequentes se encaminham para níveis superiores do cérebro, a isto chamamos de interocepção, temos ainda, os canais do corpo ao cérebro que mapeiam o estado dos músculos esqueléticos quando eles executam movimentos, que são parte da exterocepção. As mensagens dos músculos esqueléticos seguem por tipos diferentes de fibras nervosas de condução rápida - Aα e Aγ - e por diferentes estações do sistema nervoso central ao longo de todo o caminho até os níveis superiores do cérebro. O resultado de toda essa sinalização é um quadro multidimensional do corpo no cérebro e, portanto, na mente. Vemos que a mente é função da interocepção e da exterocepção, ou seja, é resultado de uma funcionalidade do tipo S – R – C, estímulo – resposta – consequência, que promove a sua adaptação comportamental, fisiológica e morfológica mediante as exigências e adversidades do meio ambiente interno e externo, de modo que se crie uma consciência, cultura, conhecimento e realidade que se desenvolverá, paradoxalmente, ao inconsciente, ao pré-consciente e ao subconsciente através da linguagem que tem a função de estruturar estas formas de se pensar, representar, conhecer e apreender o mundo objetal, e a construir relações entre os seus elementos, por exemplo, através da Gestalt, dos insights, do prazer ou da realidade, do real ou do ideal, do simbólico e/ou do imaginário, das marcas, dos arranjos, dos arquétipos, da intencionalidade, da oração, da fé e da crença. (MATTANÓ; 31/10/2024).

 

 

 

A    REPRESENTAÇÃO    DE     QUANTIDADES    E     A

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CONSTRUÇÃO DE QUALIDADES

 

A sinalização do corpo ao cérebro que descrevi não cuida mera-mente de representar as quantidades de certas moléculas ou o grau de contração dos músculos lisos. É verdade que os canais corpo-cérebro transmitem informações sobre quantidades (quanto co2 ou O2 está presente, quanto açúcar há no sangue etc.). Mas paralelamente existe também um aspecto qualitativo nos resultados da transmissão. Senti-mos que o estado do corpo corresponde a alguma variação de prazer ou dor, de relaxamento ou tensão: pode haver uma sensação de ener-gia ou prostração, de leveza ou peso, de fluxo desimpedido ou res-istência, de entusiasmo ou desânimo. Como é que esse efeito qualit-ativo de fundo pode ser obtido? Para começar, organizando os diver-sos sinais quantitativos que chegam às estruturas do tronco cerebral e córtices insulares de modo que eles componham diversas paisagens para os fenômenos que estão ocorrendo no corpo.

 

Para que o leitor compreenda minha ideia, peço-lhe que imagine um estado de prazer (ou angústia) e tente discriminar seus compon-entes fazendo um breve inventário das várias partes do corpo que so-frem mudança no processo: endócrinas, cardíacas, circulatórias, res-piratórias, intestinais, epidérmicas, musculares. Agora reflita que o sentimento que você vivencia é a percepção integrada de todas essas mudanças ocorrendo na paisagem do corpo. Como exercício, você pode tentar compor o sentimento e atribuir valores de intensidade a cada componente. Para cada exemplo que imaginar, obterá uma qual-idade diferente.

 

Existem ainda outros modos de construir qualidades. Primeiro, como já exposto, uma parte significativa dos sinais do corpo passa por um tratamento adicional em certos núcleos do sistema nervoso

 

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central. Em outras palavras, os sinais são processados em estágios in-termediários que não são meramente estações de retransmissão. O maquinário da emoção localizado nos núcleos da matéria cinzenta periaquedutal provavelmente influencia de modo direto e indireto o processamento de sinais do corpo no nível do núcleo parabraquial. Não se sabe exatamente o que, em termos neurais, é adicionado nesse processo, mas essa adição provavelmente contribui para a qual-idade experiencial dos sentimentos. Segundo, as regiões que recebem a sinalização do corpo ao cérebro respondem, por sua vez, alterando o estado corrente do corpo. Imagino que essas respostas iniciem uma alça ressonante estrita, de mão dupla, entre estados do corpo e esta-dos do cérebro. O mapeamento que o cérebro faz do estado corporal e o efetivo estado do corpo nunca estão muito distantes. Sua fronteira

 

  • Eles se tornam praticamente fundidos. A sensação de que os fenômenos estão ocorrendo na carne resulta dessa situação. Um ferimento que é mapeado no tronco cerebral (no núcleo parabra-quial) e é percebido como dor desencadeia várias respostas ao corpo. As respostas são iniciadas pelo núcleo parabraquial e executadas nas proximidades, nos núcleos da matéria cinzenta periaquedutal. Elas causam uma reação emocional e uma mudança no processamento dos sinais de dor subsequentes, que imediatamente alteram o estado corporal e, por sua vez, alteram o próximo mapa que o cérebro fará do corpo. Além disso, as respostas que se originam em regiões sens-itivas do corpo provavelmente alteram o funcionamento de outros sistemas perceptuais, e assim modulam não só a percepção corrente do corpo, mas também a percepção do contexto no qual a sinalização corporal está ocorrendo. No rnesencéfalo ponte medula Corpo pro-priamente dito exemplo do ferimento, paralelamente ao corpo mudado haverá também uma alteração do processamento cognitivo

 

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corrente. É impossível continuar a sentir prazer em qualquer ativid-ade que estejamos desempenhando enquanto sentimos a dor do feri-mento. Essa alteração da cognição provavelmente é obtida pela liber-ação de moléculas a partir de núcleos neuromoduladores do tronco cerebral e do prosencéfalo basal. De modo global, esses processos levarão à produção de mapas qualitativamente distintos, uma con-tribuição para a base das experiências de dor e prazer.

 

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Figura 4.1. Diagrama dos principais núcleos do tronco cerebral envolvidos na regulação da vida (homeostase). Três níveis do tronco cerebral são mostrados em ordem descendente (mesencéfalo, ponte e medula); o hipotálamo (que é um com-ponente funcional do tronco cerebral apesar de anatomicamente pertencer ao di-encéfalo) também está incluído. A sinalização enviada e recebida no corpo propri-amente dito e no córtex cerebral é representada por setas verticais. Estão indica-das apenas as conexões básicas e só os principais núcleos envolvidos na homeo-stase. Não estão incluídos os núcleos reticulares clássicos nem os núcleos monoaminérgicos e colinérgicos.O tronco cerebral frequentemente é considerado um mero conduto para sinais do corpo ao cérebro e do cérebro ao corpo, mas a realidade é diferente. Estruturas como o NTS (núcleo do trato solitário) e o NPB núcleo parabraquial) realmente transmitem sinais do corpo para o cérebro, mas não passivamente. Esses núcleos, cuja organização topográfica é precursora da que existe no córtex cerebral, respondem a sinais do corpo, e assim regulam o metabolismo e protegem a integridade dos tecidos corporais. Além disso, suas ricas interações recursivas (indicada por setas mútuas) sugerem que no processo de regulação da vida podem ser criados novos padrões de sinais. A PAG (matéria cinzenta periaquedutal), geradora de respostas químicas e motoras complexas voltadas para o corpo ( como as respostas envolvidas na reação a dor e nas emoções) também é ligada recursivamente ao NPB e ao NTS. A PAG é um elo es-sencial nessa alça ressonante entre o corpo e o cérebro.Faz sentido a hipótese de que, no processo de regulação da vida, as redes formadas por esses núcleos tam-bém originem estados neurais compostos. O termo "sentimentos" descreve o as-pecto mental desses estados.

         Mattanó aponta que a sinalização do corpo ao cérebro que o autor do livro estudado descreve não cuida meramente de representar as quantidades de certas moléculas ou o grau de contração dos músculos lisos. É verdade que os canais corpo-cérebro transmitem informações sobre quantidades (quanto co2 ou O2 está presente, quanto açúcar há no sangue etc.). Mas paralelamente existe também um aspecto qualitativo nos resultados da transmissão. Sentimos que o estado do corpo corresponde a alguma variação de prazer ou dor, de relaxamento ou tensão: pode haver uma sensação de energia ou prostração, de leveza ou peso, de fluxo desimpedido ou resistência, de entusiasmo ou desânimo. Como é que esse efeito qualitativo de fundo pode ser obtido? Para começar, organizando os diversos sinais quantitativos que chegam às estruturas do tronco cerebral e córtices insulares de modo que eles componham diversas paisagens para os fenômenos que estão ocorrendo no corpo. Um dos caminhos possíveis trata-se da adaptação fisiológica, comportamental  e morfológica dos estímulos segundo sua resposta e posterior consequência que compõem diversas paisagens para os fenômenos que estão ocorrendo no corpo através dos novos contextos que se formam, organizam e se reorganizam para o padrão funcional de adaptação ao meio ambiente, onde os diversos sinais quantitativos chegam às estruturas do tronco cerebral e aos córtices insulares que respondem formando  diversas paisagens para os eventos que ocorrem com o corpo ou meio ambiente interno.

Os sinais são processados em estágios intermediários que não são meramente estações de retransmissão. O maquinário da emoção localizado nos núcleos da matéria cinzenta periaquedutal provavelmente influencia de modo direto e indireto o processamento de sinais do corpo no nível do núcleo parabraquial. Não se sabe exatamente o que, em termos neurais, é adicionado nesse processo, mas essa adição provavelmente contribui para a qualidade experiencial dos sentimentos. Segundo, as regiões que recebem a sinalização do corpo ao cérebro respondem, por sua vez, alterando o estado corrente do corpo. Imagino que essas respostas iniciem uma alça ressonante estrita, de mão dupla, entre estados do corpo e estados do cérebro. O mapeamento que o cérebro faz do estado corporal e o efetivo estado do corpo nunca estão muito distantes. Sua fronteira

é        indistinta. Eles se tornam praticamente fundidos. A sensação de que os fenômenos estão ocorrendo na carne resulta dessa situação. Um ferimento que é mapeado no tronco cerebral (no núcleo parabraquial) e é percebido como dor desencadeia várias respostas ao corpo. As respostas são iniciadas pelo núcleo parabraquial e executadas nas proximidades, nos núcleos da matéria cinzenta periaquedutal. Elas causam uma reação emocional e uma mudança no processamento dos sinais de dor subsequentes, que imediatamente alteram o estado corporal e, por sua vez, alteram o próximo mapa que o cérebro fará do corpo. Além disso, as respostas que se originam em regiões sensitivas do corpo provavelmente alteram o funcionamento de outros sistemas perceptuais, e assim modulam não só a percepção corrente do corpo, mas também a percepção do contexto no qual a sinalização corporal está ocorrendo. No mesencéfalo ponte medula Corpo propriamente dito exemplo do ferimento, paralelamente ao corpo mudado haverá também uma alteração do processamento cognitivo corrente. É impossível continuar a sentir prazer em qualquer atividade que estejamos desempenhando enquanto sentimos a dor do ferimento. Essa alteração da cognição provavelmente é obtida pela liberação de moléculas a partir de núcleos neuromoduladores do tronco cerebral e do prosencéfalo basal. De modo global, esses processos levarão à produção de mapas qualitativamente distintos, uma contribuição para a base das experiências de dor e prazer. Vemos que o nosso cérebro possui mecanismos de modulação onde pode realizar conexões que possibilitem respostas paralelas de dor e de prazer, graças a áreas diferentes do nosso cérebro, que tem funções diferentes, respostas qualitativas diferentes que asseguram a diversidade de comportamentos e de pensamentos, até de fenômenos como o inconsciente e a Gestalt, como meios de se relacionar intrapessoalmente e interpessoalmente, cognitivamente e inteligentemente, resolvendo problemas e encontrando soluções de diversas maneiras, inclusive criativas e produtivas, que produzam economia e riquezas, mesmo num cenário de dor, sofrimento, guerra, loucura, lavagem cerebral, extorsão, tortura, despersonalização, estupro e estupro coletivo virtual, estupro virtual, roubo, atentados contra a vida e o patrimônio, tentativas de chacinas, genocídio, práticas incendiárias e terroristas, violação de leis e de direitos, pobreza, fome e miséria associadas a alegria, paz, festividade,  cultura, bondade, religiosidade, ternura, carinho, espiritualidade, caridade, música e harmonia com o mundo, os nossos mapas cerebrais respondem a essa interconectividade cerebral e a sua plasticidade, são pois, maleáveis e plásticos, dependem de uma alteração da cognição provavelmente que é obtida pela liberação de moléculas a partir de núcleos neuromoduladores do tronco cerebral e do prosencéfalo basal, contribuindo para as experiências de dor e de prazer, e deste modo para a regulação da homeostase do organismo ou corpo através da sua funcionalidade S – R – C, estímulo – resposta – consequência, que por sua vez mantêm os eventos do cérebro interconectados. (MATTANÓ; 05/11/2024).

 

 

 

 

 

OS SENTIMENTOS PRIMORDIAIS

 

A questão de como os mapas perceptuais dos nossos estados corporais tornam-se sensações físicas - como esses mapas são

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sentidos e vivenciados - não é apenas importante para compreendermos a mente consciente; ela é essencial a essa compreensão. Não podemos explicar plenamente a subjetividade sem conhecer a origem dos sentimentos e sem reconhecer a existência de sentimentos primordiais, reflexos espontâneos do estado do corpo vivo. A meu ver, os sentimentos primordiais resultam tão somente do corpo vivo e precedem as interações entre o maquinário da regulação da vida e quaisquer objetos. Os sentimentos primordiais baseiam-se no funcionamento de núcleos do tronco cerebral superior, que são parte indissociável do maquinário da regulação da vida. Os sentimentos primordiais são as "primitivas", a origem de todos os outros sentimentos. Retornarei a essa ideia na parte III.

 

                Mattanó aponta que não podemos explicar plenamente a subjetividade sem conhecer a origem dos sentimentos e sem reconhecer a existência de sentimentos primordiais, reflexos espontâneos do estado do corpo vivo. A meu ver, os sentimentos primordiais resultam tão somente do corpo vivo e precedem as interações entre o maquinário da regulação da vida e quaisquer objetos. Os sentimentos primordiais baseiam-se no funcionamento de núcleos do tronco cerebral superior, que são parte indissociável do maquinário da regulação da vida. Os sentimentos primordiais são as "primitivas", a origem de todos os outros sentimentos. Contudo para Mattanó os sentimentos primordiais dependem da sua adaptação comportamental, fisiológica e morfológica que por sua vez implicam numa relação funcional onde S – R – C, estímulo – resposta – consequência, mantêm a adaptação e a homeostase, a equilibração da vida, pela qual os sentimentos primordiais interagem com o corpo vivo, fazendo com que todos os outros sentimentos sejam originados. (MATTANÓ; 13/11/2024).

 

 

 

 

 

 

 

MAPEAMENTO E SIMULAÇÃO DE ESTADOS DO CORPO

 

Está comprovado que o corpo, na maioria de seus aspectos, é continuamente mapeado no cérebro e que uma quantidade variável mas considerável das informações correspondentes entra na mente consciente. Para que o cérebro coordene os estados fisiológicos no corpo propriamente dito, o que ele pode fazer sem que estejamos conscientes do processo, precisa ser informado sobre os vários parâmetros fisiológicos nas diferentes regiões do corpo. As informações têm de ser atuais e coerentes, de momento a momento, para permitir um controle ótimo.

Mas essa não é a única rede que liga o corpo e o cérebro. Por volta de 1990 apresentei a hipótese de que, em certas circunstâncias, por exemplo, no decorrer de uma emoção, o cérebro com rapidez constrói mapas do corpo comparáveis aos que ocorreriam se o corpo

 

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efetivamente houvesse sido mudado por essa emoção. A construção pode ocorrer antes das mudanças emocionais em decurso no corpo, ou até mesmo em vez dessas mudanças. Em outras palavras, o cérebro pode simular, em regiões somatossensitivas, certos estados corporais como se eles estivessem ocorrendo; e como nossa percepção de qualquer estado corporal está alicerçada nos mapas corporais das regiões somatossensitivas, percebemos o estado do corpo como se ele estivesse efetivamente ocorrendo, mesmo que não esteja.7

 

Na época em que apresentei essa hipótese da "alça corpórea virtual" [as-if body loop], as evidências que consegui coligir para dar-lhe respaldo eram circunstanciais. Faz sentido para o cérebro saber sobre o estado do corpo que ele está prestes a produzir. As vantagens dessa espécie de "simulação antecipada" evidenciam-se em estudos do fenômeno da cópia eferente. A cópia eferente é o que permite a estruturas motoras que estão na iminência de comandar a execução de determinado movimento informar as estruturas visuais da consequência provável desse movimento no que respeita ao deslocamento espacial. Por exemplo, quando nossos olhos estão prestes a mover-se na direção de um objeto situado na periferia da visão, a região visual do cérebro é avisada do movimento iminente e fica pronta para facilitar a transição para o novo objeto sem criar um borrão na imagem. Em outras palavras, permite-se que a região visual preveja a consequência do movimento.8 Simular um estado do corpo sem de fato produzi-lo reduziria o tempo de processamento e pouparia energia. A hipótese da alça corpórea virtual implica que as estruturas cerebrais incumbidas de desencadear determinada emoção são capazes de se conectar às estruturas nas quais seria mapeado o estado corporal correspondente à emoção. Por exemplo, a amígdala132/443

 

(um sítio desencadeador do medo) e o córtex pré-frontal ventromediano (o sítio que desencadeia a compaixão) teriam de conectar-se com regiões somatossensitivas, áreas como o córtex insular, SII, sr e os córtices associativos somatossensitivos, onde estados correntes do corpo são processados continuamente. Tais conexões existem, e assim possibilitam a implementação do mecanismo da alça corpórea virtual. Recentemente várias fontes trouxeram subsídios para essa hipótese. Uma delas é a série de experimentos feitos por Giacomo Rizzolatti e colegas. Eles implantaram eletrodos no cérebro de macacos e puseram esses animais para observar um pesquisador que executava diversas ações. Quando um macaco via o pesquisador mover a mão, neurônios nas regiões cerebrais do macaco relacionadas aos movimentos de sua própria mão ativavam-se, "como se" o macaco, e não o investigador, estivesse executando a ação. Na realidade, porém, o macaco permanecia imóvel. Os autores denominaram neurônios-espelho aqueles neurônios que se comportaram desse modo.9

 

Os chamados neurônios-espelho são, com efeito, o supremo dispositivo de simulação dos estados do corpo no cérebro. A rede na qual esses neurônios estão inseridos realiza conceitualmente o que visualizei como o sistema da alça corpórea virtual: a simulação, em mapas cerebrais do corpo, de um estado corporal que não está ocorrendo de verdade no organismo. O fato de que o estado corporal simulado pelos neurônios-espelho não é o estado corporal do indivíduo amplifica o poder de sua semelhança funcional. Se um cérebro complexo pode simular o estado corporal de outro indivíduo, é de supor que seria capaz de simular os estados de seu próprio corpo. Um estado que já ocorreu no organismo deveria ser mais fácil de simular, pois já foi mapeado precisamente pelas mesmas estruturas

 

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somatossensitivas que agora são responsáveis por simulá-lo. Suponho que o sistema da simulação aplicado a terceiros não se teria desenvolvido se antes de tudo não existisse um sistema de simulação aplicado ao próprio organismo ao qual pertence o cérebro.

 

A natureza das estruturas cerebrais envolvidas nesse processo reforça a sugestiva semelhança funcional entre a alça corpórea virtual e o funcionamento dos neurônios-espelho. Para a alça corpórea virtual, supus que neurônios em áreas associadas à emoção, como o córtex pré-motor/pré-frontal (no caso da compaixão) e a amígdala (no caso do medo), ativariam regiões que normalmente mapeiam o estado do corpo e, por sua vez, o impelem à ação. Nos humanos essas regiões incluem o complexo somatomotor nos opérculos rolândicos e parietais e o córtex insular. Todas essas regiões têm duplo papel somatomotor: podem manter um mapa do estado do corpo, um papel sensorial, e também participar de uma ação. De modo geral, foi isso que revelaram os experimentos neurofisiológicos com os macacos. Condiz também com estudos em humanos usando magnetoencefalografia IO e neuroimagens funcionais.11 Nossos próprios estudos, baseados em lesões neurológicas, apontam nessa mesma direção.12

 

As explicações sobre a existência dos neurônios-espelho ressaltam o possível papel que eles podem ter para nos permitir entender as ações de outros colocando-nos em um estado corporal comparável. Quando observamos uma ação em outro indivíduo, nosso cérebro capaz de sentir o corpo adota o estado corporal que teríamos caso nós mesmos estivéssemos executando essa ação, e muito provavelmente ele faz isso não por meio de padrões sensoriais passivos, mas de uma pré-ativação de estruturas motoras - torna-se pronto para ação, mas ainda sem permissão para agir e, em alguns casos, por meio de uma ativação motora real.

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Como foi que evoluiu um sistema fisiológico assim complexo? Desconfio que ele se originou em um sistema anterior de alça corpórea virtual, que o cérebro complexo já vinha usando havia muito tempo para simular seus próprios estados corporais. Isso teria trazido uma vantagem clara e imediata: a ativação rápida e com economia de energia dos mapas de determinados estados corporais, que por sua vez se associavam a um conhecimento do passado e a estratégias cognitivas relevantes. Por fim, o sistema de simulação foi aplicado a terceiros e prevaleceu graças às igualmente óbvias vantagens sociais que um indivíduo pode ter quando conhece os estados corporais dos outros, já que tais estados são expressões de estados mentais. Em suma, considero o sistema da alça corpórea virtual em cada organismo o precursor do funcionamento dos neurônios-espelho.

 

Como veremos na parte III, o fato de o corpo de um organismo poder ser representado no cérebro é essencial para a criação do self. Mas a representação do corpo pelo cérebro tem outra implicação fundamental: assim como podemos representar os nossos próprios estados corporais, podemos também simular com mais facilidade os estados corporais equivalentes em outros indivíduos. Subsequentemente, a relação que estabelecemos entre nossos próprios estados corporais e a significância que eles adquiriram para nós podem ser transferidas para o estado corporal de terceiros simulado em nosso cérebro, e nessa etapa podemos atribuir uma significância comparável a essa simulação. O conjunto de fenômenos denotado pelo termo "empatia" deve muito a esse processo.

 

Mattanó aponta que está comprovado que o corpo, na maioria de seus aspectos, é continuamente mapeado no cérebro e que uma quantidade variável mas considerável das informações correspondentes entra na mente consciente. Para que o cérebro coordene os estados fisiológicos no corpo propriamente dito, o que ele pode fazer sem que estejamos conscientes do processo, precisa ser informado sobre os vários parâmetros fisiológicos nas diferentes regiões do corpo. As informações têm de ser atuais e coerentes, de momento a momento, para permitir um controle ótimo. Vemos que o nosso cérebro tem a propriedade de selecionar eventos que são discriminados e se tornam conscientes e outros que permanecem encobertos ou inconscientes e indiscrimináveis, através dos sensos interoceptor, exteroceptor e proprioceptor, que como num salão escuro começa a se manifestar um holofote que ilumina determinados objetos e exclui outros, trata-se da nossa consciência agindo sobre o inconsciente que retém informações recalcadas e instintivas que compõem a nossa percepção.

Mas essa não é a única rede que liga o corpo e o cérebro. Por volta de 1990 apresentei a hipótese de que, em certas circunstâncias, por exemplo, no decorrer de uma emoção, o cérebro com rapidez constrói mapas do corpo comparáveis aos que ocorreriam se o corpo efetivamente houvesse sido mudado por essa emoção. A construção pode ocorrer antes das mudanças emocionais em decurso no corpo, ou até mesmo em vez dessas mudanças. Em outras palavras, o cérebro pode simular, em regiões somatossensitivas, certos estados corporais como se eles estivessem ocorrendo; e como nossa percepção de qualquer estado corporal está alicerçada nos mapas corporais das regiões somatossensitivas, percebemos o estado do corpo como se ele estivesse efetivamente ocorrendo, mesmo que não esteja. Vemos que o cérebro pode também criar mapas paranormais e projetar mudanças emocionais e cognitivas antes mesmo que elas aconteçam, pois o cérebro é capaz de simular realidades e comportamentos antes mesmo que eles aconteçam, antecipando sua ação como forma de controle ou planejamento e educação virtual, construindo assim uma moralidade virtual e paranormal.

Na época em que apresentei essa hipótese da "alça corpórea virtual" [as-if body loop], as evidências que consegui coligir para dar-lhe respaldo eram circunstanciais. Faz sentido para o cérebro saber sobre o estado do corpo que ele está prestes a produzir. As vantagens dessa espécie de "simulação antecipada" evidenciam-se em estudos do fenômeno da cópia eferente. A cópia eferente é o que permite a estruturas motoras que estão na iminência de comandar a execução de determinado movimento informar as estruturas visuais da consequência provável desse movimento no que respeita ao deslocamento espacial. Por exemplo, quando nossos olhos estão prestes a mover-se na direção de um objeto situado na periferia da visão, a região visual do cérebro é avisada do movimento iminente e fica pronta para facilitar a transição para o novo objeto sem criar um borrão na imagem. Em outras palavras, permite-se que a região visual preveja a consequência do movimento. Simular um estado do corpo sem de fato produzi-lo reduziria o tempo de processamento e pouparia energia. A hipótese da alça corpórea virtual implica que as estruturas cerebrais incumbidas de desencadear determinada emoção são capazes de se conectar às estruturas nas quais seria mapeado o estado corporal correspondente à emoção. Por exemplo, a amígdala (um sítio desencadeador do medo) e o córtex pré-frontal ventromediano (o sítio que desencadeia a compaixão) teriam de conectar-se com regiões somatossensitivas, áreas como o córtex insular, SII, sr e os córtices associativos somatossensitivos, onde estados correntes do corpo são processados continuamente. Tais conexões existem, e assim possibilitam a implementação do mecanismo da alça corpórea virtual. Vemos que o mecanismo da alça corpórea virtual maximiza o comportamento do corpo e sua adaptação comportamental, fisiológica e morfológica, poupando gastos de energia e de tempo e  trabalho, de modo que o indivíduo pode ampliar suas relações sociais, domésticas, trabalhistas, educativas, institucionais, afetivas e familiares, pois poupa tempo e comportamento com a alça corpórea virtual, que por sua vez permite uma antecipação comportamental através da topografia acústica ou visual cerebral, por exemplo, que escaneia o objeto planejando com um controle remoto com várias opções sua próxima resposta funcional.

Os chamados neurônios-espelho são, com efeito, o supremo dispositivo de simulação dos estados do corpo no cérebro. A rede na qual esses neurônios estão inseridos realiza conceitualmente o que visualizei como o sistema da alça corpórea virtual: a simulação, em mapas cerebrais do corpo, de um estado corporal que não está ocorrendo de verdade no organismo. O fato de que o estado corporal simulado pelos neurônios-espelho não é o estado corporal do indivíduo amplifica o poder de sua semelhança funcional. Se um cérebro complexo pode simular o estado corporal de outro indivíduo, é de supor que seria capaz de simular os estados de seu próprio corpo. Um estado que já ocorreu no organismo deveria ser mais fácil de simular, pois já foi mapeado precisamente pelas mesmas estruturas somatossensitivas que agora são responsáveis por simulá-lo. Suponho que o sistema da simulação aplicado a terceiros não se teria desenvolvido se antes de tudo não existisse um sistema de simulação aplicado ao próprio organismo ao qual pertence o cérebro. Vemos que o sistema de neurônios-espelho permitem a aprendizagem através da observação, da imitação, da discriminação, da atenção, do controle e do controle, do poder, da marca, da influência, da sensação e da cópia de comportamentos que suscitem alguma identificação com o objeto no ¨espelho¨ que copiamos por meio de neurônios especializados para esta função e com estas propriedades adaptativas diante das adversidades e exigências do meio ambiente, como a evolução das espécies, a seleção natural e a competição entre os indivíduos.

A natureza das estruturas cerebrais envolvidas nesse processo reforça a sugestiva semelhança funcional entre a alça corpórea virtual e o funcionamento dos neurônios-espelho. Para a alça corpórea virtual, supus que neurônios em áreas associadas à emoção, como o córtex pré-motor/pré-frontal (no caso da compaixão) e a amígdala (no caso do medo), ativariam regiões que normalmente mapeiam o estado do corpo e, por sua vez, o impelem à ação. Nos humanos essas regiões incluem o complexo somatomotor nos opérculos rolândicos e parietais e o córtex insular. Todas essas regiões têm duplo papel somatomotor: podem manter um mapa do estado do corpo, um papel sensorial, e também participar de uma ação. Vemos que os mapas que o cérebro produz tem função virtual e de espelho, implicam em produção de emoções e de comportamentos para a avaliação de comportamentos diante de variáveis ambientais no reino da evolução, seleção e competição animal.

As explicações sobre a existência dos neurônios-espelho ressaltam o possível papel que eles podem ter para nos permitir entender as ações de outros colocando-nos em um estado corporal comparável. Quando observamos uma ação em outro indivíduo, nosso cérebro capaz de sentir o corpo adota o estado corporal que teríamos caso nós mesmos estivéssemos executando essa ação, e muito provavelmente ele faz isso não por meio de padrões sensoriais passivos, mas de uma pré-ativação de estruturas motoras - torna-se pronto para ação, mas ainda sem permissão para agir e, em alguns casos, por meio de uma ativação motora real. Vemos que os mapas cerebrais podem incluir ativação motora ou descarga motora e comportamental, inclusive verbal, imaginária e simbólica, inconsciente e subconsciente, com Gestalt e insights e formas de topografia cerebral.

Como foi que evoluiu um sistema fisiológico assim complexo? Desconfio que ele se originou em um sistema anterior de alça corpórea virtual, que o cérebro complexo já vinha usando havia muito tempo para simular seus próprios estados corporais. Isso teria trazido uma vantagem clara e imediata: a ativação rápida e com economia de energia dos mapas de determinados estados corporais, que por sua vez se associavam a um conhecimento do passado e a estratégias cognitivas relevantes. Por fim, o sistema de simulação foi aplicado a terceiros e prevaleceu graças às igualmente óbvias vantagens sociais que um indivíduo pode ter quando conhece os estados corporais dos outros, já que tais estados são expressões de estados mentais. Em suma, considero o sistema da alça corpórea virtual em cada organismo o precursor do funcionamento dos neurônios-espelho. A alça corpórea virtual é precurssora dos neurônios espelho e da paranormalidade que depende de neurônios com propriedades especifícas que podemos chamar de neurônios paranormais.

Como veremos na parte III, o fato de o corpo de um organismo poder ser representado no cérebro é essencial para a criação do self. Mas a representação do corpo pelo cérebro tem outra implicação fundamental: assim como podemos representar os nossos próprios estados corporais, podemos também simular com mais facilidade os estados corporais equivalentes em outros indivíduos. Subsequentemente, a relação que estabelecemos entre nossos próprios estados corporais e a significância que eles adquiriram para nós podem ser transferidas para o estado corporal de terceiros simulado em nosso cérebro, e nessa etapa podemos atribuir uma significância comparável a essa simulação. O conjunto de fenômenos denotado pelo termo "empatia" deve muito a esse processo. Vemos que o nosso cérebro é capaz de se especializar muito rapidamente em função das propriedades dos seus neurônios que são muito ricos, podem até se transformarem em neurônios paranormais mediante um hospedeiro ou um alienígena e causar grandes problemas e transformações sociais no mundo e nas relações entre as pessoas e as sociedades, mas tudo em função do cérebro. (MATTANÓ; 13/11/2024).

 

 

 

A ORIGEM DE UMA IDEIA

 

Vislumbrei pela primeira vez a possibilidade acima descrita em135/443

 

um episódio singular e memorável. Numa tarde de verão quando eu trabalhava no laboratório, levantei-me da cadeira e, andando pela sala, de repente me peguei pensando em meu colega B. Não tinha razão alguma para pensar nele. Eu não o vira recentemente, não precisava falar com ele, não lera nada a seu respeito, não estava planejando encontrá-lo. E no entanto, lá estava ele, presente em minha mente, o receptor de toda a minha atenção. É comum pensarmos em pessoas o tempo todo, mas aquilo era diferente, pois se tratava de uma presença inesperada, que exigia uma explicação. Por que eu estava pensando no dr. B. naquele momento?

 

Quase instantaneamente, uma rápida sucessão de imagens me disse o que eu precisava saber. Refiz na mente os meus movimentos e percebi que, por uns breves instantes, eu me movimentara de um modo parecido com o do meu colega B. Era o modo como eu balançava os braços e arqueava as pernas. Uma vez descoberta a razão de eu ter sido forçado a pensar nele, tornei-me capaz de visualizar mentalmente o seu modo de andar. O mais interessante é que as imagens visuais que eu criara haviam sido desencadeadas - ou, melhor ainda, moldadas - pela imagem dos meus próprios músculos e ossos adotando os padrões de movimentação característicos do meu colega B. Em suma, eu estivera andando como o dr. B., representara na mente a minha estrutura óssea animada (tecnicamente, gerara uma imagem somatossensitiva) e por fim evocara uma contrapartida visual apropriada para aquela imagem musculoesquelética específica, a qual, como descobri, era a do meu colega.

 

Assim que a identidade do intruso foi revelada, também me ocorreu que o cérebro humano tem uma capacidade fascinante: eu podia adotar os movimentos característicos de outra pessoa por puro acaso. (Ou quase isso: depois de refletir mais uma vez sobre a136/443

 

situação, lembrei-me de que algum tempo antes eu tinha visto pela janela o dr. B. passar. Eu havia processado a sua presença sem prestar atenção, em grande medida inconscientemente.) Eu era capaz de transformar o movimento representado em uma imagem visual correspondente, e recuperar na memória a identidade de uma pessoa, ou mais de uma, que se encaixasse na descrição. Tudo isso testemunhava em favor da existência de estreitas interligações entre um movimento real do corpo, as representações dessa movimentação nas esferas musculoesquelética e visual, e as memórias que podem ser evocadas em relação a algum aspecto dessas representações.

 

Esse episódio, enriquecido por observações e reflexões adicionais, levou-me a perceber que nossa ligação com os outros ocorre não só por meio de imagens visuais, linguagem e inferência lógica, mas também através de algo mais entranhado em nossa carne: as ações com as quais podemos representar os movimentos alheios. Podemos fazer traduções por quatro vias entre (1) movimento real, (2) representações somatossensitivas do movimento, (3) representações visuais do movimento e (4) memória. Esse episódio teria seu papel na elaboração da ideia da simulação do corpo e sua aplicação na alça corpórea virtual.

 

Os bons atores sem dúvida usam muito esses recursos, sabendo disso ou não. O modo como alguns dos melhores canalizam certas personalidades em suas composições serve-se dessa capacidade de representar outros, nos aspectos visuais e auditivos, e então dar-lhes vida em seu próprio corpo. É assim que se encarna um personagem, e, quando esse processo de transferência é decorado por detalhes inesperados e inventados, assistimos a uma representação genial.

 

Mattanó aponta que as imagens visuais que um indivíduo criara haviam sido desencadeadas - ou, melhor ainda, moldadas - pela imagem dos meus próprios músculos e ossos adotando os padrões de movimentação característicos de um objeto desejado mentalmente, representara na mente minha estrutura óssea animada (tecnicamente, gerara uma imagem somatossensitiva) e por fim evocara uma contrapartida visual apropriada para aquela imagem musculoesquelética específica, a qual, como se descobre, a do meu objeto desejado, adotando a sua topografia comportamental de forma inconsciente. O cérebro pode adotar os movimentos de outro objeto por imitação ou cópia por puro acaso e transformar isso em imagem visual correspondente, recuperando a memória da identidade do objeto. O cérebro pode recuperar a cultura, o conhecimento, a realidade e a consciência por imitação ou cópia, realizadas por puro acaso, e transformar isso em imagem visual correspondente que há de se transformar em comportamento ou em movimento real do corpo, em representações dessa movimentação nas esferas musculoesquelética e visual, e em memórias que constituirão a sua identidade.

Podemos fazer traduções por quatro vias entre (1) movimento real, (2) representações somatossensitivas do movimento, (3) representações visuais do movimento e (4) memória. Esse episódio teria seu papel na elaboração da ideia da simulação do corpo e sua aplicação na alça corpórea virtual. Vemos aqui que o indivíduo torna-se capaz de se tornar um grande simulador de comportamentos, de modo a condenar teorias e práticas que afirmam que todo indivíduo tem seu mundo encoberto e virtual como manifestação prática e desejante, objetiva e real, totalmente litigiosa e dotada de intenção no escopo de significados e de sentidos, senão de vontades práticas que denotem uma ¨fome¨ ou vontade de satisfazer suas representações mentais, e destituir o cérebro da sua capacidade de ser um grande simulador de comportamentos, caraterística herdada geneticamente e filogeneticamente, através da evolução das espécies, da seleção natural e da competição das espécies e indivíduos, sendo necessária para a adaptação comportamental, fisiológica e morfológica de qualquer Homo Sapiens. Por isso leis que julguem comportamentos encobertos, pensamentos e mundos virtuais discriminam o nosso cérebro e a sua capacidade de ser um grande simulador de comportamentos.

Os bons atores sem dúvida usam muito esses recursos,     sabendo disso ou não. O modo como alguns dos melhores canalizam certas personalidades em suas composições serve-se dessa capacidade de representar outros, nos aspectos visuais e auditivos, e então dar-lhes vida em seu próprio corpo. É assim que se encarna um personagem, e, quando esse processo de transferência é decorado por detalhes inesperados e inventados, assistimos a uma representação genial. Também representamos através dos papéis sociais desempenhados e prescritos que selecionam comportamentos simulados e treinados ou estudados para eventos determinados como o voto nas Eleições, o desempenho comportamental num concurso ou vestibular, o comportamento numa Igreja ou numa Santa Missa, o comportamento num dia Santo ou num feriado como o Carnaval, o comportamento num estádio de futebol ou num evento artístico musical grandioso, o comportamento de doméstico e familiar, o comportamento recalcado e inconsciente é um grande simulador por puro acaso, as leis, códigos e normas também estimulam a criação e o desenvolvimento de simulações comportamentais, por exemplo, nas disputas judiciais. (MATTANÓ; 20/11/2024).